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    Agricultura

    Saúde dos brasileiros depende da galinha

    Além de alimentar milhões, a avicultura brasileira fornece ovos férteis e insumos essenciais para a produção de vacinas humanas

    POR: Evaristo de Miranda

    8 min de leitura

    Técnico do Instituto Butantan manuseia de ovos embrionados destinados à produção de vacinas. Foto: Instituto Butantan/Divulgação
    Técnico do Instituto Butantan manuseia de ovos embrionados destinados à produção de vacinas. Foto: Instituto Butantan/Divulgação

    Exemplo de sanidade animal e eficiência produtiva, em 2024 o Brasil foi o terceiro produtor mundial de carne de frango (15 milhões de toneladas), com valor bruto de R$ 106 bilhões. O país é o maior exportador de carne de frango, com 5,3 milhões de toneladas, e detém 35% do mercado mundial. Um valor de US$ 9,9 bilhões foi exportado para 151 países. Poucos sabem: a produção avícola nacional, além de atender ao mercado interno, ajuda outros países a recomporem seus plantéis e a cuidar da saúde dos brasileiros.

    Gripe Aviária: desafios sanitários, resposta estatal e soberania alimentar

    O Brasil abate mais de 5,5 bilhões de aves por ano, resultado de sistemas de produção modernos, com alta tecnologia. São mais de 50 mil famílias em granjas integradas às indústrias. Em toda a cadeia produtiva, são 3,5 milhões de empregos diretos e indiretos. Nos frigoríficos e fábricas, há mais de 500 mil postos de trabalho. Com a produtividade crescente, o preço da carne de frango para o consumidor urbano caiu muito nos últimos 50 anos. Em 1970, um salário-mínimo comprava 41 kg de frango. Em 2024, comprava 141 kg. Em 1970, o consumo médio de frango era de 3 kg por habitante/ano. Em 2024, foi de 46 kg por habitante.

    Além do desenvolvimento tecnológico das estruturas e da cadeia de produção avícola, esses ganhos de produtividade e rentabilidade foram possíveis graças ao crescimento astronômico da produção de milho e soja, componentes relevantes na composição das rações produzidas pelas indústrias. A avicultura agrega valor à produção de grãos do Brasil, transformando-a em proteína animal, de maior densidade econômica, quando comparada à exportação de commodities.

    Leia também: Reconstruir o Estado nacional é saída brasileira contra a dependência neoliberal

    A carne de frango é a proteína animal mais consumida no Brasil. E, além da carne, o setor avícola produz ovos. As galinhas poedeiras nas granjas brasileiras produzem 1.800 ovos por segundo! Em 2024, o Brasil produziu mais de 57,7 bilhões de ovos. Desse total, menos de 1% destinou-se à exportação. O consumo médio de ovos no Brasil cresce e passou de 230 unidades por habitante, em 2019, para 272 nos dias de hoje.

    Dados gerais da avicultura e suinocultura brasileira em 2024 mostram a liderança do país na produção e exportação de carne de frango e ovos, além do crescimento das exportações de material genético avícola. Fonte: ABPA, MAPA, SECEX, USDA, FAO | Crédito da Imagem: Relatório Anual 2025 da ABPA / Reprodução

    A qualidade genética das galinhas brasileiras se tornou referência para países que precisam recompor suas populações de poedeiras ou plantéis de frangos de corte, sobretudo os perdidos devido à gripe aviária. Essa é uma das novidades do agronegócio brasileiro: a cada ano, cresce a exportação da genética avícola, de alto valor agregado, através do fornecimento de ovos férteis e pintos de um dia a outros países. A qualidade e a sustentabilidade da avicultura nacional atraem solicitações mundiais.

    Em 2024, o Brasil exportou mais de 26 mil toneladas de ovos férteis para reposição do plantel de poedeiras do México, Senegal, Paraguai, Peru e África do Sul, por exemplo — um crescimento de 69% em relação a 2023 e um faturamento de mais de 126 milhões de dólares. Exportações de pintos de um dia bateram recordes: 112 milhões de dólares e mais de mil toneladas.

    Entre os compradores de material genético da avicultura estão países da África (África do Sul, Argélia, Camarões, Etiópia, Gabão, Libéria, Líbia, Madagascar, Senegal e Uganda), da Ásia (Bangladesh, China, Coreia do Sul, Filipinas, Hong Kong, Índia, Japão, Malásia, Singapura, Sri Lanka, Taiwan e Vietnã) e da Europa (Alemanha, Chipre, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Itália, Malta, Países Baixos, Portugal, Noruega, Reino Unido, Rússia, Suíça, Sérvia…). Além de 20 países nas Américas, 6 no Oriente Médio e 4 na Oceania.

    Confira dados completos sobre produção, exportação e consumo de carne de frango, ovos e outras proteínas no Relatório Anual 2025 da ABPA (PDF).

    Além dos ovos férteis, existem outros não destinados ao consumo: ovos especiais para produzir vacinas. Com alta tecnologia, o agronegócio gera esse insumo essencial à fabricação de diversas vacinas para humanos, como contra a gripe ou influenza.

    Técnico do Instituto Butantan realiza inspeção de ovos embrionados com auxílio de luz especial, etapa essencial para a produção de vacinas em larga escala. Foto: Instituto Butantan/Divulgação

    Anualmente, mais de 70 milhões de ovos embrionados são fornecidos pelo agro, entre setembro e abril, para a produção de vacinas. Esses ovos SPF (Specific Pathogen Free, livres de patógenos específicos ou de organismos capazes de causar doenças) são matéria-prima para vacinas contra febre amarela, sarampo, caxumba, rubéola, raiva e até Covid, produzidas pelo Instituto Butantan e pela Fundação Oswaldo Cruz.

    Poucos imaginam a sofisticação tecnológica de granjas como, por exemplo, as da Globobiotech, em Cascavel, Itirapina e São Carlos, ou da VALO Biomedia, em Uberlândia, onde as aves põem ovos SPF fertilizados para a produção de vacinas. Essas granjas ficam em locais isolados, altamente protegidos da passagem de pessoas e veículos. Só para chegar às galinhas, dois banhos de higienização, com troca de trajes, são exigidos de técnicos e trabalhadores.

    E não são quaisquer galinhas. As linhagens dessas aves são provenientes das melhores empresas de genética mundial. Elas são adaptadas a essa finalidade e com genética específica para produzir ovos controlados. Elas são recriadas em aviários automatizados, com sistemas de climatização e rígido controle sanitário, inspecionados pelo Ministério e Secretarias Estaduais de Agricultura.

    A ração fornecida é exclusiva. Existem fórmulas próprias de ração, em função da cepa viral a ser injetada nos ovos. A profilaxia das galinhas é total. Não pode haver nenhum resíduo de vacinação das aves no soro produzido. As rações são produzidas com os melhores ingredientes, vitaminas e minerais balanceados, por fornecedores reconhecidos, previamente selecionados. Isso garante o teor nutricional específico e a qualidade para a produção dos ovos embrionados.

    Dependendo do vírus inoculado no ovo, o embrião pode até morrer. Para garantir sua resistência, a alimentação adequada da galinha é decisiva. O transporte da ração é feito em caminhões próprios e exclusivos, das fábricas direto às granjas. Todas as etapas de produção e matérias-primas utilizadas são rastreáveis.

    As galinhas são criadas em granjas suspensas com ambientes climatizados, oxigenação controlada e cuidados extremos de higiene e bem-estar, com garantias adicionais de sanidade absoluta. Ninhos, bandejas e coleta dos ovos são totalmente mecanizados, sem intervenção humana direta. Até as casas dos empregados são inspecionadas. Não podem criar aves de qualquer espécie.

    Todos os ovos devem ser galados. Para cada dez galinhas, há um galo de serviço, selecionado para garantir os ovos fecundados. Os centros de incubação têm rigoroso controle de produção, estrita biossegurança sanitária e boas práticas de fabricação. No incubatório, os ovos são selecionados por peso e tamanho. Essa central conta com toda a infraestrutura necessária à inoculação direta dos antígenos para compor a produção das vacinas.

    Com 11 dias, os ovos embrionados e incubados são transportados a laboratórios em caminhões exclusivos, desenvolvidos para essa finalidade. Com temperatura, umidade e atmosfera controladas, são máquinas incubadoras. Com um sistema de suspensão especial, conduzidos por profissionais treinados, eles garantem a segurança dos ovos até o destino e a obtenção de vacinas no Butantã ou Fiocruz.

    A agropecuária brasileira é diferenciada, complexa e dinâmica. Deu um novo peso geopolítico ao país. A quem defende interesses protecionistas, narrativas anacrônicas sobre a agricultura e aponta o dedo para supostos problemas causados pela agropecuária nacional, a melhor resposta é colocar ainda mais a eficiência do agro a serviço da alimentação e da saúde população brasileira.

    Leia mais: Triângulo Rússia, Brasil e China alimenta o mundo

    Ao se imunizar contra a gripe neste outono, pergunte a quem aplicará a vacina:

    — O agronegócio está na base da produção desta vacina? Sem o agronegócio, ela não existiria. Você sabia?

    Evaristo de Miranda é agrônomo, com mestrado e doutorado em ecologia pela Universidade de Montpellier. Com mais de 1.400 publicações no Brasil e exterior, é autor de 56 livros, como “Tons de Verde – A Sustentabilidade da Agricultura Brasileira” (em português, inglês, árabe e mandarim). Pesquisador da Embrapa de 1980 a 2023, coordenou mais de 40 projetos e dirigiu três centros nacionais de pesquisa. Membro da Academia Nacional de Agricultura, foi eleito Agrônomo do Ano em 2021.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.