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Dialética Radical do Brasil Negro: Clóvis Moura e o mito da democracia racial
Por: Renata Martins
28 de maio de 2025
Clóvis Moura construiu sua obra fora dos muros das universidades. Foi um autodidata, crítico ao método com que a academia forjava a intelectualidade brasileira. Seus estudos não tiveram reconhecimento merecido no universo acadêmico. Sua obra foi subestimada. Ainda assim, não perdeu o foco, persistiu, manteve-se firme no objetivo de compreender o papel do negro na construção da Nação e de seu próprio destino. Recebeu o título de Notório Saber pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Foi um intelectual orgânico. Aproximou-se do Movimento Negro Unificado (MNU) e, depois, da União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro), da qual se tornou o principal ideólogo, inspirou a concepção política da organização. Moura também foi poeta, jornalista, escreveu para a revista Princípios, analisou literatura de cordel, desenhou.
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Com o processo de democratização do acesso ao ensino superior, a partir da experiência da ascensão das forças progressistas ao poder, pobres, pretos e pardos trazem novas dinâmicas e apelos à academia. Clóvis Moura ganha atenção e projeção crescentes.
Clóvis Moura foi um marxista. Sob a ótica do materialismo dialético, deixou um legado importante para compreensão do escravismo, da transição ao trabalho livre e do lugar da população negra na política nacional, além de estudos importantes sobre as lutas do nosso povo.
Dentre seus títulos publicados, encontramos: Rebeliões da Senzala; O Negro: De bom escravo a mau cidadão; Brasil: As raízes do protesto negro; As injustiças de Clio: O negro na historiografia brasileira; História do negro brasileiro; Sociologia do negro brasileiro; e Dicionário da escravidão negra no Brasil.
Aqui, destaco Dialética Radical do Brasil Negro, uma obra de elevada importância — considerada, por muitos estudiosos, seu principal trabalho. Publicado originalmente em 1994, o livro foi recentemente relançado pela Fundação Maurício Grabois (FMG) e pela Editora Anita Garibaldi.
Onde comprar: o livro Dialética Radical do Brasil Negro, de Clóvis Moura, está à venda na Livraria Anita
Nela, Moura aprofunda seus estudos sobre o escravismo no Brasil e suas resultantes na organização da vida nacional. Sua contribuição para entender os séculos da colonização foi importante. Para Moura, predominou o modo de produção escravista, no qual a contradição e o conflito foram elementos centrais na dinâmica social — senhores e escravos eram os polos antagônicos desse sistema.
Moura subdivide o escravismo no Brasil em duas fases com diferentes características e métodos de lutas: escravismo pleno, de 1550 a 1850, e o escravismo tardio, de 1850 a 1888.
O escravismo pleno finda com a Lei Euzébio de Queirós, em 1850, que proibiu definitivamente o tráfico de africanos. Nesse período se consolidaram as estruturas econômica, política e burocrática que sustentavam o regime — todo o trabalho estava concentrado em mãos escravas.
Mulheres negras nas lutas anticoloniais: protagonismo, resistência e socialismo
A mão de obra escrava era garantida pelo tráfico transatlântico de africanos e o Brasil foi o maior consumidor desse vil mercado. Escravizados organizavam rebeliões, guerrilhas e formação de quilombos. Havia um grande consenso nacional quanto à legitimidade do regime, por isso, toda luta de resistência era realizada sem alianças ou apoio de outros setores da sociedade.
No escravismo tardio, se processou com nitidez o declínio do modo de produção escravista e o desenvolvimento do capitalismo dependente, com as estruturas conservadoras do regime anterior. O período comportou os principais elementos que impulsionaram a transição do trabalho escravo para o livre, por meio do desenvolvimento de um processo gradual e controlado à abolição. Acentua-se a urbanização, são aprovadas as leis abolicionistas, estrutura-se uma política de imigração e branqueamento, se sedimenta a importação das ideologias do racismo científico, opera a marginalização da população negra.
Clovis Moura localiza o racismo na origem do capitalismo brasileiro. Isso significa que a hegemonia sistêmica do capital se desenvolveu conectada às estruturas de opressão racial presentes no escravismo.
Essa compreensão confronta o mito da democracia racial, que nega a existência e os efeitos do racismo, bem como as visões que o reduzem ao campo da moral, da cultura ou das diferenças estéticas e religiosas — desconsiderando, assim, seu caráter político e ideológico, a serviço de projetos de dominação.
Dialética Radical do Brasil Negro é uma obra central para compreender o país e formação do povo brasileiro.
Serviço
Título: Dialética Radical do Brasil Negro
Autor: Clóvis Moura
Editora: Anita Garibaldi e Fundação Maurício Grabois
Ano da publicação: 2024
Edição: 4ª
ISBN: 9786589805359
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Edson França é historiador, presidente da Unegro e secretário-adjunto nacional de Organização do PCdoB