Há muitos diagnósticos e prescrições sobre a dura situação atual do país e o que deveria fazer o governo, sitiado no plano econômico por forças contrárias ao programa com que Lula foi eleito. São benvindos.
Lideranças expressivas da esquerda brasileira dão suas receitas. Em 2025, o PT tem cinco programas em debate nas eleições presidenciais internas; PCdoB, PSB e PSOL realizam congressos; organizações como o MST e frentes político-sociais como Brasil Popular e Povo Sem Medo também protagonizam debates.
Há dados presentes nessas reflexões que não são conjunturais, mas estruturais. São pontos de partida inescapáveis, porém não se encontram simultaneamente e devidamente articulados nessas reflexões.
Um é quanto às consequências da novíssima realidade internacional, de um mundo em profunda transição de forças, em meio a muitos perigos e tensões oriundos da emergente multipolaridade e do declínio do hegemon ocidental. Isso põe o Brasil diante de opções de destino. Há uma oportunidade histórica para abrir um novo caminho à superação da condição dependente, subordinada e periférica.
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A questão soberana está no centro dessa problemática. É a problemática de novo ciclo de desenvolvimento no país como base para avanços sociais e democráticos. É preciso mais definição de projeto nacional, estratégias e união de forças para abrir caminhos com sagacidade.
Aqui, o segundo ponto: o nó górdio central é destravar as forças da nação com reformas estruturais democratizantes, uma verdadeira reforma do Estado nacional, sem a qual não se supera a dependência e a condição periférica. São transformações efetivas do arcabouço econômico-financeiro, tributário, político-social e civilizatório, amparadas em uma renovada economia política que supere o maldito tripé macroeconômico em voga, para dar conta dos desafios do desenvolvimento desta era.
A ausência de mudanças estruturais bloqueou o ciclo progressista. A constatação já está assentada desde 2013, quando se abriu o ciclo regressivo em curso, e perdura até hoje — não obstante Lula tenha vencido as eleições de 2022. Não há ilusões possíveis: o que prosseguiu foi, mais propriamente, a cristalização da política neoliberal como política de Estado, por meio de centenas de PECs à Constituição aprovadas desde 1988. Falo, pela significância, das mais recentes, como a reforma trabalhista e do teto de gastos do governo Temer, da autonomia do BC, entre outras, todas atinentes à austeridade fiscal e condenatórias do papel do Estado.
Disputar tais reformas pelo lado progressista é a base do novo ciclo de lutas que precisamos abrir. Mesmo com cinco vitórias presidenciais nas seis eleições havidas desde o início do ciclo, em 2002, hoje estamos diante de um teto baixo para grandes voos mudancistas, com um governo que não detém, em maior extensão, a iniciativa política e da narrativa.
É bem verdade que jamais tivemos maioria política no Congresso Nacional nesses cinco governos; mas sempre, exceto agora, tivemos maioria social. Hoje estamos em meio a águas rasas em termos de mobilização social, o que bloqueia a pressão popular necessária para mudanças sociais. As opções que o Brasil precisa fazer para superar o atual estágio de sua afirmação nacional invocam algum nível de concertação com forças díspares, mas isso fica bloqueado sem a mobilização e pressão popular.
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O terceiro ponto inescapável é exorcizar a total falta de articulação entre as forças progressistas. Elas jamais se reuniram no nível necessário neste governo; imperam o conjunturalismo e os interesses das próximas eleições, em que cada qual atua em raia própria, sem convergir para superar o rebaixamento estratégico de formulação.
Esses três pontos parecem ser a base do novo ciclo que precisa ser aberto nas lutas do presente, para não se render à conjuntura. Algo novo precisa ocorrer para ir ao encontro dos novos horizontes de aspiração da sociedade. Faz falta à ação transformadora um polo unitário e combativo, de caráter patriótico, popular e progressista, para chamar as forças populares à disputa no território, nas relações de trabalho, nas redes e instituições, e construir um novo ciclo de mobilização e pressão social. Trata-se, propriamente, de promover o aggiornamento do campo popular, hoje em fadiga, com um patamar de consciência e organização mais elevados.
Com isso, será possível nuclear forças democráticas, para vencer em 2026 com novas perspectivas, e conseguir executar um programa do interesse nacional, de desenvolvimento, progresso social e liberdades.
Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB.