Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    China

    China propõe nova visão para a humanidade em meio à turbulência global

    Iniciativas chinesas apontam saídas para a crise global, com propostas de cooperação, soberania e desenvolvimento para o Sul Global. Artigo aborda tema explorado em conferência internacional

    POR: Eduardo Siqueira

    14 min de leitura

    Dois homens chineses aproveitam o mar na Baía de Xinghai, em Dalian, província de Liaoning, China. Foto: CEphoto, Uwe Aranas / Obra própria / Licença: CC BY-SA 3.0
    Dois homens chineses aproveitam o mar na Baía de Xinghai, em Dalian, província de Liaoning, China. Foto: CEphoto, Uwe Aranas / Obra própria / Licença: CC BY-SA 3.0

    No fim de semana dos dias 24 e 25 de maio, participei da conferência promovida pelo Instituto Schiller na cidade de Newark, no estado de Nova Jersey. O título da conferência — Uma Visão Bela para a Humanidade em Tempos de Grande Turbulência — resume bastante bem as discussões travadas durante os dois dias do evento.

    O painel sobre os desafios estratégicos e a nova ordem mundial emergente incluiu intervenções de autoridades e destacadas lideranças políticas da África do Sul, China, Rússia, Guiana e Estados Unidos. Todos se posicionaram contra o genocídio da população palestina pelo governo sionista de Israel, a favor do diálogo e da diplomacia para acabar com a guerra na Ucrânia, e quase todos se manifestaram abertamente contra o imperialismo dos Estados Unidos e seus seguidores na Europa. O painel enfatizou o surgimento de uma nova ordem mundial multipolar, baseada no desenvolvimento soberano das nações do Sul Global, e a necessidade de paz mundial para resolver as dezenas de conflitos em curso, uma vez que existe séria ameaça de conflito nuclear entre os Estados Unidos, Rússia e China.

    Leia também: Declínio das ordens mundiais: Trump é o agente do fim?

    Nesta coluna, traduzirei e resumirei as palestras de Helga LaRouche e do professor de relações internacionais da Universidade Fudan, da China, Zhang Weiwei, usando suas próprias palavras, porque expressam com profundidade o conteúdo deste painel. É útil para intelectuais e militantes políticos brasileiros conhecerem alguns dos pontos de vista apresentados, que podem contribuir para futuras trocas de opinião e experiências com a rede LaRouche.

    Alternativas ao caos global: paz, cooperação e desenvolvimento

    Helga LaRouche afirmou que o mundo está atualmente em completa desordem e que a humanidade regrediu muito em direção à barbárie ao tolerar o que foi recentemente reconhecido pelo ex-primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, como crimes de guerra. Denunciou fatos recentes que sugerem que os países da Europa, em particular a Alemanha, estão em processo de autodestruição, e perguntou por que eles estão se arruinando com as decisões dos atuais governos. O cancelamento das eleições na Romênia exemplifica a crítica feita pelo vice-presidente dos Estados Unidos, ao declarar que está em curso a degeneração da democracia na Europa, onde eleições são repetidas ou anuladas quando os resultados desejados pelos países que lideram a União Europeia não são obtidos nas urnas. Helga foi mais longe e sentenciou: “… a Europa será em breve mostrada em museus ao redor do mundo como um fóssil das civilizações que não tiveram sucesso.”

    Em seguida, revisou a documentação histórica das promessas feitas pelos líderes da OTAN de que não haveria expansão da organização para o Leste, e acusou os neoconservadores ingleses e americanos de manobras geopolíticas para sabotar as oportunidades históricas de pôr fim à Guerra Fria. Além de descrever como muitos documentos históricos fundamentais desapareceram da internet, sugeriu que, de maneira semelhante, historiadores revisionistas têm tentado suprimir o papel da União Soviética na derrota do nazismo na Segunda Guerra Mundial. Para Helga, a Rússia “demonstrou enorme generosidade ao permitir a reunificação da Alemanha.”

    Em relação ao sucesso do modelo econômico da China, Helga considerou que as nações do Sul Global são inspiradas pelo “maior milagre econômico” da história, baseado na contínua introdução de novas tecnologias na economia. Concluiu sua intervenção declarando que temos colocar a humanidade como prioridade para criar um novo paradigma, e que se deve criar uma situação em que as nações não mais ajam como “crianças brigando” por divergências. Ao contrário, “vamos substituir a confrontação geopolítica pela cooperação e defender um amor quase fraterno por toda a humanidade.”

    As palavras da líder do Instituto Schiller refletem a visão humanista e esperançosa da ideologia da rede LaRouche, que defende a natureza generosa e o progresso da espécie humana, em choque com as políticas belicistas e imperialistas do chamado Oeste Coletivo, liderado pelos Estados Unidos. A China constitui, então, um exemplo a ser seguido, pelo foco no desenvolvimento compartilhado e na paz mundial.

    Leis também: Geopolítica da inteligência artificial — Competição, cooperação e o poder dos Estados

    O professor Weiwei observou que os países membros do BRICS já têm um Produto Interno Bruto maior que o do Grupo dos Sete, e que a nova ordem mundial multipolar já surgiu, embora ainda esteja começando. Acrescentou que todos devem contribuir um pouco para criar uma nova ordem mundial mais justa, mais democrática, mais pró-desenvolvimento, mais pacífica e mais cooperativa. Embora não seja tarefa fácil, todos devem tentar com muito esforço. Analisando os três grandes poderes mundiais — China, Rússia e Estados Unidos — classificou seu papel na ordem mundial, respectivamente, como reformista, revolucionário e desertor (ou abandonador).

    Afirmou em seguida que a invasão da Ucrânia pela Rússia é controversa, mas seu objetivo de combater ou derrubar a ordem mundial unipolar é entendido — e até apoiado — por muitos países, especialmente no Sul Global. Logo, o papel da Rússia é revolucionário. Quanto ao papel da China, ela é reformista porque pode usar os aspectos positivos da ordem atual e, ao mesmo tempo, minimizar os seus defeitos.

    Os Estados Unidos, por sua vez, representaram e apoiaram a unipolaridade durante o governo Biden, mas o governo Trump avalia que essa ordem é um ônus para o país, pois gerou desindustrialização e enfraquecimento da economia. A diferença fundamental entre Rússia e China, por um lado, e os Estados Unidos, por outro, é que os dois primeiros olham para o futuro, enquanto o último olha para o passado. Trump olha para o mercantilismo do século XIX, o velho sistema de poder global, de dividir e reinar nos assuntos internacionais. Segundo Weiwei, “nós temos que tentar resistir a isso.”

    Três pilares asiáticos para um mundo mais justo e cooperativo

    Contrastando com a turbulência, o professor apresentou três casos positivos da China e da Ásia como exemplos de uma possível nova ordem mundial. O primeiro é o da Ásia em comparação com a Europa. Em 2022 e 2023, a Conferência de Segurança de Munique publicou um Relatório Mundial descrevendo o mundo como “perde-perde”. Na verdade, era “perde-perde” para a Europa, em parte porque a União Europeia perdeu sua independência para os Estados Unidos. Porém, para a China e os países membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), trata-se de cooperação “ganha-ganha” há pelo menos dez anos. Weiwei sugere que esse modelo de cooperação “ganha-ganha” poderia servir ao mundo — e aos Estados Unidos — porque se baseia em três pilares:

    1. Desenvolvimento, em áreas e zonas de comércio livre, visando sempre à melhoria das condições de vida do povo. O Sudeste Asiático é a região do mundo que teve o maior crescimento econômico. A China, por exemplo, cresce 5% ao ano e representa mais de 30% do crescimento econômico global.
    2. Segurança política. A China respeita a neutralidade da ASEAN, e esta é sempre o motor de iniciativas como os Diálogos de Segurança ASEAN+3, ASEAN+5, ASEAN+10. A China também aceita a ASEAN como zona livre de armas nucleares.
    3. Diálogos civilizacionais, nos quais se enfatizam a sabedoria asiática, a sabedoria chinesa, a sabedoria da ASEAN, a resolução pacífica de disputas e a paciência estratégica. Pode haver dois passos à frente e um passo atrás, sem que isso se torne um problema sério.

    Weiwei comparou o modelo chinês de cooperação entre países com o modelo da Europa em relação aos Estados Unidos. Para os Estados Unidos, é quase o mesmo do que prega a OTAN para a Europa: manter os Estados Unidos dentro, a Alemanha por baixo e a Rússia fora. Porém, de acordo com Weiwei, essa não é a maneira correta de lidar com nações, do ponto de vista da Ásia, porque a segurança da Europa tem que levar em consideração as preocupações da Rússia com a sua própria segurança.

    O segundo caso é a Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative ou BRI), da China, que já conta com investimentos de 1 trilhão de dólares em 5.000 projetos através do Sul Global. Esse investimento mostra o soft and hard power do Sul Global, em particular da China. No aspecto do hard power, a China oferece soluções completas para infraestrutura e muitos outros projetos na região. Por exemplo, os chineses completaram projetos do começo ao fim na indústria petroquímica em países como Sudão, Sudão do Sul, Cazaquistão, entre outros. Levou apenas três anos para completá-los, desde a prospecção e o refino do petróleo até a instalação da indústria petroquímica.

    Leia também: A diferença é a China, estúpido!

    A capacidade manufatureira e industrial da China ajudará os países do Sul Global a desenvolverem suas próprias indústrias via Iniciativa Cinturão e Rota. Um aspecto muito importante, associado à BRI, é a ideia chinesa que será benéfica para a nova ordem global emergente: “Discussão Conjunta, Construção Conjunta e Benefício Conjunto.” Em outras palavras, cada país ou empresa pode decidir participar da BRI por livre e espontânea vontade, sem coação ou pressão de ninguém. Este é o espírito da cooperação ganha-ganha, em que todos os envolvidos ganham e ninguém perde.

    O terceiro caso talvez seja ainda mais interessante para os países do Ocidente. Trata-se do Novo Acordo Verde (Green New Deal) da China. O país já conseguiu tornar o preço da chamada energia verde mais barato do que o da energia convencional — diferentemente dos países ocidentais, que falam muito sobre o tema, mas não tiveram êxito significativo. Além disso, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) diminuíram pela primeira vez neste século — um verdadeiro milagre, considerando o curto espaço de tempo e o fato de se tratar do maior parque industrial do mundo, responsável por 30% da produção industrial global.

    Apesar da enorme produtividade industrial, as emissões foram reduzidas, em parte ou principalmente, pelo crescimento da energia solar, energia eólica, fontes renováveis e outras tecnologias. A China é, hoje, a maior produtora de carros elétricos, painéis fotovoltaicos e energias renováveis.

    Tecnologia verde e vontade política: a geoestratégia do deserto

    Outro exemplo muito importante, que se relaciona com o Plano Oasis proposto nos anos 1970 e mencionado diversas vezes pela senhora LaRouche, é o projeto quase concluído no deserto de Taklamakan, localizado na região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. Trata-se de um deserto enorme, quase tão grande quanto o território da Alemanha e três vezes maior que o território da Coreia do Sul. O deserto foi cercado por um cinturão verde, e tempestades de areia já não espalham a areia além dessa barreira. Dentro do cinturão verde, a China reforestou e desenvolveu outros projetos de restauração ecológica. Por exemplo, o país construiu e instalou cerca de 1,2 ou 1,3 milhão de painéis solares na região — as chamadas fazendas fotovoltaicas — utilizando energia solar para geração elétrica. Com esse fornecimento de energia, é possível cultivar vegetação resistente à seca na área coberta pelas árvores. A economia verde se tornou realidade ali. Em resumo, um deserto foi convertido em área cultivável, área verde e centros produtores de energia renovável. Há também um sistema de gerenciamento da água com vários modos de poupar água, criar espécies vegetais e utilizá-las com economia hídrica.

    Ecocivilização: Como a China equilibra desenvolvimento e proteção ambiental

    Se considerarmos as crises no oeste da África e da Ásia, um bom número delas deriva da escassez de água, da desertificação etc. Hoje, com energia solar e painéis fotovoltaicos, é possível gerar energia para dessalinizar a água do mar, porque há tecnologias e conhecimento técnico para alcançar a — muito difícil — paz e o desenvolvimento naquelas regiões. Se for possível algum dia — melhor cedo do que tarde — restabelecer algum tipo de paz e objetivos comuns de desenvolvimento, a China teria, pelo menos, o know-how e a vontade política, além de boas práticas, tecnologias e propostas diferentes, para operacionalizar o Plano “Oasis Verde”, desde que haja um esforço conjunto e intenso para alcançar a paz, especialmente no Oriente Médio e no oeste da África. Agora, principalmente no Oriente Médio.

    Sobre a Conferência

    O Instituto Schiller é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 1984 por Helga Zepp-LaRouche como uma organização estratégica e cultural, em homenagem ao poeta alemão Friedrich Schiller, considerado o “Poeta da Liberdade”.

    Segundo Helga, o Instituto Schiller foi criado “para trabalhar para acabar para sempre com todas as formas de imperialismo” e, acima de tudo, “para tornar realidade uma ordem mundial justa que possibilitará o desenvolvimento urgentemente necessário do hemisfério Sul”. Helga é alemã e viúva do intelectual estadunidense Lyndon LaRouche, falecido em 2019, que se autodescrevia como economista físico e estadista. Lyndon LaRouche organizou e liderou, durante a sua longa trajetória, uma rede de apoiadores, organizações e partidos em diversos países, como Alemanha, Estados Unidos, França, México, entre outros, no que de fato se constituiu como o movimento internacional LaRouche.

    A conferência abordou seis temas em painéis com membros da rede LaRouche e convidados nacionais e internacionais: “Desafios Estratégicos e a Nova Ordem Mundial Emergente”, “A Beleza da Diversidade de Culturas”, “O Plano Oasis de LaRouche — motor para o programa LaRouche para criar 3 bilhões de novos empregos produtivos”, “A Fundação Legado de LaRouche e a Atualidade das Ideias de LaRouche”, “Moldando o Futuro da Terra nos Próximos 50 Anos” e “O Poder da Razão para Mudar o Universo.” A gravação de todos os painéis da conferência está disponível, em inglês, no site do Instituto Schiller. Diversas intervenções de Helga e/ou vídeos curtos de Lyndon LaRouche introduziram os painéis para situar a posição do movimento LaRouche sobre os temas discutidos.

    Espero que o breve resumo de duas apresentações do primeiro painel motive os leitores a ouvir as demais intervenções de analistas geopolíticos com grande experiência: a ex-ministra das Relações Internacionais da África do Sul, Naledi Pandor; o ex-presidente da Guiana, Donald Ramotar; o ex-secretário assistente da Defesa para Assuntos de Segurança Internacional dos Estados Unidos, Chas Freeman; o ex-inspetor de armamentos das Nações Unidas, Scott Ritter; e o ex-analista sênior da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, líder da organização Profissionais Veteranos da Inteligência pela Sanidade (VIPS), Ray McGovern.

    Eduardo Siqueira é professor na Universidade de Massachusetts, Boston, EUA e pesquisador do Observatório Internacional da FMG.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.

    Notícias Relacionadas