Junho marca a passagem do outono ao inverno. Começa a estiagem, típica do inverno em regiões tropicais. O solstício de inverno está associado ao fim das colheitas, ao desfrute do árduo trabalho no campo. É tempo de aferir, conferir, pesar, contar, vender e armazenar. Apesar de grandes diferenças territoriais, num país imenso como o Brasil, até junho encerram-se as colheitas de soja, milho, arroz, feijão, laranja, amendoim, algodão e outras. Para a agropecuária, as colheitas se apresentam abundantes. A cada ano, com tecnologia, mais recordes de produção, apesar dos vaticínios de catástrofes climáticas e narrativas terroristas verdes. Os agricultores festejam mais uma supersafra para alimentar o Brasil e o mundo.
Na década de 1970, o Brasil era um grande importador de alimentos básicos como feijão, arroz, leite e carnes. Até carne radioativa de Chernobyl importou-se da Ucrânia! A industrialização e a modernização da agricultura mudaram esse panorama. Em 1970, um salário-mínimo comprava 41 kg de frango. Em 2023, comprava 141 kg de frango. Em 1995, um salário-mínimo comprava 145 kg de arroz. Em 2024, 210 kg de arroz. Em 1970, o consumo de frango era de 3 kg por habitante/ano. Em 2024, o consumo médio de frango foi de 46 kg por habitante/ano. Cerca de 20 produtos da cesta básica tiveram redução de 1973 para cá.
Em municípios onde cresce o PIB do agro, cai a desigualdade, aumenta a renda e o emprego. Em 2024, um novo recorde: 28,2 milhões de pessoas trabalhando no agro. Esses ganhos de produção e produtividade beneficiaram sobretudo o mundo urbano e menos o campo. Muitos urbanos ignoram esse processo e o quanto os resultados o beneficiaram. Anacrônicos em sua visão da agropecuária nacional, vivem desconectados dos ciclos cósmicos.
O ciclo solar e o tempo das colheitas

Parque do Solstício, no município de Calçoene (AP). Foto: Foto: Jadson Porto/Iepa
No próximo 21 de junho será o solstício de inverno. Há milênios, os povos observam os eventos cósmicos planetários dos dois equinócios e dos dois solstícios. Eles dividem o ano em quatro períodos de três meses. Desde o Paleolítico, várias culturas construíram megalitos para marcar essas datas cósmicas e organizar calendários, como no Parque Arqueológico do Solstício em Calçoene, Amapá.
Dada a inclinação do eixo terrestre, o Sol nunca nasce nem se põe exatamente no mesmo local. Ele está em permanente deslocamento. O Sol nasce sempre a leste, mas cada vez mais em direção ao norte, durante o outono. Em dado momento, o Sol para nesse movimento aparente. Ele estaciona, como na etimologia de solstício: sol sistere, Sol estaciona, para. O Sol estaciona no solstício. E, no dia seguinte, começa a “voltar”, a se deslocar no sentido oposto, em direção ao sul, observável em todo o planeta.
Em 21 de junho, o Sol nascerá a leste e se porá a oeste, mas com o deslocamento máximo para o norte. Da varanda da casa ou da janela do apartamento marque o local onde o Sol surge ou desaparece no horizonte. É a marcação do Sol, segundo os agricultores. A partir do solstício, nascente e poente se deslocarão para o sul.
O 21 de junho é o dia mais curto e a noite mais longa do ano no Hemisfério Sul. Nesse dia, a projeção do caminho do Sol, no chão, “traça” o paralelo conhecido como Trópico de Câncer, situado a 23 graus e 27 minutos de latitude norte. Nesse dia, os raios solares incidirão perpendicularmente sobre a Terra no Trópico de Câncer. O sol passará a pino sobre Taiwan (onde há um belo monumento ao Trópico de Câncer), China, Índia, Emirados Árabes, Egito, Líbia, Argélia, Mauritânia, Bahamas, sul dos EUA e norte do México. Por lá andará o sol a pino, longe do Brasil. Aqui, ele estará bem baixo na abóbada celeste. Ao meio-dia, pessoas, edifícios e postes projetarão as sombras mais longas do ano, em direção ao sul. Basta observar. O Sol penetrará pelas janelas voltadas à face norte. Seus raios iluminarão ao máximo o interior das casas.
Para os antigos gregos, a beleza dos céus estava na precisão matemática desses ciclos celestes. Dessa beleza do cosmos deriva a palavra cosmética. Com a passagem do solstício do inverno, a luz retorna. Inexoravelmente. Os dias durarão cada vez mais.
Entre bandeirinhas e arraiais: o campo encena o Brasil
Junho é o período mágico das festas juninas, tão animadas em todo o país, centradas no solstício. Nesse tempo de entressafra, o rural é celebrado pelo urbano. O mesmo urbano, ignorante das realidades do mundo rural moderno e do quanto o seu dia a dia depende do agricultor. Nas festas juninas, a agrocultura alcança o mundo urbano. O campo invade a cidade e nela planta arraiais e quermesses.
O arraial junino é um espaço profano e sagrado. É como uma aldeia rural temporária, instalada ao lado de igrejas, escolas e em espaços públicos. Essa aldeia só existirá durante as festas. Ela é organizada com bandeirinhas, portais de bambu, flores do cipó de São João, mastro dos santos, barracas de comidas e bebidas típicas, jogos, danças juninas, músicas e muita diversão. O arraial pode tomar o nome de quem o organiza. No Nordeste, a festança é tanta, a ponto de movimentar o PIB regional em mais de 6 bilhões de reais e gerar renda adicional para 72% da população, segundo pesquisa da Serasa.
Chapéus de palha, botas e roupas expressam um jeito estilizado do urbano mostrar o homem da roça. Os pais pintam traços de barba e bigode no rosto dos meninos, sardas nas meninas e trançam seus cabelos. Os vestem conforme um estereótipo de caipira. A quermesse tem até “igreja”, “padre” e “cadeia”, além de casamento na roça e dança da quadrilha. Nos arraiais, compadres e comadres unem-se numa fraternidade acima do sangue, dada pelo batizado dos afilhados. Há algo de utópico, monárquico e milenarista no arraial. A etimologia latina evoca o a-regalis, relativo ao rei ou à sua dignidade. A quermesse evoca a festa da igreja (kirck mess).
A base da culinária junina são as plantas nativas de origem indígena (milho, batata-doce, amendoim) e o açúcar e o coco introduzidos pelos lusitanos. Degusta-se milho verde, assado e cozido, pipoca, pamonha, curau, mungunzá, canjica, cuscuz, bolo de fubá etc. Tem lugar nas mesas a batata-doce cozida ou assada nas brasas de fogueiras, o doce de batata-doce, o amendoim — doce e salgado —, o pé de moleque e a paçoca. Amendoim, cuja safra não para de crescer no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e aproxima o milhão de toneladas. Já, já, o Brasil ultrapassa a Argentina na produção de mani. No Sul e em parte do Sudeste, o pinhão está presente nas festividades, com o vinho quente, o chocolate e o quentão.
Fogo, fé e fartura
Ao longo de junho, as fogueiras ajudam a lutar contra a aparente vitória da noite sobre o dia. Elas iluminam as trevas, esquentam amores e corações. E aquecem as noites frias. A fogueira de cada santo tem um formato. A de Santo Antônio é quadrada (4) e feminina. A de São Pedro é triangular (3) e masculina. Já a de São João é heptagonal ou circular (7) e expressa a união de contrários, do masculino e do feminino. Nessas fogueiras, queimam-se coisas velhas. Abandona-se o passado. Vira-se a página. Pessoas pulam as fogueiras, como Ioiô e Iaiá. Começam novos amores.
“Nosso amor que não esqueço
E que teve seu começo
Numa festa de São João.”
(Trecho da música Último Desejo, de Noel Rosa e Vadico)
Todos dançam em volta do fogo e do mastro com as imagens dos três santos. Em algumas comunidades, pessoas caminham descalças sobre brasas. Soltam-se fogos para acordar São João. É tempo de purificação e coragem. No campo, os agricultores recolhem energias e armazenam alimentos. Preparam-se para atravessar o inverno, pensam nos juros deste Plano Safra, cuidam de ajustar máquinas, adquirir adubos e insumos para semear na invencível primavera. O fogo da terra, frágil e humano, sobe com as centelhas aos céus e nos balões. E junta-se às estrelas, entre brados de: Viva São João!
Evaristo de Miranda é agrônomo, com mestrado e doutorado em ecologia pela Universidade de Montpellier. Com mais de 1.400 publicações no Brasil e exterior, é autor de 56 livros, como “Tons de Verde – A Sustentabilidade da Agricultura Brasileira” (em português, inglês, árabe e mandarim). Pesquisador da Embrapa de 1980 a 2023, coordenou mais de 40 projetos e dirigiu três centros nacionais de pesquisa. Membro da Academia Nacional de Agricultura, foi eleito Agrônomo do Ano em 2021.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.