Neste 2 de julho de 2025, comemoramos 203º aniversário da Independência do Brasil na Bahia. Passados nove meses da independência nacional proclamada em setembro de 1822, últimas tropas portuguesas no Brasil foram finalmente expulsas da Bahia, em julho de 1823.
Em tempo, aproveito também para saudar a iniciativa do presidente Lula, que encaminhou ao Congresso Nacional, nessa terça-feira (1º), um projeto de lei para instituir o 2 de Julho como o Dia Nacional da Consolidação da Independência do Brasil.

Assinatura do Projeto de Lei que institui o 2 de julho, Dia Nacional da Consolidação da Independência do Brasil, no Palácio do Planalto. Na foto (da esquerda para a direita): ministro da Secom, Sidônio Palmeira; pelo senador Jaques Wagner; pelo presidente da República, Lula; e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. O ato ocorreu em 1º de julho de 2025, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF). Foto: Ricardo Stuckert / PR
Anualmente, Salvador rememora este marco histórico, quando as forças brasileiras entraram vitoriosas na cidade – ato derradeiro de uma luta travada em diversas batalhas pelo Recôncavo Baiano. Por isso, a cada 2 de julho, um grande e participativo desfile cívico percorre as ruas soteropolitanas, refazendo o trajeto dos libertadores e ressaltando o caráter popular dessas conquistas.
Contudo, ao longo do tempo, setores dominantes construíram uma imagem idílica da Bahia, focada em belezas naturais, um povo acolhedor, alegre e festeiro, do samba e do axé, e religiosidade. Essa narrativa, não raro, ofusca o brilho das tradições de luta que forjaram a identidade do estado. Os baianos participaram de insurreições históricas: a Revolta dos Búzios, a dos Malês, a Sabinada, o Levante dos Tupinambás, a Guerra de Canudos, além, é claro, das lutas pela Independência. Na contemporaneidade, destacaram-se mobilizações como o Quebra-Quebra dos anos 1980 (contra a carestia e pelo barateamento das passagens do transporte urbano); as lutas pela moradia, a Revolta do Buzu e o combate ao autoritarismo e ao carlismo.
Essas lutas inspiram o enfrentamento das adversidades atuais na construção de um projeto de desenvolvimento que promova um estado moderno, enfrentando a condição de região periférica em um país de economia capitalista dependente. Um estado que não negue sua história e tenha como objetivo central a melhoria contínua das condições de vida dos baianos em todas as dimensões.
Bahia hoje: entre tradição e desenvolvimento social
Apesar do legado de resistência, o estado ainda não alcançou um desenvolvimento satisfatório para superar um atraso secular. Embora indicadores sociais – como acesso à informação, educação, alimentação, água, saneamento, moradia, trabalho e renda – tenham apresentado melhorias recentes, eles permanecem aquém do desejável para uma sociedade menos desigual.
A educação pública baiana, apesar dos investimentos em infraestrutura, registra resultados deficientes em exames nacionais. Embora raras, experiências municipais de excelência no IDEB demonstram ser possível superar este atraso.
Somos um estado rico com uma gente pobre. Sendo a sétima economia do país, a Bahia ocupava a 20ª posição em renda per capita em 2024.
Raízes estruturais da desigualdade na Bahia
É crucial compreender os fatores desse empobrecimento duradouro. A pobreza está intrinsecamente ligada aos séculos de escravização negra e às características do desenvolvimento capitalista dependente. Por isso mesmo, a pobreza tem cor: entre a população negra – a maior do país – encontram-se os piores indicadores sociais. A escravidão e seus reflexos permanecem como o principal fator no empobrecimento no estado.
Avanços recentes e desafios continuados
Com a mudança política nas eleições de 2006, que afastou o grupo autoritário que governou a Bahia por tenebroso período, iniciou-se a gestão democrática que encontrou indicadores sociais bastante deteriorados. Muitas conquistas podem ser registradas no campo do acesso às verbas públicas desde então, sobretudo com a adoção da sistemática de editais em diversas áreas, e regiões.
A política de investimentos foi reestruturada, combinando atração de capital com integração territorial e maior alinhamento com o governo federal durante os mandatos Lula e Dilma. No entanto, grandes obras de infraestrutura permanecem estagnados, aguardando solução.
No plano logístico, projetos estruturantes reduziram deficiências críticas, especialmente em obras viárias de grande impacto intermunicipal e no transporte rodoviário. Em Salvador, o metrô – cuja obra se arrastava por anos sob a administração da Prefeitura – foi estadualizado, entrando em operação em tempo recorde, com novas ampliações.
Na área social, entraram em operação diversos hospitais, dezenas de upas e centenas de postos de saúde na capital e no interior. O governo fomentou Consórcios Intermunicipais, sobretudo em infraestrutura e saúde, com impactos positivos nas regiões envolvidas.
Proposta de desenvolvimento regional para a Bahia
É imperativo reiterar: crescimento econômico e industrialização, como ocorreram na experiência histórica da Bahia, não geram automaticamente desenvolvimento social. Pelo contrário, o desenvolvimento capitalista produz desigualdade. Portanto, políticas sociais robustas são indispensáveis para mitigar seus efeitos perversos, incorporando um viés de reparação das mazelas históricas.
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A pobreza tem cor e tem lugar. O campo é mais pobre que as cidades, embora com características distintas. Apoiar os pequenos produtores de bens e serviços urbanos é crucial para o enfrentamento do desemprego crônico nas grandes cidades como Salvador.
A atividade de serviços (comércio e serviço público) responde por 70% do PIB, expansão esta impulsionada principalmente pela retração industrial, que diminuiu sua participação proporcional. A agricultura, apesar do grande crescimento da produção no Oeste e em algumas regiões que se beneficiam da irrigação, responde por apenas 10% do PIB estadual.
A chamada indústria cultural – correlacionando manifestações culturais, tecnologias sociais, inovação, expressões artísticas diversas – encontra na Bahia vasto campo de desenvolvimento, devendo ser incorporada ao projeto estadual. Para isso, as universidades precisam estar imersas nos processos econômicos e sociais locais e regionais, impulsionando o desenvolvimento tecnológico, ampliando atuação na saúde pública e fomentando atividades artísticas e culturais.
Potencial local e interiorização do crescimento
Priorizar as potencialidades locais significa considerar que os 405 municípios do interior respondem por aproximadamente 50% da riqueza do estado. Destes, 259 estão no semiárido – que representa 80% do território baiano –, onde o clima é adverso e predominam atividades de subsistência. Embora se observe a agricultura irrigada por pivôs em áreas do semiárido, a prevalência de minifúndios com baixa produtividade demanda atenção estatal.
Com a maior população rural entre os estados, a atividade produtiva baiana tem componente agropecuário, cujo potencial vai muito além das commodities. É crucial:
Apoiar os pequenos produtores de cacau, fomentando a ação cooperada no beneficiamento da amêndoa;
Incentivar a melhoria do manejo de ovinos e caprinos e fomentar a instalação de frigoríficos e comercialização da carne;
Valorizar a hortifruticultura irrigada;
Desenvolver o reconhecimento de produtos com denominação de origem: cachaça, café; mel; licuri, requeijão, dendê, mandioca e derivados.
A Agricultura Familiar e a Economia Solidária (cooperativa ou informal) são expressões da resistência produtiva e ideais de cooperação e solidariedade. São indispensáveis a um desenvolvimento que integre a grande produção capitalista, a pequena produção associada e outras formas de organização produtiva.
Essas iniciativas dependem de ação estatal efetiva, garantindo suporte, assessoramento e incentivos, sempre com a perspectiva da melhoria das condições de vida. Sua eficácia será ampliada pela descentralização do desenvolvimento, fortalecendo polos nos diversos Territórios de Identidade.
Apesar da profunda pobreza no campo e da fragilidade tecnológica do capital rural, o problema setorial mais significativo da economia baiana é sua indústria: concentrada em poucas empresas, e cadeias produtivas pouco expressivas. Há décadas o estado prioriza a produção de bens intermediários – químicos, petroquímicos, celulose (industriais); cacau, algodão, soja (agrícolas); cobre, vanádio, magnesita, mármores (minerais). Estas atividades apresentam baixa intensidade de mão de obra e agregam pouco valor localmente, sendo majoritariamente destinadas a mercados externos sem beneficiamento. Paralelamente, a indústria de bens de consumo final é frágil, com poucas oportunidades de emprego. O resultado é um mercado consumidor enfraquecido, refletido nos indicadores sociais. Falta uma dinâmica endógena à economia, historicamente dependente de investimentos federais ou capitais externos. Este modelo permanece inalterado, exigindo intervenção planejada para a sua transformação.
Conclusão: rumo a um novo pacto regional
Um novo projeto para a Bahia deve emergir da convergência entre as camadas médias conscientizadas, o movimento social organizado, dos empresários comprometidos com o desenvolvimento estadual inclusivo. Essa articulação precisa traduzir-se em pactos concretos que priorizem a superação de assimetrias regionais e a reparação das dívidas históricas – particularmente com a população negra e os territórios do semiárido.
Neste esforço, uma política nacional de desenvolvimento regional é indissociável, capaz de coordenar investimentos estratégicos em infraestrutura logística, ciência aplicada às cadeias produtivas e financiamento adaptado à realidade dos pequenos produtores. Tal política deve vincular-se intrinsicamente a um projeto nacional soberano, que enfrente os entraves do capitalismo dependente e materialize as justas aspirações do povo baiano: por liberdade, compreendendo inclusive na sua dimensão econômica, com a geração de emprego e renda; por justiça social, territorial – com desconcentração de riqueza, e reparadora – com políticas afirmativas efetivas.
Só assim se romperá o ciclo secular que mantém a Bahia com um estado rico com um povo pobre.
Nilton Vasconcelos é doutor em Administração Pública e membro do Grupo de Pesquisa sobre Estado e conflitos institucionas no Brasil. Foi secretário do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Governo do Estado da Bahia.
*A coluna de Nilton Vasconcelos tem periodicidade mensal e é publicada no dia 3 de cada mês. Em razão da celebração da independência do Brasil na Bahia, antecipamos a publicação de julho para o dia 2.
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.