Pela primeira vez, uma comunista vai liderar um conjunto de partidos progressistas e de esquerda nas eleições presidenciais chilenas, que ocorrerão em 16 de novembro deste ano. Jeannette Jara, dirigente do PCCh e ex-Ministra do Trabalho do Governo Boric apoiada pelos partidos Esquerda Cristã e Ação Humanista, venceu as primárias do último dia 29 de junho. Ela enfrentará José Antonio Kast, do Partido Republicano, e Evelyn Matthei, da União Democrática Independente (UDI), apoiada pela Renovação Nacional.
No Conexão Sul Global, da TV Grabois, abordei a trajetória de Jarra. Assista ao episódio completo:
As primárias partidárias e de frentes de partidos são opcionais no Chile, diferente das primárias obrigatórias da Argentina. No domingo, 29 de junho, um milhão e meio de pessoas (perto de 10% dos habilitados para votar) foram às urnas. Enquanto Jara alcançou amplo apoio com pouco mais de 60% dos votos (pouco mais de 800 mil votos), sua principal concorrente, Carolina Tohá, do Partido pela Democracia (PPD), que contou com o apoio do Partido Socialista (PS), do Partido Radical (PR) e da Democracia Cristã (DC) teve 28% dos votos. Tohá carrega o sobrenome do pai, José Tohá, ministro do governo golpeado de Salvador Allende, assassinado pela ditadura em março de 1974. O candidato do partido do Boric, Frente Amplio, foi o deputado Gonzalo Winter, e obteve 9% dos votos. Jaime Mulet, do Partido Regionalista Verde Social, ficou com 2,7% dos votos.
Segundo Mario Amorós, biógrafo da gigante Gladys Marín, o triunfo de Jara é enorme historicamente se considerarmos que desde 1932 somente em duas ocasiões militantes comunistas participaram de uma corrida presidencial, Elías Lafertte, em 1932, e Gladys Marín, em 1999. E nunca como líderes de uma frente de partidos de esquerda. Em 2021, o ex-prefeito da Recoleta Daniel Jadue participou das primárias presidenciais e foi derrotado por Gabriel Boric, que se tornou o candidato da esquerda. Hoje, Jadue encontra-se em prisão domiciliar em um absurdo caso de lawfare.

Gladys Marín, secretária-geral do PC do Chile, faz um discurso na Escola de Artes e Ofícios (EAO), em 1997. Ao seu lado, sentada, está a também militante comunista e formada em Administração Pública Jeannette Jara, então presidente da Feusach naquele ano.
Crédito: Arquivo histórico da Federação de Estudantes da Universidade de Santiago do Chile. Fotografia doada para digitalização por Jeannette Jara em 2019.
Jeannette nasceu em 1974 na comuna Conchalí, na região metropolitana de Santiago, em uma família de pai operário e mãe dona de casa. Foi a mais velha de cinco irmãos e a primeira da família a ter ensino superior, titulada pela Universidade de Santiago, em direito e administração pública. Desde muito jovem, 15 anos, se integrou às Juventudes Comunistas do Chile (JJCC) e foi presidente da Federação de Estudantes da sua universidade em 1997. Teve cargos políticos no governo Bachelet, como vice-ministra do Desenvolvimento Social e no governo Boric, como Ministra do Trabalho. Suas principais conquistas foram a elevação do salário mínimo, a redução da jornada de trabalho para quarenta horas semanais e a reforma da previdência.
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As inscrições para candidaturas presidenciais vão até o dia 16 de agosto e é possível que surjam outras candidatas ou candidatos do centro e mesmo do campo da esquerda. Por isso, os primeiros dias de ação da nova candidata têm sido a costura da frente de esquerda em torno do nome dela. No dia 2 de julho ela reuniu uma série de partidos no que ficou estabelecido como uma mesa política de coordenação da Unidade por Chile, com partidos de esquerda, centro-esquerda, progressistas e independentes. Fazem parte desta coordenação os partidos Frente Ampla, Partido Socialista, Federação Regionalista Verde Social, Partido pela Democracia, Partido Radical, Partido Comunista e o Partido Ação Humanista.

Jeannette Jara, candidata do Partido Comunista à presidência do Chile. Foto: Partido Comunista do Chile
Tanto em seu discurso após os resultados das primárias quanto na reunião dos partidos e demais integrantes da frente política Unidade por Chile, Jeannette apontou para Salvador Allende, Gladys Marín e Michelle Bachelet como seus referenciais na política. Ao que Amorós acrescentou todos os líderes históricos do PCCh, ao dizer que o partido de Recabarren e Lafferte, de Pablo Neruda e Francisco Coloane, de Violeta Parra e Víctor Jara, de Luis Corvalán e Gladys Marín alcançou um triunfo que sacode o país em tempos de genocídio em Gaza, do imperialismo e da extensão da ameaça da ultradireita. O grande desafio será debater com a população os porquês das debilidades do governo Boric e renovar a esperança na esquerda em um país que viveu tempos de rebeldia e de frustração no seu persistente enfrentamento ao neoliberalismo legado pela ditadura pinochetista.
Ana Prestes é pesquisadora do Observatório Internacional, Grupo de Pesquisa da Fundação Maurício Grabois, e Secretária de Relações Internacionais do PCdoB. Todas as sextas-feiras, comanda o programa Conexão Sul Global, exibido pela TV Grabois.
*Análise publicada originalmente no programa Conexão Sul Global (TV Grabois), em 02/07/2025.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.