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    Agricultura

    O êxito da fruticultura brasileira: da carta de Caminha às tarifas de Trump

    Enquanto exporta 123 milhões de toneladas de frutas frescas, o Brasil enfrenta tarifas externas que testam a força da agricultura e da política nacional

    POR: Evaristo de Miranda

    12 min de leitura

    Cesta com a diversidade da fruticultura brasileira: maçãs, uvas, abacaxis, laranjas, mangas, limões e outras frutas que ilustram a produção nacional para consumo interno e exportação. Foto: Gustavo Froner/Sistema CNA/Senar
    Cesta com a diversidade da fruticultura brasileira: maçãs, uvas, abacaxis, laranjas, mangas, limões e outras frutas que ilustram a produção nacional para consumo interno e exportação. Foto: Gustavo Froner/Sistema CNA/Senar

    “As consequências são concretas e imediatas: colheitas estão sendo suspensas, fábricas operam com incerteza e o escoamento da produção está comprometido, (…) afetando desde o pequeno produtor até a indústria exportadora.” Ibiapaba Netto, diretor da CitrusBR, em mensagem ao chanceler Mauro Vieira sobre a imposição de tarifas pelos EUA ao Brasil

    O Brasil é o terceiro produtor mundial de frutas. Antigamente havia o tempo da mexerica, o tempo da laranja, o tempo do morango etc. Com tecnologia, esse tempo acabou. Ao longo do ano não faltam laranjas, bananas, maçãs, mangas, uvas, abacaxis, morangos, melões, mamões e outras frutas. Variedades com genética melhorada pela pesquisa ampliaram o calendário das colheitas, aumentaram a resistência a doenças e a produtividade. Com irrigação, em Petrolina (PE) e no vale do São Francisco (MG, BA e PE), todo santo dia, de 1º de janeiro a 31 de dezembro, há colheita de uvas, bananas e mangas, graças à intensificação e industrialização da produção.

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    Nunca o brasileiro teve à sua disposição uma variedade tão grande de frutas, com tanta qualidade e a preços tão acessíveis. A fruta mais consumida no Brasil é a banana, mais de 25 kg por habitante/ano. Os produtores garantem uma banana por dia para cada brasileiro, tirando os domingos. São quase 7 milhões de toneladas/ano, gerando cerca de 500.000 empregos. Frutas como laranja, manga, abacaxi, melancia, melão, uva, maçã, figo, goiaba, pêssego maracujá e morango são cultivadas em propriedades familiares tecnificadas. Elas contratam mão de obra e operam no mercado de forma competitiva.

    Da carta de Caminha às raízes da agricultura brasileira

    Nem sempre foi assim. Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra de Pedro Álvarez Cabral, foi o autor do primeiro documento escrito sobre o Brasil (1). Sua carta ao rei de Portugal é objeto de estudos filológicos, antropológicos, históricos, filosóficos, religiosos e psicológicos por sua precisão, riqueza de detalhes, abrangência, fidelidade a fatos e rigor. Redigida em uma semana. Sem editor de texto, nem IA.

    O olhar de Caminha se voltou à produção e ao abastecimento em alimentos. Segundo Caminha, na Terra de Santa Cruz parecia não haver agricultura significativa “senão desse inhame que aqui há muito” (mandioca). Nem pecuária. Os índios “não lavram, nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem nenhum outro animal acostumado a viver com os homens”. Nunca voltou a Portugal. Oito meses depois morreu na Índia, em combate, durante ataque muçulmano à feitoria de Calecute.

    No início do século XVI, não havia nada a esperar do Brasil referente a ouro, prata ou produtos elaborados, como seda, porcelanas, especiarias ou mesmo pérolas e corais. Para atender necessidades básicas de alimentação, saúde e vestimenta, por séculos, a Coroa portuguesa introduziu em terras brasileiras tudo de possível interesse, sobretudo, a partir da Ásia e Europa.

    Sucesso das espécies exóticas no Brasil

    Os lusitanos promoveram o aumento da biodiversidade brasileira(2) e a mudança dos hábitos alimentares, ao introduzirem com sucesso grande variedade de vegetais exóticos: cana-de-açúcar, manga, banana, carambola, melão, melancia, arroz, feijões, trigo, aveia, sorgo, inhame, uva, coco, figo, fruta-pão, jaca, laranja, limão, tangerina, tamarindo, café, cravo, canela, pimenta do reino, caqui, sapoti, gengibre, romã, amora, maçã, pera, pêssego, pinha, graviola, hortaliças, temperos e ervas medicinais. Os animais domésticos e da pecuária brasileira foram todos introduzidos: cães, gatos, galinhas, patos, gansos, pombos, bicho da seda, abelhas, coelhos, bovinos, bubalinos, equinos, asininos, ovinos e caprinos. Foi uma cosmogonia real, não mítica, lusitana, construída com ciência e critérios, por uma política de Estado da Coroa Portuguesa, pouco conhecida e reconhecida.

    A ecologia explica o sucesso das introduções transcontinentais de espécies (3). Os portugueses tiveram o cuidado de transportá-las sem suas principais pragas e doenças. As novas culturas cresceram melhor no Brasil. Bananas asiáticas foram cultivadas e observadas primeiro na Madeira, Cabo Verde, Tomé e Príncipe. Só as melhores mudas, produtivas e sadias, foram trazidas ao Brasil. Já seringueira, cacau, mandioca e abacaxi, nativas da América, tiveram êxito, levadas sem pragas e doenças para Ásia e África, hoje seus maiores produtores. Culturas se dão bem, longe da natureza de sua origem.

    O processo de introdução de frutas exóticas começou na orla marítima como na introdução e plantio de coqueirais. Trazido do Oceano Índico, o coco é um exemplo de sucesso na ampla produção de frutas frescas, temperadas e tropicais, no Brasil. Seus sistemas de produção foram desenvolvidos e aperfeiçoados ao longo de séculos, em bases empíricas e científicas.

    Números da fruticultura

    Intensiva em mão de obra (viveiros, plantios, podas, raleio, controle biológico, colheita, pós-colheita, cadeia de frio e conservação, embalagens, empacotamento…), a fruticultura lidera a geração de empregos na agropecuária. São cerca de 5,5 milhões de empregos diretos, segundo a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas). Com uma centena de associados, ela reúne 85% do volume de frutas frescas exportadas para mais de 170 países.

    O Brasil é gigante na produção de frutas frescas. Em 2024, ela foi da ordem de 123 milhões toneladas. A China lidera. Tudo consome, nada exporta e é grande importadora de frutas. É como a Índia, o segundo maior produtor de frutas. O Brasil ocupa a terceira posição. Ao contrário de China e Índia, já exporta um pouco: 24º país em exportação de frutas frescas. Seu potencial de ampliar a exportação de frutas é enorme. E cresce todo ano.

    Além da relevante ação do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Embrapa estruturou há décadas um centro de pesquisa de fruticultura tropical na Bahia, outro de fruticultura temperada no Rio Grande do Sul, outro voltado para uva e viticultura, e projetos para frutas vermelhas, caju, açaí, cupuaçu etc. O todo avança com desenvolvimento industrial na montante (máquinas, insumos, irrigação, sistemas de gestão…) e jusante (indústrias de beneficiamento, sucos, concentrados, conservas, bebidas, alimentos…).

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    Domínio brasileiro no mercado de laranja

    A laranja é a principal fruta produzida no Brasil, responsável por 34% da produção mundial, seguido por China e EUA. O setor de suco de laranja é líder absoluto no comércio internacional: 75% das exportações globais e 60% do suco processado. Essa cadeia produtiva estratégica é intensiva em emprego e distribuição de renda. Movimenta 3 bilhões de dólares anuais em exportações, gera 200 mil empregos diretos e indiretos, e sustenta economicamente dezenas de municípios. São Paulo garante 77% da produção nacional, seguido por Minas Gerais (6%), Paraná (5%), Bahia (4%) e Rio Grande do Sul (2%).

    Em 30 anos, no cinturão citrícola (São Paulo e Triângulo Mineiro), a área plantada recuou 41%, de 631 mil hectares em 1988 para 376 mil em 2019. E a produção cresceu 80%, graças ao uso de tecnologias modernas em termos de maquinário, genética, controle de pragas e doenças, manejo etc.

    Grande parte da produção é industrializada. Na década de 1980, a indústria do suco se estruturou e cresceu, graças à exportação e não ao mercado interno. Da laranja, além do suco, são extraídos óleos essenciais e líquidos aromáticos. O bagaço, com alto teor energético, é um subproduto industrial de alto valor econômico para alimentação animal, em especial, vacas de leite.

    A eficiência da cadeia citrícola exige mudas e viveiros certificados, cultivo tecnificado, muito cuidado com questões sanitárias, indústrias para produção de suco e distribuição internacional. Ela usa sistemas integrados a granel com caminhões-tanques, citrodutos, terminais portuários e navios dedicados. Seus sistemas de gestão e monitoramento são complexos. Os produtos citrícolas brasileiros, com dezenas de especificações e blends para variadas aplicações, chegam de forma adequada aos mais diversos consumidores dos EUA, Europa e Ásia. São milhares de citricultores, todos tecnificados.

    Cem milhões de laranjas passam por mãos humanas na colheita. Um posto de trabalho a cada nove hectares, contra um a cada 80 hectares na cana de açúcar. A fruticultura só perde para a floricultura na geração de empregos.

    Tarifas de Trump ameaçam exportações brasileiras

    A imposição norte-americana de uma tarifa adicional de 50% sobre o suco de laranja brasileiro compromete severamente a continuidade das exportações aos EUA, o segundo maior destino do produto. Na safra 2024/25, eles representaram 41,7% das exportações e um faturamento de 1,31 bilhão de dólares. Elevar a tarifa a 2.600 de dólares por tonelada, 72% do valor total do produto pela cotação da Bolsa de Nova Iorque, torna quase inviável qualquer operação comercial naquele mercado, segundo a CitrusBr.

    Desconsiderada a exportação de suco de laranja, o gigante na produção ainda é um anão na exportação de frutas frescas: 4,4 milhões/tone e uma receita de pouco mais de um bilhão de dólares. O Chile(4), quase sem área agrícola e água, exporta de frutas frescas mais de 8 bilhões de dólares. Sete vezes mais.

    Sete frutas representam cerca de 80% das exportações: manga, melão, uva, limão, melancia, mamão e maçã. Há muito para crescer. Um exemplo é a maçã. O agro abre novos mercados. O leitor tem ideia de quem é o maior importador de maçãs do Brasil? Quase 20% das exportações nacionais. É Bangladesh. Seguido por Índia, Rússia, Irlanda, Portugal, Reino Unido, França, Espanha, EAU, Holanda, Suécia, Arábia Saudita, Qatar, Colômbia, Honduras e Nicarágua. Todos esses países comem maçãs do Brasil. Sabia? Outro exemplo é a manga, a principal fruta fresca exportada.

    Segundo a Abrafrutas, o principal destino das exportações de frutas são os países da União Europeia (71%), seguida pelos EUA, Canadá, Rússia e Suíça. Esses mercados exigentes ilustram a qualidade das frutas, a ausência de resíduos de agroquímicos, o respeito à legislação trabalhista e ambiental. Certificações internacionais, como Global Gap, SMETA, Rainforest Alliance, GLOBAL GAP-GRASP, Fairtrade, Tesco Nurture, BSCI, HACCP e outras o atestam.

    Painel de exportação da Abrafrutas por país de destino e fruta de janeiro à junho de 2025. Fonte: abrafrutas.org/dados-estatisticos

    Políticas públicas, pesquisa e o agro brasileiro

    As políticas estratégicas da Coroa Portuguesa introduziram novas espécies cultivadas. As do Império do Brasil trouxeram, em acordos com monarquias da Europa e Japão, trabalhadores livres, empreendedores, agricultores responsáveis pelo surgimento de um novo mundo rural no Sul e Sudeste, de pequenas propriedades familiares, fortes em inovação e cooperativismo.

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    A atuação de instituições de pesquisa, como IAC (criado por D. Pedro II) e o sistema Embrapa (criado pelo presidente E. G. Médici), foi a base do surgimento de um sistema original e competitivo de agricultura tropical, único no mundo. Ele permitiu transformações extraordinárias no campo e nas cidades, e consolidou um agronegócio associado ao desenvolvimento industrial. Ele garante a segurança do abastecimento, ocupa espaços no comercio internacional e dá ao Brasil um novo peso geopolítico.

    Para Marcos Rehder Batista, é preciso tirar o debate sobre produção rural das divergências ideológicas e situá-lo, de forma pragmática, no projeto de país. As políticas agrícolas, agrárias e de infraestrutura logística deveriam ser mais favoráveis ao agronegócio e não contrárias a ele. Não se trata de agradar um setor. Elas beneficiam a sociedade como um todo, sobretudo o setor urbano.

    No ainda desconhecido agronegócio, a fruticultura é um setor, graças ao qual se pode cantar: Yes, nós temos bananas! E mangas, laranjas, melões, uvas, abacaxis, morangos, açaí, maçãs, mamões, maracujás e muito mais, como no século passado, o exuberante chapéu de frutas da luso-brasileira Carmem Miranda prenunciava ao mundo. Cabe defender quem produz.

    Evaristo de Miranda é agrônomo, com mestrado e doutorado em ecologia pela Universidade de Montpellier. Com mais de 1.400 publicações no Brasil e exterior, é autor de 56 livros, como “Tons de Verde – A Sustentabilidade da Agricultura Brasileira” (em português, inglês, árabe e mandarim). Pesquisador da Embrapa de 1980 a 2023, coordenou mais de 40 projetos e dirigiu três centros nacionais de pesquisa. Membro da Academia Nacional de Agricultura, foi eleito Agrônomo do Ano em 2021. Sua produção científica e artigos estão disponíveis no site: evaristodemiranda.com.br.

    Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.


    Notas

    (1) Pêro Vaz de Caminha. Carta a El-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil, 1º de maio de 1500.

    (2) Evaristo de Miranda. A invenção do Brasil: A história da biodiversidade. National Geographic, maio de 2007.

    (3) Evaristo de Miranda. Quando plantas valiam ouro. National Geographic, 2010.

    (4) Governo do Chile. Boletín de Fruta – Febrero 2024. Oficina de Estudios y Políticas Agrarias (ODEPA).

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