Na tarde do dia 16 de julho de 2025, a memória e o legado da Coluna Prestes foram revisitados sob uma nova perspectiva: a da ciência e do desenvolvimento dos territórios brasileiros. A mesa-redonda “100 anos da Coluna Prestes: uma odisseia em defesa do Brasil e do progresso da ciência pelos territórios” integrou a programação oficial da 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Com mediação do professor Gilberto Lacerda dos Santos, da Universidade de Brasília (UnB), o debate reuniu nomes de destaque da pesquisa e da política científica nacional. Participaram como palestrantes Luciano Rezende Moreira, do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), Henrique Carlos de Oliveira de Castro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Ana Maria Prestes Rabelo, da Fundação Maurício Grabois.
Leia também: Como algoritmos estão substituindo a política nas cidades brasileiras — e por que isso é um risco
A atividade teve como proposta recuperar a trajetória da Coluna Prestes, expedição político-militar que cruzou o interior do país entre 1925 e 1927, como símbolo de resistência, projeto nacional e compromisso com o Brasil profundo. A mesa buscou articular esse marco histórico com os atuais desafios da ciência brasileira em levar conhecimento, inovação e cidadania aos diversos territórios nacionais.
Como parte do espírito do encontro, foi lido o poema Marcha da Coluna, escrito por Murilo Mendes em 1932, que resgata o ímpeto e a dramaticidade daquela jornada histórica:
Marcha da Coluna
A coluna vai na frente
Dos homens, das mulheres, das crianças.
A coluna deita no leito dos rios,
A coluna se levanta, rasga matas,
A coluna vai na frente,
Vai mostrar o caminho ao país,
A coluna marcha,
O povo diz que ela é de fogo,
A coluna vai sempre na frente,
Nem sabe direito o que vai mostrar,
A coluna marcha,
O povo conta com a coluna,
A coluna conta com o céu.
O governo faz promessa
Para a coluna desaparecer.
Populações inteiras se penduram nela,
A coluna vira coluna de homens,
A coluna cresce, vira uma barba enorme,
A coluna marcha
Na frente dos cavalos, das cidades, dos sertões,
Na frente das ondas, do fogo, das promessas,
A coluna vai, a coluna vai, a coluna vai,
Não dá mais notícias
perdem a esperança,
Nunca mais que volta,
Nunca mais que vem.
Luciano Rezende Moreira abriu a mesa destacando os valores fundadores da Coluna que permanecem atuais. Para ele, o debate é necessário porque a Coluna Prestes ensina princípios que precisam ser recuperados. “A Coluna Prestes nos ensina a importância do contato direto com o povo, da resistência ao assédio do capital e da valorização do Brasil profundo. Ela representa amor ao país, às suas instituições e à unidade nacional. Também nos lembra da moralidade pública, da retidão e da abdicação pessoal por uma causa maior. Precisamos, mais do que nunca, reconhecer e formar grandes figuras comprometidas com esse espírito coletivo.”
Leia mais: Brasil avança em ciência, mas ainda busca o patamar das grandes potências
Em seguida, Henrique Carlos de Oliveira de Castro destacou o contexto de repressão em que nasceu o levante. “A violência institucionalizada da época provocou uma série de lideranças a se insurgirem. O Estado se estruturava a partir do coronelismo e agia em benefício de poucos. Prestes se escandalizava com essa realidade. A Coluna é, portanto, uma resposta moral e política a essa estrutura injusta, que ainda ecoa em muitos territórios do país.”
Encerrando sua participação, foi direto ao apontar os limites da leitura reformista do episódio. “Não vamos nos iludir: a verdadeira mudança se dará através da revolução socialista. Prestes, com a Coluna, nos ensina isso. Não bastava substituir o presidente. Era preciso mudar o sistema. A lição permanece viva, sobretudo num país ainda tão desigual como o nosso.”
Leia também: Esquerda precisa construir uma nova agenda para o capitalismo digital, defende pesquisador
Ana Prestes encerrou a mesa com uma reflexão histórica e política que conectou o passado ao presente. “O fato é que há 100 anos atrás, na década de 20 do século 20, eclodiu o movimento de jovens tenentes que se insurgiu contra a República Velha e na sua caminhada desnudava, a cada passo dado, às péssimas condições de vida em que vivia a esmagadora maioria da população brasileira. Queriam acabar com impostos abusivos, a corrupção administrativa, a falta de legislação social, queriam ensino primário gratuito, ensino profissionalizante, voto secreto e obrigatório, castigo aos usurpadores de patrimônio da população.”
Ela também destacou a dimensão épica da marcha. “Eram 1.500 homens, 50 mulheres, podendo chegar em conjunto a 2 mil no auge da mobilização. Chegaram a caminhar, a pé e a cavalo, até 60 quilômetros por dia, em marchas de 11 horas. Aqui no Estado da Bahia bateram recordes das marchas de infantarias na travessia de Tabuleiro Alto a Sento Sé. Fala-se em 25 a 30 mil quilômetros percorridos. Do extremo sul do Rio Grande do Sul até o interior do Maranhão, atravessaram o país, e podem ter superado em quilômetros percorridos as marchas de Alexandre, Aníbal, Gengis Khan, Bolívar, Emiliano Zapata, George Patton e Mao Tsé-Tung.”
Ao final da mesa, os presentes participaram com perguntas e comentários, reafirmando o interesse e a atualidade do tema. A troca entre os debatedores e o público reafirmou a Coluna Prestes como referência não apenas histórica, mas também política, cultural e pedagógica, apontando para a urgência de um novo pacto entre ciência, território e transformação social.