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    Sustentabilidade

    Veta Lula: PL da Devastação aprovado pelo Congresso é desastre para o Brasil

    O Congresso Nacional aprovou na madrugada desta quinta-feira (17/07) a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Cabe agora ao presidente Lula decidir se sanciona ou não a nova lei.

    POR: Theófilo Rodrigues 

    5 min de leitura

    Povoado de Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), devastado pela lama após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco. Foi o primeiro local atingido pelo desastre. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
    Povoado de Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), devastado pela lama após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco. Foi o primeiro local atingido pelo desastre. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

    Na madrugada desta quinta-feira (17), a Câmara dos Deputados aprovou com 267 votos a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Votaram contra essa nova lei as bancadas do PCdoB, PV, Rede, PSB, PT, PSOL, PDT e Solidariedade (Veja como votou cada deputado). Conhecido como PL da Devastação, o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional flexibiliza a legislação ambiental para facilitar o avanço do agronegócio, da pecuária e da mineração.

    A consequência imediata é o aumento de desmatamentos e a perda de biodiversidade. Ironicamente, tudo isso ocorreu justamente no Dia de Proteção às Florestas, celebrado em 17 de julho. Agora, está nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a decisão de sancionar ou não o projeto.

    A Constituição de 1988 foi pioneira por diversas razões. Uma dessas razões foi a inclusão no corpo de seu texto do artigo 225, o artigo do Meio Ambiente:

    “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

    Como podemos ver, o artigo traz a concepção intergeracional de sustentabilidade, ou seja, a noção de que a prática do presente não deve comprometer a vida das futuras gerações. Essa noção intergeracional foi divulgada pelo mundo inteiro a partir do Relatório Brundtland, um documento da ONU intitulado Nosso futuro comum que foi publicado em 1987, apenas um ano antes da nossa Constituição de 1988 (1).

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    Bom que se diga, essa concepção intergeracional da sustentabilidade proposta pelo Relatório Brundtland não foi nada original. Veja o que disse Marx no Livro 3 do Capital mais de cem anos antes da publicação do Nosso futuro comum:

    “Mesmo uma sociedade inteira, uma nação, ou, mais ainda, todas as sociedades contemporâneas reunidas não são proprietárias da Terra. São apenas possuidoras, usufrutuárias dela, e, como boni patres familias [bons pais de famílias], devem legá-la melhorada às gerações seguintes.” (2)

    Ou seja, já no século XIX, Marx defendia a ideia de que todas as sociedades deveriam deixar o planeta melhor para as gerações seguintes. Infelizmente, demorou mais de um século para a comunidade internacional registrar como resolução global a formulação intergeracional de Marx.

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    Passados 37 anos da Constituição de 1988, o Congresso Nacional busca jogar no lixo uma das principais conquistas ambientais do país. Essa nova legislação é problemática em pelo menos cinco aspectos:

      1. Dispensa de licença para a ampliação de estradas, atividades agropecuárias, tratamento de água e esgoto, e pequenas barragens de irrigação;
      2. Renovação automática de licenças ambientais por meio de autodeclaração;
      3. Enfraquecimento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e do Ibama;
      4. Desproteção de comunidades tradicionais como terras indígenas e territórios quilombolas não homologados; e
      5. Risco aos sítios arqueológicos com a restrição da atuação do IPHAN.

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    É curioso que nem mesmo no contexto do governo negacionista de Jair Bolsonaro o Congresso Nacional tenha aprovado algo semelhante. Bolsonaro tinha como ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, aquele mesmo que defendia que o governo deveria “passar a boiada” na legislação ambiental. Salles era um “antiministro do Meio Ambiente”, como bem ficou registrado na certeira expressão do ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão.

    Felizmente, o Brasil já não é mais o mesmo dos tempos de Bolsonaro. Hoje, sob a liderança do presidente Lula, o governo federal possui Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, um nome respeitado em todo o mundo por seu compromisso com a Natureza. Contudo, as contradições políticas, sociais e econômicas são explícitas. Se o governo federal mudou de 2023 para cá, o Congresso também mudou. Mas, se o governo federal busca uma agenda socioambiental cada vez mais avançada, o Congresso, por sua vez, torna-se cada vez mais distante da sociedade e próximo dos interesses econômicos predatórios de alguns setores do agronegócio, da pecuária e da mineração.

    No bojo dessa enorme contradição que configura a formação social brasileira, Lula tem a urgente tarefa de, ao lado de Marina Silva, construir uma frente ampla com a sociedade em nome da preservação da mãe natureza e do planeta. Justamente no momento em que o Brasil sedia a Conferência do Clima, a Cop-30, esse retrocesso não pode prosperar. Por tudo isso, a sociedade brasileira pede: Veta Lula!

    Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM. É coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.


    Referências

    Brundtland, G.H. et al. Nosso futuro comum. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1991.

    Marx, Karl. O Capital. Livro 3. São Paulo: Boitempo, 2017. (P. 836)