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    Economia

    Cenários da guerra tarifária dos EUA contra o Brasil

    Para Durval de Noronha, não há diálogo possível: os EUA agem por imposição. Brasil deve agir com firmeza e estratégia internacional

    POR: Durval de Noronha Goyos Junior

    6 min de leitura

    Movimentação de contêineres em porto que opera importações e exportações. Foto: Hippopx – domínio público (licença Creative Commons Zero – CC0)
    Movimentação de contêineres em porto que opera importações e exportações. Foto: Hippopx – domínio público (licença Creative Commons Zero – CC0)

    Cenários de uma guerra tarifária ampliada – A ameaça da imposição ilegal de sanções tarifárias pelos EUA ao Brasil pela administração delirante de Donald Trump faz parte de um tresloucado plano estratégico de se evitar o colapso da influência global desmedida daquele país no último século. Essa seguiu a sua expansão territorial com usurpação de territórios alheios mediante campanhas militares e da formulação da teoria trágica do “destino manifesto hegemônico”, fundada na ignorância histórica, na agressão imotivada, na arrogância desmedida, no preconceito universalizado, e na violação dos Direitos em grande escala. Para os atuais defensores desta doutrina, insanamente, até mesmo a deflagração de uma guerra mundial serviria para impedir o ocaso do Império.

    Desta maneira, a ação estadunidense não é voltada especificamente contra o Brasil, mas contra a sua participação nas forças globais que, dentro do Direito, procuram limitar os abusos dos EUA, promover a correção dos organismos internacionais e gerar a prosperidade coletiva dos povos. Os EUA se insurgem, portanto, contra o agrupamento do BRICS e atacam os seus principais integrantes isoladamente. Tocou ao Brasil, no entanto, um virulento ataque à sua soberania. De fato, nas décadas precedentes, os EUA se valeram da opressão dos países menos desenvolvidos com rigorosa crueldade, mas sem o desespero de estarem acuados por uma tendência avassaladora de perda de poderio econômico, financeiro, militar e moral.

    A participação dos EUA nas negociações internacionais sempre foi abusiva. Para fazer valer os seus vis propósitos, os políticos americanos lançaram mão dos organismos internacionais por eles controlados, da intimidação, da desestabilização, das guerras por procuração, do incentivo à insurgência, das torturas, dos assassinatos, dos bloqueios militares, das ações armadas, das fraudes políticas e judiciárias, das sanções financeiras, comerciais e tarifárias, dentre outros. Atualmente, este macabro receituário tem menor impacto. A coerção não tem o mesmo peso, pelo crescimento econômico e união dos inconformados, o que leva os formuladores políticos dos EUA a abandonarem o edifício do Direito internacional, que lhes foi sempre favorável.

    Face à grave ameaça, naturalmente não cabe ao Brasil aceitar a arrogante imposição, e bem assim os ataques à sua soberania. Entretanto, também não lhe serve um conflito aberto e desmedido, mas sim medidas tópicas em retaliação.

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    Note-se que o Brasil teve um déficit comercial com os EUA de US$ 6,8 bilhões, numa corrente bilateral de cerca de US$ 75 bilhões, de acordo com as estatísticas oficiais estadunidenses. Os itens mais sensíveis da pauta exportadora brasileira são a carne, celulose, petróleo, sucos e aviões. À exceção dos aviões, ela é composta em sua maioria por mercadorias precificadas internacionalmente.

    Este fator permite que a carne brasileira seja direcionada para eventuais terceiros mercados, dentre outros aqueles que passarem a suprir os EUA, como no caso da Argentina. A circunstância mencionada permite a busca de mercados alternativos pelo Brasil, sem prejuízos de monta. Por outro lado, alguns destes produtos são de interesse estratégico para os EUA e são vulneráveis para aquele país, do lado brasileiro, à imposição de impostos de exportação ou restrições de segurança nacional, dentre outras de caráter não tarifário.

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    Por sua vez, os itens mais relevantes das exportações americanas são o maquinário, farmacêuticos e aviões. Tais produtos podem ser facilmente obtidos com vantagens de custo e qualidade noutros países como China, Índia, Rússia e México. Ademais, o balanço de pagamentos brasileiro é desfavorável ao Brasil em cerca de US$ 100 bilhões, o que representa o setor de maiores vantagens aos EUA. No entanto, os fluxos respectivos são vulneráveis à tributação brasileira, para além de outras medidas setoriais, o que representa potencialmente um grande risco para as empresas estadunidenses, as quais saberão avaliar as possíveis perdas num conflito aberto, o que não interessa a nenhuma das partes. Note-se ainda que o Brasil é hospedeiro de cerca de 5 mil empresas de capital estadunidense e que o dólar é estruturalmente débil.

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    Há quem no Brasil se proponha a negociações pontuais na defesa de setores econômicos com os EUA a respeito das ameaças de imposição de tarifas ilegais, sem se aperceber que está em jogo muito mais do que tarifas, i.e., a soberania. Essa é inegociável! Aqueles que o fazem não têm experiência ou conhecimento de que, institucionalmente, os estadunidenses não negociam: eles impõem as suas posições; não buscam jamais o denominador comum: lançam mão do chamado jogo de soma zero, no qual uma parte tudo leva, os EUA naturalmente, e a outra tudo perde. Assim, negociações com aquele país, no sentido estrito do termo são improdutivas e estéreis, como a História tem demonstrado repetidamente.

    Todavia, a crise tarifária ampliada deve ser gerida com tratativas diplomáticas com os americanos, mas também com os aliados do BRICS, do Sul Global e organismos multilaterais, de forma a expor os argumentos sobre a conveniência do livre comércio, do Direito internacional e dos ganhos recíprocos, e com isso procurar dissuadir os EUA de seus ataques comerciais e estruturais contra o Brasil. Estes argumentos devem ser expostos ao universo da opinião pública internacional de maneira firme e inequívoca. Da mesma forma, um plano de ação de curto, médio e longo prazo deve ser formulado para afastar o Brasil das parcerias tecnológicas, comerciais, financeiras e militares com os EUA, diminuindo a dependência a um país não confiável. Para começar, as reservas externas brasileiras não podem mais ser denominadas em dólares.

    Durval de Noronha Goyos Junior é advogado, jurista e professor de pós-graduação. Árbitro do GATT, da OMC, do CIETAC e do SHIAC. Foi negociador brasileiro dos tratados da OMC. Advogou no sistema multilateral por diversos países do BRICS. Autor de 10 livros e centenas de artigos e textos de conferências sobre a OMC e o Direito internacional. É conselheiro da Fundação Maurício Grabois.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

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