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    Política e Estado

    Guerra das tarifas abre chance da esquerda ir além do economicismo governamental

    Partidos situados à esquerda – o PCdoB em particular – são chamados a contribuírem na conquista de um passo adiante do governo Lula

    POR: Luciano Siqueira

    5 min de leitura

    Lula durante cerimônia de entregas do Governo Federal ao Vale do Jequitinhonha. Foto: Ricardo Stuckert/PR
    Lula durante cerimônia de entregas do Governo Federal ao Vale do Jequitinhonha. Foto: Ricardo Stuckert/PR

    Para além do “economicismo governamental”– Óbvio que na luta política o conteúdo do discurso é essencial. Sempre foi – sobretudo, agora em que o conflito no terreno das ideias alarga fronteiras antes inimagináveis, mantendo uma linha muito tênue entre a verdade e a mentira.

    Como se sabe, a recente ascensão da extrema direita no Brasil se deu sob circunstâncias sócio-políticas muito peculiares e através da prática da luta no terreno das ideias inspiradas na noção de “pós-verdade”.

    Dito de maneira mais direta, construindo um verdadeiro “universo paralelo” com a adesão de milhões de brasileiros e brasileiras estimulados em seus instintos mais primários e em seus preconceitos mais retrógrados.

    A consciência política não deriva da espontaneidade

    A sofisticação dos meios de comunicação e a informação circulante em tempo real dificultam forjar nas massas da população consciência esclarecedora.

    A chamada “guerra cultural” ocupa precisamente isso: garantir a hegemonia cultural da elite dominante (1).

    No seu tempo, Lênin insistiu em que o conflito de interesses entre trabalhadores e patrões na esteira de formas primárias de insatisfação dos que vivem do trabalho não seria suficiente para caracterizar a luta de classes propriamente dita.

    Leia também: Progressismo em tempos de transição: a Revolução Brasileira no século XXI

    Daí o imperioso dever militante de correlacionar os fatos do cotidiano com a luta geral por um novo poder político em dimensão nacional (2).

    É a articulação entre o particular e o geral de modo a contribuir para que o cidadão comum possa compreender as razões da exploração a que está submetido e vislumbrar a possibilidade de superar a luta política por um novo Estado sob a hegemonia dos trabalhadores.

    O discurso governamental

    À semelhança do que Lenin caracterizou como “economicismo” no movimento dos trabalhadores de então, por assim dizer despolitizado e movido quase que exclusivamente pelas pautas imediatas, o discurso das forças de esquerda em governos democráticos e sob as condições da dominação capitalista, vale dizer, nos limites do Estado de direito democrático burguês, não pode, sob nenhuma hipótese, se cingir apenas às políticas públicas setoriais e às conquistas parciais eventualmente obtidas pela população.

    Na prática, esses limites resultam na perda da independência política e no rebaixamento a um reformismo estreito e inconsequente, que busca apenas por pequenas reformas graduais, em vez da transformação estrutural da sociedade.

    No Brasil de nossos dias, isso significa rebaixar a ação governamental, que aborda quase exclusivamente o horizonte imediato. É o discurso das “entregas”, que pouco ou quase nada esclarece.

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    Diferentemente, é preciso situar cada conquista – da inauguração de um posto de saúde na comunidade à lei que isenta os que ganham até R$ 5 mil mensais do recolhimento de Imposto de Renda – como fruto da luta e não dádiva.

    Entretanto, no ciclo da redemocratização pós-ditadura militar, que tem como um dos seus elementos mais visíveis a ocupação de governos nos três níveis federativos por partidos de esquerda, o PT principalmente, incluindo conquistas da presidência da República, o discurso largamente dominante expressa uma espécie de “economicismo governamental”.

    Essa é uma das marcas das gestões de esquerda, inclusive de parte dos gestores comunistas – como registra Nádia Campeão em seu estudo sobre a experiência do PCdoB e da esquerda em gestões municipais (3).

    Lula, um passo adiante

    A “guerra das tarifas” recém-desencadeada pelo presidente norte-americano Donald Trump, associada à defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, emerge como oportunidade de elevação do conteúdo e do tom do discurso do governo.

    A defesa da soberania nacional vem à tona com força, verbalizada pelo próprio presidente da República e agregando segmentos para além da frente ampla que governa.

    Há certa mudança de setores de classe em razão de que a tarifa de importação de 50% anunciada pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros terá impactos severos sobre a indústria, o agronegócio e o mercado de trabalho, resultando inclusive numa queda expressiva das exportações e consequente redução do PIB.

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    A resposta firme do governo e a mobilização do empresariado dos setores afetados em certa medida propiciaram a aproximação (ainda que temporária) com novas frações da elite dominante.

    Por tabela, demarca campos com a extrema direita entreguista, o bolsonarismo em particular, e ainda dá a oportunidade de que se desvende com clareza o papel da oligarquia financeira na interferência do programa de transferência nacional com qual o governo está comprometido.

    Nessas afirmações, faz-se natural, e necessária, a explicitação de diferenciações no interior da frente ampla, dando azo a que se expressem percepções distintas da natureza dos conflitos presentes e de diferentes rumores para o desenvolvimento nacional.

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    Assim, o arco-íris que compõe a frente governamental encontra a oportunidade de se fazer transparente aos olhos da maioria, sem quebrar a unidade em torno do programa de governo pactuado.

    Partidos situados à esquerda – o PCdoB em especial, em razão do seu propósito programático – são chamados a contribuir na conquista de um passo adiante do governo liderado por Luis Inácio Lula da Silva. Para além do “economicismo governamental”.

    Luciano Siqueira foi vice-prefeito do Recife (PE) por quatro mandatos. É membro do Comitê Central do PCdoB e coordenador do Grupo de Pesquisa Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois. Autor do Blog de Luciano Siqueira

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