O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, promove uma guerra híbrida assimétrica contra o Brasil com o objetivo de atingir o Brics. Esse foi o diagnóstico apontado durante a primeira mesa do Ciclo de Debates para o 16º Congresso do PCdoB realizado na segunda-feira (28) em São Paulo (SP).
Na tentativa de recuperar sua hegemonia, os EUA intensificaram sua ofensiva contra o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, antecipando os embates eleitorais de 2026 ao apoiar explicitamente as forças de extrema direita que atuam no país, lideradas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, alvo de uma ação penal por tentativa de golpe de Estado e outros nove inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF).
“O Brasil virou a bola da vez, nessa grande disputa que se abre num mundo novo, num mundo em transição, de multipolaridade”, afirmou Walter Sorrentino, presidente da Fundação Maurício Grabois (FMG).
Na luta global pela hegemonia neste mundo multipolar, Sorrentino destaca que a estratégia norte-americana é promover uma “guerra contínua e multidimensional” para conter o avanço tecnológico da China e conter militarmente a Rússia. Como parte dessa estratégia, o Brasil foi escolhido como elo a ser atacado “para impedir a emancipação e a libertação nacional do nosso país e do nosso continente”.
“O governo norte-americano tem uma estratégia de curto, médio e longo prazo desses ataques porque tem por foco determinado salvar o Bolsonaro e atingir nossas instituições democráticas, impedir nosso esforço de regulamentação das big techs e tem por centro atacar diretamente o papel do Brasil nessa grande articulação do Sul Global, com sua política externa altiva, independente e os esforços pelo desenvolvimento e reindustrialização do nosso país.”
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Desvalorização do trabalho
Davidson Magalhães, economista e professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) aponta que uma contradição importante em relação ao modo de produção capitalista, tendo os EUA como principal centro, é a desvalorização do trabalho direto, sua principal fonte de riqueza, e a valorização cada vez maior do próprio capital financeiro especulativo, por meio do rentismo.
“Essa é uma realidade indicadora de uma crise que é estrutural do capitalismo. Marx já tinha identificado esse processo de automatização do capital e da valorização do capital pelo capital”, destaca.

Davidson Magalhães (esq.) e Sérgio Cruz. (dir.) Foto: Jade Beatriz
Magalhães aponta a atomização do capital como a essência do capitalismo atual e alerta que, pela primeira vez, a contradição das relações de produção com o desenvolvimento das forças produtivas está “chegando a um nível elevadíssimo que pode ter uma consequência: ou socialismo ou barbárie”.
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“O rentismo levou os centros principais da economia capitalista a ter uma certa improdutividade, um certo declínio da sua indústria, o que estamos observando hoje nos Estados Unidos, o papel da economia norte-americana muito vinculado à valorização fictícia e à perda da sua hegemonia no plano internacional, principalmente nessa área industrial”, afirma o economista.
Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e professor da Unicamp, destaca que a financeirização é constitutiva do regime do capital e ressalta a importância da análise marxista, que considera o capital fictício, quando o capital se relaciona com ele mesmo, como a forma mais avançada do capitalismo.
“Temos que olhar o capital como um sistema lógico-histórico, não se aplica apenas ao capitalismo no momento que ele [Marx] escreveu, ele apresentou a estrutura e dinâmica desse modo de produção. Na discussão histórica tem que sempre levar em consideração que a hipótese dele é lógico-histórica”, destaca.
Centralização e geopolítica
Davidson Magalhães aponta que as disputas pela hegemonia no mundo multipolar impactaram a geopolítica mundial, com a alteração do centro dinâmico da economia do triângulo ocidental formado por Japão, EUA e Europa para o continente asiático. Diante dessa transferência, Magalhães considera a tentativa de recuperação da hegemonia norte-americana como fator principal de instabilidade geopolítica.
“O governo Trump nada mais é que a tentativa de reação à perda do poder relativo dos EUA frente à economia mundial. A reação do governo Trump, que não é só do governo Trump, mas desse movimento neofacista no mundo, é uma reação à crise do capitalismo, a essas contradições que não tem condições de se resolver no marco da democracia”, destaca Magalhães.
“Dentro da democracia você tem que fazer mediações, só que as contradições estão chegando a um nível tal que são impossíveis, então os setores da burguesia precisam ter elementos para continuar com essa política neoliberal, de aumento dos impostos para a população e redução dos impostos para o grande capital e mecanismos de transferência de renda via divida pública, via os outro instrumentos da austeridade fiscal, pra continuar alimentando essa valorização do capital fictício.”
O ataque ao Brasil, aponta o economista, está dentro desse contexto de avanço da crise do capitalismo com a agudização de suas principais contradições, em um momento de instabilidade geopolítica. Anunciado logo após o encontro do Brics no Rio de Janeiro (RJ), a taxação dos produtos brasileiros foi a primeira sanção anunciada pelos EUA “cuja contraprestação não foi econômica, foi política, no sentido exatamente de desestabilizar a economia do Brasil. O que está em curso no Brasil é uma guerra híbrida aberta no sentido de desestabilizar o Brasil”, destaca Magalhães.
“Esse ataque está sendo sistemático, porque isso tem a ver com a recolocação do Trump e dos EUA na cena internacional como potência hegemônica e, acima de tudo, criar mecanismos para absorver e incorporar o Brasil a esse processo de acumulação subalterno aos EUA. É um desafio muito grande que nós estamos vivenciando nesse momento e o 16º Congresso chama a atenção do aguçamento dessas contradições.”
O jornalista Sérgio Cruz destacou que o 16º Congresso do PCdoB está sendo feito à quente, já que os Estados Unidos anteciparam a batalha prevista para 2026. “Talvez fosse pra eleição de 2026, mas acho que a coisa se precipitou, a batalha é agora. É claro que se a gente chegar em 2026 ganhando essa batalha de agora a gente vai derrotar muito mais facilmente o bolsonarismo.”
“Estamos com a bandeira na mão e com capacidade e possibilidade de desmascarar profundamente os inimigos da pátria. Está muito fácil pra gente desmascarar, com grande ofensiva do nosso lado, os bolsonaristas como traidores da pátria, como auxiliares do Trump.”
No contexto internacional, Cruz aponta que os ataques tem por objetivo atingir o núcleo do Brics, que está se constitutindo como uma frente ampla internacional contra o imperialismo dos Estados Unidos.
“É uma frente ampla, encabeçada e liderada por um partido que está construindo o socialismo. O Partido Comunista da China está construindo o socialismo e liderando uma frente de países independentes, democráticos, e não tão democráticos.”
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Big Techs como tentáculos do capitalismo
Consideradas muitas vezes como símbolos de uma nova fase do capitalismo mundial, as big techs representam na verdade “a mais explícita fase do imperialismo, são os novos tentáculos do velho capital, que continua se organizando como Marx já previu lá atras”, defendeu o pesquisador do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), Ergon Cugler. Ele aponta que esses tentáculos atuam por meio de cinco poderes: econômico, político, cognitivo, burocrático e militar.

Ergon Cugler e Luiz Gonzaga Belluzzo. Foto: Jade Beatriz
Apesar de fabularem sua trajetória por meio do “mito da garagem”, de que foram criadas a partir de uma ideia genial em garagens dos EUA, Cugler aponta que empresas como Microsoft, Apple, Meta e X nasceram a partir de “golpe, herança e canalhice” e hoje representam as maiores fortunas do planeta.
O poder econômico dessas empresas se materializa em poder político a exemplo do ataque orquestrado dessas empresas contra o PL 2630 de 2020, conhecido como PL das Fake News e aumentou em relação ao Brasil a partir de 2019 com negociações entre o governo brasileiro e essas empresas na gestão de Jair Bolsonaro. “O dinheiro que a gente manda pra fora pagando contrato de Google e Microsoft poderia nos livrar da dependência tecnológica que é moeda de chantagem do Trump contra nós”, destaca Cugler.
O domínio das big techs sobre a informação faz parte da centralização do poder, destaca Belluzzo. “O que o Trump está fazendo é colocar toda essa tigrada das big techs no governo, ele está privatizando o governo. A gente está assistindo esse desdobramento que é incrível, a realização do que Marx falou a respeito do capital financeiro.”