A modernização da indústria automotiva no Brasil – Em fins de 2024, um levantamento realizado junto aos fabricantes de automóveis no Brasil indicava investimentos da ordem de 103 bilhões de reais na ampliação e modernização do complexo industrial, número este elevado posteriormente para 180 bilhões. Entre estes investidores estavam empresas que ainda não produziam no país, além das montadoras tradicionais.
Chamavam atenção, em especial, fabricantes de carros elétricos, cujo início de atividades era previsto para 2025. Este novo segmento seguia a perspectiva da redução das emissões de carbono, responsáveis, em grande medida, pelo aquecimento global e as mudanças climáticas catastróficas. Desde então, a produção mundial de veículos elétricos só tem crescido, com diminuição sistemática nos preços, sobretudo aqueles praticados pelos fabricantes chineses.
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Em meio ao ataque comercial dos EUA ao Brasil, com tarifas que criam sérios obstáculos às exportações para aquele que é o segundo parceiro comercial do país, as montadoras tradicionais ameaçam suspender os investimentos no país, sob a alegação de que a chinesa BYD estaria se beneficiando de condições especiais na montagem de kits importados.
A redução tributária para o imposto de importação de 10% até que a fábrica entre em processo de plena produção, em julho de 2026, pode ser considerada uma concessão razoável, sobretudo porque projeta-se um aumento do conteúdo nacional na produção dos carros até alcançar 70% dos insumos.
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Todas as montadoras que se instalaram no país e mundo afora, obtiveram benefícios de toda ordem para implantar suas unidades fabris. Entre as vantagens estavam a isenção total ou parcial de tributos federais, estaduais e municipais, cessão de terrenos, construção de trechos de rodovias e ferrovias, cessão de operação de portos, financiamento em condições favoráveis, entre outras. As negociações para implantação não raro envolviam a disputa entre diferentes estados ou países, configurando a chamada guerra fiscal.
Quando da implantação da Ford na Bahia, não foi diferente. Houve grande reação dos fabricantes instalados nos centros tradicionais. Em 2001, a Ford se beneficiou, até 2010, de uma redução de 32% no IPI incidente sobre produtos nacionais ou importados diretamente pela empresa. Ou seja, os produtos importados pela Ford eram considerados como se no país fossem produzidos como uma forma de incentivo, com o suposto objetivo de “viabilizar” o empreendimento. Noutra leitura, consistiu em um ganho adicional fruto da disputa entre entes federativos.
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A Ford se foi, abandonou o país quando lhe conveio, suas instalações modernizadas e ampliadas passaram a atender à BYD.
A concepção de que a montadora de veículos elétricos tem vantagens indevidas se assemelha ao discurso de “excesso de capacidade produtiva” adotado por EUA e Europa para impor tarifas aos veículos produzidos na China, inclusive aqueles que saem da gigafábrica da Tesla.
Outro aspecto a ser considerado é a questão do desenvolvimento regional, apoiado em tese, mas invariavelmente rechaçado nos casos concretos. A instalação de unidades fabris fora dos grandes centros serve ao propósito de buscar o desenvolvimento das regiões economicamente mais atrasadas.
A Stellantis, que produz a marca Jeep, em Goiana (PE), desde 2015, a Caoa/Chery e a HPE/Mitsubishi – estas em Goiás – se beneficiam da legislação para montadoras localizadas no Nordeste e Centro-Oeste. São incentivos que vêm sendo prorrogados e que tornam a produção viável fora do Centro-Sul do país.
Assim, a investida contra os benefícios concedidos à BYD pode ser caracterizada como uma tentativa de restrição de novos competidores, especialmente a uma montadora que demonstra alta capacidade em inovação e preços. A implantação da fábrica da BYD restaura a indústria automotiva na Bahia, após a suspensão da produção da Ford no Brasil, contribuindo para a diversificação da matriz produtiva e para a atração de novos investimentos.
Desta forma, ao governo brasileiro não cabe outra posição senão manter os compromissos que resultaram na atração desse investimento e na parceria com a China, garantindo mais empregos, apoiando o desenvolvimento regional e seguindo na direção da modernização da indústria brasileira, tanto em termos de um produto inovador quanto do processo produtivo.
Daniel Almeida é deputado federal pelo PCdoB da Bahia e presidente do Grupo Parlamentar Brasil China.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.