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    Política e Estado

    Ameaças de Trump devem ser levadas a sério e respondidas à altura

    Análise da reação necessária do Brasil diante da crise interna, das tarifas impostas por Trump e da defesa inegociável da soberania

    POR: Ronald Freitas

    7 min de leitura

    Presidente dos EUA Donald Trump. Em 7 de julho de 2025, na Casa Branca. Foto oficial da Casa Branca por Daniel Torok
    Presidente dos EUA Donald Trump. Em 7 de julho de 2025, na Casa Branca. Foto oficial da Casa Branca por Daniel Torok

    O país vive em continuado ambiente de crise. Assistimos à polarização entre extrema-direita, direita e setores democráticos e de esquerda. A um Executivo refém de um Legislativo conservador e reacionário. E a uma extrema-direita com força e articulada interna e externamente que, diante da hipótese de ver suas lideranças maiores, com destaque para o ex-presidente Bolsonaro, prestes a ser condenado e ir para a cadeia, entra em “modo desespero” e intensifica seus ataques ao Judiciário, ao Executivo, e mesmo ao Legislativo. A este por não pôr em votação – com a celeridade que considera necessária – um projeto de anistia que livre, de julgamento, todos os implicados na trama do frustrado golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.

    Mas quis o acaso que a presidência dos Estados Unidos da América estivesse sendo exercida por um dos principais líderes da direita e do reacionarismo mundiais, Donald Trump, que voltou à presidência daquele país, agora em 2025, com força e determinação doentia de levar à frente políticas de cunho reacionário, anti-humanitário e imperialista com o objetivo maior de fazer com que o hegemonismo do império americano – que vive dias de decadência crescente – volte a ser tão forte e incontestado, como fora na segunda metade do século XX. 

    A junção de dois fatores, a atuação desesperada do núcleo duro do bolsonarismo – particularmente de seus familiares, mas não só – para tentar por todos os meios, sem restrições, livrar Bolsonaro da cadeia e a atuação de Trump na presidência dos EUA – implementando, desde sua posse, uma política de rapina sobre os demais países do globo, por meio da imposição de pesadíssimas tarifas alfandegárias, sobre as mercadorias e serviços, que exportem para os EUA – criaram um ambiente propício para que bolsonaristas ultradireitistas, sob a liderança de seu filho Eduardo, articulando-se com a ultradireita norte-americana e mesmo europeia, conseguissem que o governo norte-americano impusesse desonestas tarifas alfandegárias de 50% aos produtos exportados pelo Brasil aos EUA.

    Brasil e EUA — quem ganha e quem perde com o tarifão de Trump? Veja análise de Ana Prestes:

    As medidas dão a entender que, se o Judiciário brasileiro, particularmente o Supremo Tribunal Federal, e o ministro Alexandre de Moraes retirassem as acusações contra Bolsonaro, essas imposições tarifárias poderiam ser discutidas. Ou seja, a motivação da imposição de escorchantes alíquotas às exportações brasileiras para os EUA seria uma moeda de troca, com o governo Trump, para liberar os golpistas do 8 de janeiro. Embora isso seja mais um desejo dos bolsonaristas do que realidade, para Trump a suspensão dos processos contra Bolsonaro pode ser um efeito colateral desejável. No fundo, porém, com essas medidas, ele almeja enfraquecer o Brasil como país capaz de desempenhar um papel relevante na cena mundial, principalmente pela influência que pode exercer na atuação do BRICS+.

    Mas a absoluta maioria da sociedade brasileira – os grandes meios de comunicação, todas as mídias, a sociedade civil organizada, partidos políticos, mesmo alguns de centro-direita – uniu-se em torno do firme posicionamento do governo brasileiro de que: “tarifas alfandegárias são negociáveis, mas interferência na nossa política interna, no funcionamento dos nossos órgãos soberanos de poder, como o Judiciário, é inadmissível, e que nossa SOBERANIA é inegociável. 

    Esta questão da inegocionabilidade de nossa SOBERANIA é a resposta certa tanto do ponto de vista político como econômico. A carta de Trump enviada a Lula, por meio de mídias sociais, além de ferir qualquer protocolo de relações entre Estados civilizados e soberanos, é de uma indigência mental de espantar. O presidente da ainda maior potência mundial devia saber que não se trata, nos tempos atuais, um país independente, particularmente do porte do Brasil, como uma colônia subserviente. Tratar o nosso país, nos termos com os quais está agindo o senhor Trump, é de uma arrogância e estupidez política, que equipara-se ao condão de despertar uma indignação generalizada na nossa sociedade, levando, salvo bolsões de traidores e “quinta colunas” – a imagem dos bolsonaristas mais empertigados – a maioria da Nação a se sentir ofendida em diferentes graus pela arrogância do senhor Trump.

    Porém não devemos nos deixar levar pelo sentimento de indignação. Mas devemos nos defender de todas as maneiras dessas agressões descabidas do governo norte-americano. Temos de buscar canais de negociações comerciais que possam restabelecer os fluxos comerciais entre os dois países de forma equilibrada; devemos diversificar nossas fontes de comércio exterior e procurar mais parceiros, por meio dos quais possamos alocar nossa produção de forma equânime; devemos estimular o nosso mercado interno, incentivando o aumento do consumo, pelas camadas de baixa renda, dos produtos alimentares que não forem exportados, como frutas, carne, café etc., criando-se para isso programas de venda de alimentos à população mais carente, por preços acessíveis, se necessário subsidiados. Além disso, tomar outras medidas de proteção ao emprego de trabalhadores que os tenham ameaçado e de ajuda a empresas que passem a ter dificuldades de se adequarem às novas realidades do mercado.

    Mas, mesmo com a defesa da nossa SOBERANIA, rejeitando com firmeza e determinação qualquer tentativa de ingerência em nossos assuntos internos, e com medidas de cunho econômico que mitiguem, para a população em geral (massas vulneráveis, trabalhadores e empresários), os efeitos das medidas econômicas decorrentes das tarifas escorchantes de Trump, existe uma atitude a ser tomada e cultivada na consciência nacional do povo: a verdadeira Soberania só existe se o país que a quer exercer apoiar-se nas suas próprias forças para garanti-la.

    Apoiar-se nas próprias forças, para superar dificuldades e crises que eventualmente enfrentem povos e nações, é uma condição necessária para a existência de uma Nação soberana, capaz de jogar papel na cena internacional. Mas apoiar-se nas próprias forças não é sinônimo de isolacionismo e de aversão ao estrangeiro. Manter uma relação com outras nações e outros povos, em todos os terrenos, do econômico ao cultural, é uma imposição do mundo interconectado em que vivemos e uma condição para construirmos uma sociedade fraterna e solidária. O âmago do conceito de apoiar-se nas próprias forças, para o desenvolvimento e a vida de uma nação, é cada uma delas, tendo por base seus valores, sua cultura, o domínio de seus meios de produção, o controle de suas forças produtivas e de suas riquezas naturais e espirituais, utilizar esses meios para construir, no seu espaço físico, condições dignas de vida para seu povo e, dessa maneira, contribuir para uma humanidade mais feliz.  

    No caso brasileiro, considero essa atitude de se apoiar nas próprias forças, econômicas, políticas, sociais, uma condição essencial para levarmos à frente um novo projeto de País, que nos transforme em uma Nação próspera, civilizada e socialmente mais justa.

    Assim, no enfrentamento que empreendemos à arrogância inescrupulosa do império americano e de seus aliados internos, devemos nos guiar e, apoiando-nos em nossas  próprias forças, afirmar nossa SOBERANIA.

    Ronald Freitas é membro do Comitê Central do PCdoB e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Estado e Instituições da FMG.

    Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.