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    EUA

    Por que Trump está de olho no Pix e nas finanças digitais do Brasil

    Fácil, instantâneo e gratuito, o Pix reduz transações tarifadas por cartões, bancos e sistemas de pagamento de empresas dos EUA

    POR: Iago Montalvão

    9 min de leitura

    Faz um Pix! Ferramenta digital mudou a forma de transferir dinheiro no Brasil. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
    Faz um Pix! Ferramenta digital mudou a forma de transferir dinheiro no Brasil. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

    O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, além de ter imposto uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os EUA, disse recentemente que quer abrir investigações sobre o Pix, que ele acusa de estar rompendo algumas regras de competição, ou seja, criando uma competição desleal entre sistemas de pagamento.

    Mas tem muita coisa por trás disso e não é só por causa do Bolsonaro que o Trump está atacando o Brasil.

    Todo esse reposicionamento de Trump perante o mundo com tarifas sobre diversos países, discurso de tornar a América grande novamente (make America great again), uma série de medidas protecionistas e autoritárias, tem como pano de fundo, na verdade, uma crise da própria economia dos Estados Unidos e um estremecimento cada vez maior da hegemonia estadunidense sobre o mundo, tanto no viés político, quanto econômico.

    O Brasil não se rende: soberania e resistência ao tarifaço de Trump

    No desespero, o governo dos EUA vai tentando criar formas de impor a sua hegemonia de forma cada vez mais direta sobre o mundo. É nessa esteira que vem essas tarifas e outros tipos de medidas que afetam a soberania dos países, tendo o Brasil como um dos principais alvos.

    É claro que o Trump justifica esses ataques colocando a questão do Bolsonaro, que vem sendo julgado de maneira independente pelo setor judiciário, como se esse fosse o problema, querendo inclusive interferir nas instituições e na soberania, na autonomia de decisão e julgamento de processos jurídicos do Brasil.

    Mas ao apontar o Pix, além dos produtos brasileiros como um dos seus principais alvos, ele vai deixando cada vez mais evidente quais são os objetivos por trás disso.

    Pix é a bola da vez

    O Pix, que é uma criação brasileira, foi elaborado há muitos anos, foi discutido dentro do Banco Central até ser implementado. É um sistema de pagamento rápido, instantâneo e sem custos, uma grande inovação no mundo inteiro.

    Outros tipos de ferramentas têm avançado ainda mais o papel do Pix como, por exemplo, o parcelamento ou o pagamento a prazo que vai ser disponibilizado em breve diretamente pelo Banco Central, diferente do que os bancos comerciais faziam antes.

    Pela sua facilidade, formato instantâneo e principalmente pela sua gratuidade, esse sistema de pagamento acaba sendo um ataque direto aos bancos comerciais e principalmente às bandeiras de cartão, tanto de débito, quanto de crédito.

    Leia também:Trump promove guerra híbrida contra o Brasil para atingir Brics

    Isso acontece porque quando você tem um sistema para fazer transações financeiras de maneira direta, inclusive parcelado, a prazo, a necessidade de existência de cartões de crédito e de débito e das suas bandeiras, deixa de existir. Portanto, é essa ameaça que o Pix impõe hoje às grandes empresas financeiras, a maior parte delas sediada nos Estados Unidos e que tem esse temor diante do desenvolvimento de um novo sistema, de uma nova tecnologia de pagamento que seja mais acessível, mais democrática.

    Isso, inclusive, não sou eu que estou dizendo. O Paul Krugman, que é um economista muito laureado pelo mainstream econômico, ganhador de um dos prêmios Nobel da economia, já disse que o Pix é um apontamento para um sistema de pagamento do futuro e vai derrubar muitos desses tradicionais sistemas de pagamento existentes até hoje.

    Desafio à hegemonia do dólar

    Esse conflito com o Pix não diz respeito apenas a essa tentativa de proteger as empresas financeiras, esse setor financeiro dos Estados Unidos, as empresas de cartão de crédito e o próprio sistema financeiro de Wall Street.

    É também uma tentativa de proteger essa hegemonia global do dólar, porque o estabelecimento e o desenvolvimento de um novo sistema de pagamento digital, instantâneo e com todas essas características que o Pix tem vai abrindo portas para o desenvolvimento de outros tipos de sistema de pagamento, inclusive a nível internacional, nas trocas, nos intercâmbios, no pagamento de importações e exportações entre países, buscando sair dessa dependência do dólar nas transações comerciais.

    Mas como isso pode acontecer? É  importante lembrar que isso não é uma coisa que deve ser resolvida no curto prazo. O dólar ainda tem muito poder, os Estados Unidos ainda tem muito poder, que precisa ser enfrentado, mas ainda mantém uma capilaridade, um domínio militar, econômico e político muito grande no mundo.

    Mas é fato que nos últimos anos há uma explosão do endividamento nos Estados Unidos e uma queda no seu crescimento. Nós temos visto também uma série de turbulências na economia desde a crise de 2008. Trump, ao assumir essa postura agressiva e autoritária, causou ainda mais impactos a essa confiança que o mercado financeiro e que os próprios títulos do Tesouro americano, do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed na sigla em inglês) tem em relação ao mundo.

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    O sistema capitalista funciona muito baseado em confiança, em expectativas e isso tudo vai minando, portanto, essas expectativas e a confiança daqueles que têm o dinheiro, os capitalistas, investidores que têm parte das suas riquezas alocadas naquilo que até algum tempo atrás era considerado um ativo praticamente 100% seguro, que são os títulos do Tesouro dos Estados Unidos.

    BRICS e sistemas alternativos

    Diante desse estremecimento do dólar e da posição dos Estados Unidos, várias alternativas vão se abrindo e vão sendo construídas ainda que num ritmo lento. Mas se a gente olhar, por exemplo, para as iniciativas que tem sido discutidas no BRICS, a gente consegue ver ali alguns embriões de sistemas de pagamento alternativos.

    Já existe hoje uma série de iniciativas no âmbito das trocas comerciais com moedas nacionais entre esses países, mas ainda não é algo que consegue ganhar uma escala tão grande, porque mesmo os exportadores desses países preferem receber em dólar, por ser uma moeda com maior reserva de valor, que ainda tem mais poder a nível internacional.

    Leia mais: Sistema de pagamentos transfronteiriços do BRICS desafia a hegemonia do dólar

    Mas a possibilidade de você desenvolver moedas digitais, que é inclusive uma pesquisa que tem sido feita no Banco Central brasileiro para o real digital, pode dar a possibilidade de desenvolver uma plataforma de pagamento e de transações para compensações às trocas comerciais entre esses países que não dependa do dólar. Isso é um caminho longo, mas que começa a dar sinais de alternativas a esse sistema hegemônico do dólar.

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    O Pix é um passo nessa direção da digitalização do sistema de pagamento, de maior autonomia dos países nas suas trocas comerciais e pode impulsionar pesquisas, iniciativas e experiências a partir do momento em que o mundo começa a conhecer essas possibilidades, que vão minando essa dependência excessiva e essa hegemonia do dólar.

    Há toda essa preocupação em torno do que esse sistema de pagamentos pode causar à hegemonia estadunidense. O Lula, inclusive, tem feito discursos importantes defendendo uma nova moeda do Brics e a Dilma reforça isso na presidência do novo Banco de Desenvolvimento, que é o Banco do Brics.

    Vão surgindo discursos, medidas e experiências que vão se alimentando e crescendo cada vez mais como uma forma de questionamento a essas estruturas tradicionais do sistema monetário e financeiro internacional que foram construídas nos acordos de Bretton Woods –  estabelecidos em 1944 para reger o sistema monetário internacional após a Segunda Guerra Mundial –  que sustentam ainda hoje esse domínio dos Estados Unidos sobre o mundo.

    O que a gente pode observar é que o Pix é só a ponta desse iceberg. Tem muito mais interesses e disputas políticas e econômicas por trás disso. Mesmo que haja um interesse político de defesa do Bolsonaro nessa rede internacional da extrema-direita, há outros temas econômicos potenciais e geopolíticos muito relevantes que levam o Trump a querer impor essas sanções ao Brasil.

    Tiro no pé

    É exatamente o uso desse poder geopolítico e econômico dos Estados Unidos, quando impõe bloqueio de reservas em dólar no caso da Rússia ou quando impõe tarifas ao mundo todo, uma série de medidas autoritárias, o efeito reverso acaba  ocorrendo e vai minando essa hegemonia, essa posição de autoridade que os Estados Unidos tinham até então e as medidas alternativas vão aparecendo como possibilidades. O Pix é uma pecinha, mas que vai construindo outras alternativas.

    Assista ao programa Almoço Grátis com Iago Montalvão na TV Grabois:

    Iago Montalvão é doutorando em Economia na Unicamp, coordena o Grupo de Trabalho Novo Ciclo de Desenvolvimento Social da Fundação Maurício Grabois. Além da atuação na área econômica e na pesquisa, tem trajetória no movimento estudantil — foi presidente da União Nacional dos Estudantes (2019–2021)

    *Análise publicada originalmente no programa Almoço Grátis, em 29/07/2025. O texto é uma adaptação feita pela Redação com suporte de IA, a partir do conteúdo do vídeo.

    **Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.