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    Agricultura

    Sua energia vem do agronegócio

    Etanol, biodiesel, biogás e biomassa tornam a agropecuária protagonista na geração de energia limpa e renovável no Brasil. Confira análise

    POR: Evaristo de Miranda

    10 min de leitura

    Produção de cana-de-açúcar, etanol e açúcar orgânico na usina Jalles, em Goianésia (GO), 23/06/2023. Foto: Wenderson Araujo/Trilux/CNA
    Produção de cana-de-açúcar, etanol e açúcar orgânico na usina Jalles, em Goianésia (GO), 23/06/2023. Foto: Wenderson Araujo/Trilux/CNA

    A agricultura brasileira, além de alimentos e fibras, é grande produtora de energia renovável. A agropecuária brasileira é líder mundial na produção de combustíveis sólidos (lenha e carvão), líquidos (etanol, biodiesel), gasosos (biogás, biometano) e “energéticos” (cogeração de eletricidade). Economiza combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão mineral) e industrializa o Brasil.

    Protagonismo brasileiro na matriz energética limpa

    A matriz energética é o conjunto de fontes de energia para suprir as demandas de eletricidade, aquecimento e transporte. A liderança brasileira na produção de energia renovável é pouco conhecida interna e externamente: 49,1% da matriz energética é renovável e a maior parte vem da agricultura (1).

    Balanço Energético Nacional (BEN) 2024, ano base 2023, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Na ilustração, a repartição da Oferta Interna de Energia (OIE) Crédito: EPE/Reprodução. Notas: ¹ Inclui importação de eletricidade | ² Inclui Licor preto, Biodiesel, Outras biomassas, biogás e Gás industrial de carvão vegetal | ³ Inclui as fontes Solar fotovoltaica e Solar térmica

    O uso de energias renováveis no Brasil é três vezes superior à média mundial (14,7%). Ou, 85% da energia consumida pela humanidade é fóssil e poluente. Se o planeta multiplicar por três suas fontes renováveis de energia (solar, eólica, hidráulica, biomassa…), não alcançará o Brasil.

    Nos países da OCDE, a situação é pior. Sua proporção de energia renovável é inferior à média mundial: 12,6%, segundo a Agência Internacional de Energia. Quase 90% da energia nos países desenvolvidos é de origem fóssil, altamente emissora de CO2 e gases poluentes.

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    Em 10 anos, o Brasil saiu de 39,7% de energia renovável em sua matriz energética para 49,1% e ela se torna mais limpa, pelo crescimento, sobretudo, da agroenergia. Há 20 anos, as energias renováveis na Oferta Interna de Energia se mantiveram em patamar elevado, até os recordes atuais.

    Quem mostrará essa evolução na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em Belém? O Brasil cobrará o mesmo esforço de outros países? Quem exigirá da China, responsável por quase um terço das emissões mundiais de CO2 (32%), a adoção de metas imediatas de redução? Ela cresceu em 245% suas emissões desde 2.000. Emite por ano mais de 11 milhões de toneladas de CO2 e 87% de sua energia vem de carvão mineral, petróleo e gás. E anuncia: continuará aumentando suas emissões até 2030.

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    Cultivos tropicais na geração de energia

    A agroenergia é sinônimo de cultivos tropicais (2), cujos ciclos de produção são longos: mais de 250 dias. Quanto mais longo o ciclo de uma cultura, maior a insolação recebida e o acúmulo de energia química, como em plantios plurianuais de cana-de-açúcar, mamona, dendê, mandioca, macaúba etc.

    A pesquisa agropecuária, com novas tecnologias tropicais, mesmo em cultivos de ciclo curto (soja, milho), viabilizou duas colheitas anuais no mesmo local. A soja é plantada na primavera e colhida no verão. Segue o milho de segunda safra, colhido no outono. Isso amplia a produção de alimentos para humanos e animais (farelo de soja, farinhas de milho, DDG, óleos de soja e milho…) e de energia (biodiesel de soja e etanol de milho), num “ciclo longo” e virtuoso de produção (150 a 180 dias): duas colheitas de grãos por ano na mesma parcela. Alimento e energia, sem conflito.

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    Em clima temperado, como nos EUA e Europa, as baixas temperaturas e a pouca insolação no outono e inverno limitam a fotossíntese das plantas de 90 a 120 dias, entre primavera e verão e a uma única colheita por ano de cereais, beterraba, canola…, pouco rentável em termos energéticos.

    Em 2023, a agropecuária garantiu 32,7% da matriz energética do Brasil ou 102,7 milhões de toneladas equivalentes de petróleo. Por ordem, contribuem na parte renovável da matriz energética a cana-de-açúcar, ao fornecer etanol para veículos, gás biometano e cogeração de energia elétrica com o bagaço; as florestas energéticas (eucalipto) com lenha e carvão; os óleos vegetais, (soja e sebo de boi); no biodiesel; e os resíduos agrícolas e florestais (licor preto (3), palha de arroz, cavacos, biogás de dejetos animais…) geram calor e energia elétrica.

    A contribuição da cana-de-açúcar na matriz energética brasileira foi de 16,9%, superior aos 12,1% de todas as hidroelétricas juntas! Quando cresce a produção de açúcar, um alimento, aumenta a cogeração de energia elétrica pela cana.

    Lenha e carvão vegetal são produzidos por florestas energéticas plantadas (eucalipto) e utilizados desde siderúrgicas de ferro gusa e aço verde (4), passando por usos industriais, domésticos até pizzarias. As siderúrgicas Gerdau, Aperam, ArcelorMittal e Vallourec são as grandes consumidoras de carvão vegetal. Maior produtor mundial, o Brasil atingiu 24,2 milhões de metros cúbicos. Substitutos do carvão mineral, lenha e carvão vegetal contribuíram com 8,6% na matriz energética, o dobro dos aportes das energias eólica (2,6%) e solar (1,7%).

    Etanol, biodiesel e o avanço da energia renovável no transporte

    No transporte, em 2024, o consumo de etanol no Brasil atingiu um recorde de 22 bilhões de litros, segundo a ANP, um aumento de 33,3% em relação a 2023. Além do etanol da cana-de-açúcar, o de milho não para de crescer. Sua produção atingiu 8,19 bilhões de litros em 2024, um aumento de 30,7% em relação a 2023. Este volume é 23,4% do total de etanol produzido no Centro-Sul. E crescerá nos próximos anos, com investimentos significativos.

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    O teor de etanol na gasolina comum passou de 27,5% para 30% (E30) desde o 1º de agosto de 2025, por determinação do Conselho Nacional de Política Energética. O agro, pelo etanol ou sua adição à gasolina, contribui também à melhoria da qualidade do ar nas aglomerações urbanas brasileiras.

    Outro combustível renovável produzido pela agricultura é o biodiesel em uso nos ônibus, tratores e utilitários. As matérias-primas mais usadas são óleo de soja (80%), gordura animal (sobretudo sebo bovino) e, em menor escala, outras oleaginosas (girassol, algodão, mamona e dendê) e óleos residuais.

    O Brasil é um dos maiores produtores de biodiesel. Seu consumo crescente é favorecido pela adição deste combustível renovável ao diesel fóssil. Seu uso alcança todos os ônibus, caminhões, tratores e outros utilitários. A Lei Combustível do Futuro (5) ampliou a demanda. Em 2025, o teor de biodiesel passou para 15% no diesel e chegará a 25% até 2035. Isso exigirá um volume de óleo de soja 296% superior ao utilizado em 2023.

    Há 12 anos, a produção de biodiesel era de apenas 2,4 bilhões de litros. Em 2024, foram 9,3 bilhões de litros e alcançará 12,3 bilhões de litros em 2027. A capacidade de esmagar soja da indústria passará de 60 milhões de toneladas para 72 milhões em 2027. O processamento irá a mais de 11 mil toneladas/dia até 2027. Serão realizados investimentos de R$ 52,5 bilhões em novas usinas e esmagadoras de soja. Muitos não se dão conta desse papel do agro no desenvolvimento industrial e no transporte de massa e carga. E ainda falam contra soja e bois em seus ilógicos discursos ecológicos!

    Leia também: Segurança alimentar e o papel do agronegócio no projeto de desenvolvimento da esquerda

    Em 2023, biodiesel, licor preto e outros subprodutos da biomassa de uso energético agregaram 7,2% na matriz energética. Um valor superior, por exemplo, ao da participação do carvão mineral (4,4%).

    A eficiência da agropecuária moderna na produção de energia é enorme. Para produzir 32,7% da oferta interna de energia, o setor agropecuário consome apenas 5,0% na matriz energética. Essencialmente diesel e eletricidade. O consumo de energia da agricultura é inferior ao de qualquer outro setor da economia. Esses setores não geram quase nada de energia e têm um consumo bem superior ao da agropecuária. O transporte é o maior consumidor de energia: 33,0% da matriz. A indústria consome 31,8%. Residências alcançam 10,7% e serviços 5,1%. Até o setor energético tem consumo superior ao da agricultura, para gerar e distribuir energia: 8,8%. Dados são do Balanço Energético Nacional (BEN) 2024.

    O papel do agro nas discussões sobre energia e clima

    Com a COP30 no horizonte, enquanto segue a crise energética e a queda brutal na venda de carros elétricos na Europa, a produção de etanol e biodiesel avança no Brasil com os carros híbridos e o hidrogênio verde. Em médio prazo crescerá a participação da agropecuária na produção de combustível limpo de aviação, o SAF (Sustainable Aviation Fuel). Óleos vegetais como o de soja estarão na produção de SAF e diesel verde (HVO). Esse mercado de 1,1 bilhão de dólares deverá chegar a 16,8 bilhões em 2030.

    A sociedade brasileira começa a descobrir essa dimensão da agricultura: gerar energia, além de produzir alimentos e fibras. A agricultura e o setor florestal são máquinas movidas a energia solar, a não confundir com a energia fotovoltaica. A agropecuária brasileira na produção e reciclagem (economia circular) é exemplo de geração de energia limpa, verde e solar.

    O papel estratégico do agronegócio na produção de energia renovável, soma-se ao da produção de alimentos e fibras. E é ignorado e até combatido por ministros de Governo, dirigentes de órgãos públicos federais e ongs ambientalistas. Eles tratam o agro nacional de “ogronegócio”, “modelo da morte” e praticam uma política eugenista contra pequenos e médios produtores rurais na Amazônia, ausentes da COP 30.

    Comparado aos preços extorsivos dos hotéis, às denúncias de corrupção e irregularidades nas obras da COP 30, às suspeitas de fraude em licitações e contratos superfaturados, omitir o papel da agropecuária na posição exemplar do Brasil no uso de energias renováveis é bem pior. Excluir a agricultura e os agricultores não ajuda em nada no clima já pesado e poluído do evento.

    Evaristo de Miranda é agrônomo, com mestrado e doutorado em ecologia pela Universidade de Montpellier. Com mais de 1.400 publicações no Brasil e exterior, é autor de 56 livros, como “Tons de Verde – A Sustentabilidade da Agricultura Brasileira” (em português, inglês, árabe e mandarim). Pesquisador da Embrapa de 1980 a 2023, coordenou mais de 40 projetos e dirigiu três centros nacionais de pesquisa. Membro da Academia Nacional de Agricultura, foi eleito Agrônomo do Ano em 2021. Sua produção científica e artigos estão disponíveis no site: evaristodemiranda.com.br.

    Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.


    Notas

    1. Balanço Energético Nacional (BEN) 2024, ano base 2023, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

    2. Miranda, Evaristo. A sustentabilidade da energia. CNA Brasil.

    3. Subproduto do processo de tratamento químico da indústria de papel e celulose. A queima deste composto tem como objetivo gerar energia e recuperar as substâncias químicas. Fonte: Embrapa.

    4. ENERGIA: Carvão vegetal no Brasil e a produção de aço verde. Biomassa BR.

    5. Lei nº 14.993, de 8 de outubro de 2024.