O Escândalo Epstein: Chantagem e Pedofilia de Mãos Dadas – Antes de entrar nos detalhes sobre a crise política nas bases trumpistas relacionada com o escândalo Jeffrey Epstein, um pouco da história deste pedófilo e traficante sexual necessita ser resumida.
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Epstein foi acusado de criar uma rede de garotas menores, com a ajuda de jovens mulheres que as recrutavam, para forçá-las a ter relações sexuais com frequência de até três vezes por dia na sua mansão na Flórida. A cúmplice principal de Jeffrey é Ghislaine Maxwell, socialite inglesa, cujo pai Robert Maxwell os apresentou ao serviço secreto israelense, o Mossad. Robert Maxwell é suspeito de ter sido agente secreto triplo do MI6 (serviço de inteligência do Reino Unido), da KGB (serviço de inteligência soviético) e do Mossad.
Embora ainda existam muitos mistérios sobre todas as fontes da riqueza de Epstein, a revista Forbes revisou documentos dos processos criminais contra ele, materiais de uma investigação e dados financeiros para concluir que Epstein se tornou milionário como agente financeiro e através de truques para redução de impostos. Avaliada em cerca de 600 milhões de dólares, sua fortuna foi construída, principalmente, por agenciar transações financeiras de dois clientes bilionários: o dono das lojas Victoria’s Secret, Les Wexner, e o magnata de private equity, Leon Black. Wexner e Black foram responsáveis por mais de 75% dos ganhos de Epstein em cobranças pelos serviços financeiros prestados entre 2008 e 2019. A residência luxuosa de Epstein em Manhattan foi palco de inúmeras reuniões da elite política, artística, intelectual e financeira dos EUA e de diversos países ocidentais.
O jornal Miami Herald publicou uma série de matérias sobre o caso Epstein, descrevendo todas as acusações das vítimas, os processos criminais, e as investigações realizadas pelas polícias local e federal (Bureau de Investigações Federais, o famoso FBI) contra o casal (leia as reportagens em inglês aqui).
Não resta a menor dúvida que há grande quantidade de provas sobre os crimes cometidos por ambos, que levaram a condenações de 18 meses em 2008 e 22 anos em 2022, respectivamente para ele e Ghislaine. Jeffrey cumpriu 13 dos 18 meses em uma cela no Centro Penitenciário Metropolitano em Nova Iorque, onde faleceu como resultado de suicídio suspeito. Ela segue em uma prisão federal em Bryan, Texas.
A importância deste caso vai muito além do noticiário policial, porque este casal ao longo dos anos recrutou e organizou uma rede de bilionários, líderes políticos de vários países e seus puxa-sacos, para divertir-se em orgias sexuais com menores de idade na ilha Pequena São James, também conhecida como ilha Epstein, localizada próxima às Ilhas Virgens dos Estados Unidos, no mar do Caribe. Em outras palavras, a rede construída durante muitos anos por Epstein e Ghislaine serviu como instrumento de influência sobre parlamentares democratas e republicanos, ex-presidentes dos EUA, donos e representantes de grandes empresas para defender os interesses do sionismo israelense.
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Reportagens recentes indicam que o casal filmou, fotografou e gravou conversas e a participação dos convidados nas orgias como forma de chantageá-los quando e se fosse necessário para obter o seu apoio para políticas e ações do interesse dos sionistas. Epstein se constituiu então como membro atuante do lobby sionista que tem enorme poder nos EUA, fato indiscutível diante das décadas de financiamento a Israel pelos diferentes governos democratas ou republicanos.
A lista de nomes divulgada nas redes sociais e na mídia inclui gente muito famosa nas altas rodas da elite: Bill Clinton, Prince Andrew do Reino Unido, talvez Trump, os artistas Leonardo DiCaprio, Bruce Willis, Cameron Diaz, Cate Blanchett, Kevin Spacey, e Naomi Campbell (modelo inglesa). Alguns líderes empresariais, como Jes Staley, executivo do banco Barclays, e Jean-Luc Brunel, um agente de modelos francês suspeito de recrutar garotas para Epstein, também são relatados. Outros nomes da lista foram apagados e dão margem à especulação sobre suas identidades.
Nas últimas semanas, o tal escândalo Epstein ganhou manchetes e comentários críticos ao redor do mundo porque a Procuradora Geral dos Estados Unidos, Pam Bondi, a principal liderança do Ministério da Justiça, lançou um documento há cerca de um mês afirmando que a causa de morte de Epstein foi suicídio e que nenhum arquivo com os nomes dos líderes de vários países envolvidos no escândalo existiam, apesar da promessa de campanha feita pelo candidato Trump de que se eleito tornaria públicas as evidências existentes sobre Epstein. Bondi foi também uma das mais barulhentas vozes clamando pela transparência sobre o caso Epstein antes e depois de tornar-se Procuradora Geral. Bondi foi Procuradora Geral da Flórida após a condenação de Epstein por prostituição pelas autoridades de Palm Beach, que o liberaram da prisão em 2009 para trabalhar, treze meses depois da detenção.
Há suspeitas de que o nome do presidente Donald Trump apareça em documentos reunidos durante os julgamentos de Epstein, além de fotos mostrando o presidente e Epstein sorrindo e sólidas comprovações de que ele viajou no jato particular de Epstein quando ambos eram amigos nos anos 1990. Trump nega que o visitou na ilha Epstein e que nada fez de errado. Além disso, afirmou que expulsou Epstein da sua residência em Mar-a-Lago porque ele dava em cima das massagistas e abusava da hospitalidade. Em uma entrevista recente na Casa Branca, disse aos repórteres que a publicidade sobre o caso Epstein tratava-se de mais uma armação dos democratas contra ele, quando o seu governo teve os mais bem-sucedidos seis meses na história dos Estados Unidos.
Como “onde tem fumaça tem fogo”, esse escândalo tem gerado descontentamento e oposição por apoiadores importantes de Trump, como Tucker Carlson, um libertário conservador com grande influência na mídia alternativa, que afirmou em entrevista recente:
“O fato de que o governo dos EUA, aquele no qual eu votei, recusou-se a responder a minha pergunta [sobre Epstein] com seriedade, e em vez disso respondeu ’caso encerrado; cale-se, teórico da conspiração’ foi demais para mim. E eu não acho que o resto de nós deve ficar satisfeito com isso.”
Além de Carlson, a influenciadora de redes sociais, Candace Owens, não tem dado trégua a Trump em seus podcasts. Ela perguntou em um deles:
“Onde estão os meus fracos companheiros? Porque Trump nos chamou disto ontem, certo? Ele também disse durante uma conferência de imprensa que nós somos ‘estúpidos’ por ainda querer saber sobre os arquivos sobre Epstein.”
Candace é um bom exemplo de uma “MAGA” de primeira hora que desconfia das intenções de Trump em proteger alguém, talvez ele mesmo ou sua família. Aliás, ela acusou Trump de querer enganar o público e seus apoiadores e considera o escândalo como um câncer terminal para o movimento MAGA (Make America Great Again).
O escândalo Epstein é um caso exemplar da corrupção moral e hipocrisia de grande parte das celebridades e lideranças políticas dos Estados Unidos, particularmente em Nova Iorque, onde a chamada “high society” desfila sua riqueza e impunidade aos quatro cantos e mente descaradamente sobre suas convicções e conspirações. O que de fato fazem e pensam de noite não é revelado de dia. Afinal de contas, como pôde Epstein tornar-se milionário em poucas décadas quando era um professor da escola privada Dalton, em Nova Iorque, em 1976, sem ter sequer diploma de curso superior? Como conseguiu acesso a tanta gente famosa sem ter sido parte de família da grande burguesia da costa leste dos EUA?
Por outro lado, o escândalo evidencia muito bem como o sionismo utiliza a chantagem como arma para obter consentimento para as políticas genocidas adotadas por Israel, sempre apoiadas pelos EUA. Segundo o autor Ari Ben-Menashe, ex-agente do Mossad e homem de negócios de Israel, Epstein criou uma armadilha baseada em bacanais e relações sexuais para obter informações e chantagear políticos e celebridades (em inglês se chama honey trap) e para colaborar ou espionar para o Mossad. O escândalo reflete de maneira nítida as tramas e tramóias de Trump para tentar recuperar o poder dos EUA como império, agora em sua fase decadente, embora a decadência se torne pouco a pouco visível a olho nu mesmo para aqueles que acreditam na demagogia do seu líder mafioso.
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Segundo importantes analistas políticos de vários matizes, a base trumpista MAGA desconfia com razão de Trump, que continua o seu estelionato eleitoral prometendo que se chocaria de frente com a elite do grande capital financeiro. Na prática, Trump atacou durante a campanha os setores do capital financeiro que apoiaram Biden e suas guerras, mas sempre escondeu que foi sócio ou amigo de outros setores do grande capital financeiro que apoiam os republicanos. Depois de eleito, ficou claro que as Big Techs, os sionistas, e a indústria bélica andam lado a lado com ele. Cada vez mais, a mentira muito bem guardada se junta ao descontentamento com a continuidade da guerra na Ucrânia, com o apoio ao genocídio na Palestina e ameaças de novas guerras, com a inflação e recessão que bate na porta da maioria da população, com os cortes em programas sociais benéficos para o andar de baixo da sociedade, com a perseguição estilo Gestapo a imigrantes, para aprofundar a divisão entre os MAGA convictos e outros simpatizantes de Trump.
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Talvez o escândalo Epstein não seja o câncer terminal sugerido por Owens, mas, sem dúvida, a empolgação e o entusiasmo com Trump diminui rapidamente e talvez seja caminho sem volta para muitos. Embora se saiba que os trumpistas aceitam o fato de que ele pode ter tido sexo com menores, que pode ter sido também vítima de chantagem, existe resistência contra a não divulgação da lista. Caso todos os nomes sejam divulgados, muita coisa ruim pode vir à tona e comprometer o presidente até o pescoço. Por exemplo, até quando os chamados cristãos evangélicos justificarão e aceitarão o vínculo passado de Trump com pedófilos? Até quando os latinos conservadores que votaram em Trump aceitarão a associação dele com pedófilos e a repressão indiscriminada aos seus amigos, vizinhos e parentes? Se tudo estivesse indo bem no bolso desses grupos, talvez fizessem vista grossa sobre este descalabro, mas fica difícil dar colher de chá a um presidente que prometeu mundos e fundos, mas parece estar com problemas mentais ao atacar quase todos os países com tarifas, até mesmo os vizinhos México e Canadá, e atacar governadores e prefeitos em vários estados.
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Se é correto afirmar que um escândalo como o de Epstein, por si só, não muda a correlação de forças entre os diferentes grupos que apoiam e se opõem a Trump, é certo que se tornou um peso negativo importante nas hostes trumpistas e munição para desgastá-las e isolá-las entre os eleitores independentes e entre aqueles que mudaram seu voto acreditando ingenuamente no discurso mudancista que dizia querer “Fazer a América Grande Novamente”. Se a ruptura entre as bases e os líderes trumpistas continuar na velocidade que teve até agora, aumenta muito a probabilidade do fracasso da sua administração a médio prazo.
A significativa vitória de Zohran Mamdani, membro dos democratas socialistas, nas eleições primárias do partido democrata para prefeito de Nova Iorque sinaliza que na maior cidade dos EUA, onde residiam Trump e Epstein, já há significativo apoio para candidatos de esquerda com plataforma progressista. O desgaste de Trump na cidade tradicionalmente democrata cresceu rapidamente e o escândalo Epstein contribui para enfraquecer o presidente ainda mais. Mamdani fez campanha propondo congelamento de aluguéis, transporte gratuito, criação de refeitórios populares, aumento de impostos para milionários, etc. Esta cidade já teve um prefeito que se dizia socialista, Fiorello LaGuardia de 1934 a 1946; um deputado federal socialista, Vito Marcantonio de 1935 a 1937 e de 1945 a 1954; e um vereador comunista, Ben Davis, entre 1942 e 1948. Nada garante que Mamdani será eleito prefeito nas eleições de novembro, mas não será surpresa se ganhar. Afinal de contas, Nova Iorque tem tradição de vanguardear grandes movimentos populares no país!!!
Eduardo Siqueira é professor na Universidade de Massachusetts, Boston, EUA e pesquisador do Observatório Internacional da FMG.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.