Organizar uma classe trabalhadora fragilizada e fragmentada é um dos desafios centrais para promover mudanças estruturais no Brasil, defende José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras (2005-2012) e professor titular licenciado da Universidade Federal da Bahia no terceiro encontro do Ciclo de Debates para o 16º Congresso do PCdoB realizado em Salvador (BA) na segunda-feira (12).
Gabrielli aponta que houve uma redução significativa da vanguarda da classe operária, a exemplo de categorias importantes como bancários e metalúrgicos que “reduziram de forma dramática o seu tamanho”, assim como os trabalhadores de fábricas, de uma forma geral.

José Sérgio Gabrielli (centro), ex-presidente da Petrobrás. Foto: Lorena Francine
“A vanguarda da classe operária se reduz. Você tem um crescimento dos trabalhadores em educação, na saúde, em segurança, vigilantes, e, portanto, você passa a ter uma mudança muito profunda da classe trabalhadora brasileira. E esse processo se dá, por incrível que pareça, com um governo que tem na sua direção principal o Partido dos Trabalhadores, que são os governos Lula e Dilma. Esse processo de alteração estrutural da classe trabalhadora ocorre com a ausência de formulações de projetos nacionais”, aponta.
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O ex-presidente da Petrobras considera que, nos 12 anos de governos Lula e Dilma (2003 – 2014), houve uma valorização crescente das políticas setoriais e uma perda de significado das políticas globais de transformação.
“O PCdoB tem razão em cobrar a ausência das reformas estruturais. As reformas estruturais saíram do horizonte e nós passamos a falar muito mais em Bolsa Família, no Minha Casa Minha Vida, no Luz para Todos, no ProUni, uma série de políticas importantes, mas que são políticas setoriais. O projeto nacional desaparece, o projeto de transformação da sociedade desaparece e, portanto, nós temos que recompor isso nesse momento”, afirmou.
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Reconquistar a classe trabalhadora

Diogo Santos, economista do BNDES. Foto: Lorena Francine
Economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES), Diogo Santos considera que houve um esgotamento do ciclo de políticas realizadas no país ao longo dos anos 2000, que não apresentam a possibilidade de novas conquistas para o povo brasileiro. Nesse sentido, ele defende que a classe trabalhadora brasileira multifacetada — composta por jovens, mulheres, população periférica e setores da classe média — deve ser a protagonista da transformação que o país precisa.
“Falta dos partidos, da parte consciente da classe trabalhadora, fazer com que esse projeto nacional de desenvolvimento expresse e reflita, coloque em primeiro lugar os anseios dessa classe trabalhadora brasileira”, defendeu o economista.
Esses anseios estão ligados às condições de vida da classe trabalhadora e envolvem educação, saúde, mobilidade e saneamento, “coisas que transformam a realidade do povo brasileiro”, destaca Santos.
“É esse projeto que vai transformar sua vida. Desenvolvimento não é um fim, é um meio pra gente transformar a vida das pessoas. Nós temos que inverter essa conta: colocar a transformação das condições de vida da população brasileira como motor do desenvolvimento, como locomotiva.”, defende o economista.
Mudanças estruturais para o Brasil

Adalberto Monteiro, Adalberto Monteiro, secretário Nacional de Formação do PCdoB. Foto: Lorena Francine
A mesa “Mudanças estruturais para o Brasil do século XXI” debateu caminhos de um novo projeto nacional de desenvolvimento, enfrentando o rentismo, a dependência econômica e o esvaziamento do Estado a partir do Projeto de Resolução Política do 16º Congresso do PCdoB, que traz a visão do partido sobre os rumos do Brasil e do mundo.
Relator desse projeto de resolução, Adalberto Monteiro, secretário nacional de Formação do PCdoB, destacou que o partido atribui às mudanças estruturais “um sentido de urgência”, devido ao impacto de ciclos regressivos — golpe militar (1964-1985), Consenso de Washington (década de 1990) e golpe parlamentar (2016-2022) — que “agravaram um conjunto de deformações e obstáculos que travam o desenvolvimento do Brasil”.
Da perspectiva internacional, a leitura feita pelo PCdoB e outras forças de esquerda é que a realidade multipolar já tomou forma, diante do declínio do imperialismo estadunidense, quadro que abre uma janela de oportunidade para o desenvolvimento de projetos nacionais autônomos em países do Sul Global.
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“É preciso aproveitar essa situação, é preciso mobilizar o povo. Correlação de forças não se altera sem que o povo abrace esse projeto como seu. Tem que alterar a correlação de forças no Congresso e na sociedade”, defende Adalberto Monteiro.
A partir do texto Um século de lutas, de Renato Rabelo, Monteiro destaca como uma das principais metas para o projeto nacional brasileiro é “quebrar o monopólio exercido pelos países do centro do capitalismo”.
“É inadiável erguer alto a bandeira por reformas estruturais e democráticas”, defende Monteiro. “Essa luta não irá se realizar à margem do governo Lula ou do objetivo tático de vencer as eleições de 2026. É evidente que uma nova vitória em 2026 criará melhores condições para esse projeto das mudanças estruturais.”
Como financiar o desenvolvimento?

Aloísio Sérgio Barroso, diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois. Foto: Lorena Francine
O médico e economista Aloísio Sérgio Barroso, diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois, trouxe para o debate a discussão a possibilidade de uma reforma do sistema financeiro atual de forma a financiar o desenvolvimento e as mudanças estruturais para o país:
“O novo projeto nacional de desenvolvimento que está incrustado no programa socialista é o que tem de mais avançado no debate sobre a questão nacional.”
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A partir do debate sobre o financiamento do desenvolvimento, Barroso aponta um dos problemas centrais: a questão do câmbio, devido à sua influência direta nos juros.
“Quem dita o câmbio no Brasil é o mercado e o Banco Central está submetido a essas regras”, diz Barroso. Ele defende que o sistema financeiro chinês deve ser uma referência para essa discussão:
“A inteligência com que os chineses estão trabalhando o sistema financeiro é um negócio. O sistema financeiro chinês é público, o privado é periférico, não joga papel nenhum no investimento, em que quatro bancos são peças chaves para definir onde vai investir.”
Controle da conta de capitais continua sendo chave para financiar a produção, não se faz política industrial com conta de capital aberta.
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Barroso aponta que as medidas adotadas a partir dos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro (2016-2022), como a reforma trabalhista, o teto de gastos e a autonomia do Banco Central, fazem parte de uma estratégia montada “para que o Brasil se transformasse num verdadeiro celeiro de grandes gestoras de fundos internacionais e nacionais” muitas vezes associados ao financiamento do agronegócio.
Esses fundos, como BlackRock e Vanguard, são a face mais atual do processo de liberalização e desregulamentação financeira implementada a partir da expansão do neoliberalismo aos países do Sul Global.
Assista ao debate completo:
Partido Comunista e a Luta Socialista no Século XXI
A próxima etapa do Ciclo de Debates será em Porto Alegre (RS), dia 18 de agosto, às 18h, com a mesa Partido Comunista e a Luta Socialista no Século XXI. Estarão no centro do debate temas como acumulação de forças em fase de resistência; experiências de partidos comunistas; identidade comunista; a questão soberana e o trabalho como centralidades estratégicas.
O debate terá a participação de Ricardo Alemão, diretor de Assuntos Internacionais da Fundação Maurício Grabois, Nádia Campeão, secretária nacional de organização do PCdoB, Carlos Lopes, vice-presidente nacional do PCdoB e Nivaldo Santana, secretário sindical nacional do PCdoB.
Como participar
A inscrição é gratuita e deve ser feita na página do Ciclo de Debates. Para aqueles que não puderem comparecer presencialmente, o debate terá transmissão ao vivo pela TV Grabois. Quer receber nossos conteúdos e informações sobre eventos? Assine a Newsletter da Fundação Maurício Grabois.
Partido Comunista e a Luta Socialista no Século XXI
Endereço: Aiamu – R. dos Andradas, 1234 – Centro Histórico, Porto Alegre – RS
Participantes: Ricardo Abreu, Nádia Campeão, Carlos Lopes, Nivaldo Santana
Mediação e coordenação organizacional: Raul Carrion