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    Comunicação

    Jornal Movimento, vanguarda da luta pela democracia

    Entre censura e clandestinidade, semanário se tornou símbolo de coragem, crítica e esperança no fim da ditadura, uma voz coletiva pela democracia entre 1975 e 1981

    POR: Carlos Azevedo

    5 min de leitura

    Edição nº 217 do Jornal Movimento, de 27 de agosto de 1978, expôs como a ditadura fazia desaparecer os mortos da tortura. Crédito: Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira / Reprodução
    Edição nº 217 do Jornal Movimento, de 27 de agosto de 1978, expôs como a ditadura fazia desaparecer os mortos da tortura. Crédito: Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira / Reprodução

    Quarenta anos depois da batalha de Waterloo, o escritor Victor Hugo visitou as ruínas. Contou:

    “A tormenta do combate ainda está aqui nessa praça; o horror ainda é visível; a convulsão das escaramuças está aqui petrificada; isso vive, isso morre, foi ontem. As paredes agonizam, as pedras tombam, as brechas gritam; os buracos são feridas; as árvores curvadas e arrepiadas parecem fazer força para fugir.” (Os Miseráveis)

    Eu lembrei dessa passagem quando fui escrever o livro Jornal Movimento uma reportagem. É que ao repassar a coleção de 343 edições revivi o calor das batalhas que a equipe enfrentou durante seis anos e meio. A cada semana eram matérias candentes levando ao público as informações e propostas que nenhum outro veículo, jornal, revista, TV ou rádio publicava, por omissão ou por cumplicidade com o regime militar.

    Livro Jornal Movimento uma reportagem, de Carlos Azevedo, com reportagem de Marina Amaral e Natalia Viana. Foto: Carlos Azevedo

    E tudo estava lá, em cada edição. Ainda que cruelmente submetido à censura prévia por três anos, assim mesmo muita informação, em textos e ilustrações de alta qualidade, passava. Não se pode impedir o sol de nascer. Assim era o Movimento, imbatível.

    Essa força se devia a vários fatores:

    1. Não tinha patrão. Era um projeto coletivo, construído com o apoio de 400 acionistas e mantido com a venda de assinaturas e em banca. Não tinha publicidade.
    2. Um caso raro, tinha um programa jornalístico definido: pelas liberdades democráticas; pela melhoria da qualidade de vida da população; contra a exploração do país por capitais estrangeiros; pela divulgação da cultura popular; pela defesa dos recursos naturais.

    Seu lema era “não basta retratar a sociedade, é preciso transformá-la”.

    E Movimento cumpriu suas propostas a cada semana, a cada reportagem, a cada artigo, a cada ilustração.

    Essa equipe valorosa enfrentou a mais dura forma de censura, a censura prévia, que destruía sistematicamente importantes matérias, mas nunca recuou. Fazia novas matérias para preencher o que fora vetado ou cortado. Às vezes chegava a produzir material para três jornais dentro de uma semana, para conseguir publicar uma edição.

    Leia mais: 

    Memória da ditadura e da Anistia desmonta falácia dos novos golpistas
    Marx, Lênin, Gramsci e a imprensa
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    Pôs a nu as crises e debilidades da ditadura, deu espaço para a cisão entre os militares, fez campanha e edição especial sobre a anistia. Propagou pelo país a proposta de uma Assembleia Nacional Constituinte em suas páginas e nas inúmeras palestras que seus principais jornalistas fizeram para trabalhadores e estudantes em diversas capitais. A edição especial sobre a Constituinte foi inteiramente proibida, mas a centelha já se espalhava pela campina.

    Revolucionário, foi vanguarda na luta pela democracia.

    E quando morreu todo mundo chorou.

    Intelectuais, religiosos, políticos se manifestaram. Alguns exemplos:

    Aguinaldo Silva, que foi seu colaborador, disse:

    “Durante muito tempo foi a única janela que se tinha para respirar!”

    Dom Adriano Hypólito, bispo de Nova Iguaçu:

    “Contribuiu para conservar viva a consciência da democracia.”

    Miguel Arraes:

    “Exemplo de resistência.”

    Lula:

    “Houve momentos em que Movimento foi o único respiradouro da sociedade civil na luta contra a tortura, contra o arbítrio, contra a corrupção.”

    Clarice Herzog:

    “O jornal era uma leitura necessária, eu estabeleci uma ligação emocional com Movimento.”

    Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia (MT):

    “Vamos sentir falta dessa mesa redonda semanal, que nos dava, com justeza quase sempre e por vezes de primeira mão, a real atualidade do Brasil e do exterior.”

    Leia a última edição do Jornal Movimento aqui ou acesse o acervo completo aqui.

    Nota da Redação

    O Centro MariAntonia da USP promove, no dia 10 de outubro de 2025, a comemoração dos 50 anos de fundação do Jornal Movimento. O evento é gratuito, aberto ao público, e terá a participação de Carlos Azevedo entre os palestrantes. Saiba mais.

    Carlos Azevedo é jornalista, integra o Grupo de Pesquisa da Fundação Maurício Grabois. Atuou em veículos como O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e Realidade e foi colaborador do Jornal Movimento. Trabalhou na TV Globo e TV Cultura, dirigiu programas políticos do PCdoB e foi editor-chefe das campanhas presidenciais de Lula em 1989 e 1994. É autor de livros como Cicatriz de Reportagem e Jornal Movimento, uma reportagem.

    Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.