O fato novo deste fim de semana é a retomada de vigor nas ruas pelo campo popular e progressista. No dia 7 de setembro, em São Paulo, a manifestação registrava mais uma vez a presença da velha guarda militante, aguerrida e generosa. Eram alguns poucos milhares, mas estavam lá, aplicando as lições de décadas de luta contra a ditadura: coerência, persistência e combatividade.
Duas semanas depois, neste domingo (21), a manifestação extravasou. Desta vez, a maioria era de jovens na Avenida Paulista. Desde as estações de metrô já se entoava espontaneamente “Sem Anistia!”. Na avenida, sem alto-falantes — e sem conseguir acompanhar as falas do único carro de som —, dezenas de milhares de ativistas não arredaram pé, nem mesmo com as primeiras chuvas da primavera.
Das ruas à disputa institucional: a força da indignação popular
Houve, em primeiro lugar, o sentimento de vitória pela condenação dos golpistas pelo STF no já histórico 11 de setembro. Um fato que altera efetivamente o jogo da disputa no país sob a bandeira do fim da impunidade, que acabou se associando com a da soberania nacional aviltada pelo consórcio Trump-Bolsonaro.
Mas houve também o estopim da indignação política com o cambalacho da Câmara dos Deputados de pautar a urgência da “anistia” para os condenados pelo golpe. Deram como moeda de troca a PEC da blindagem dos parlamentares e o voto secreto para decidir se podem ser processados, abrindo um novo ciclo de impunidade para crimes praticados por representantes eleitos e convidando o crime organizado a se fortalecer no aparelho de Estado.
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A indignação política é um combustível poderoso para as ruas e as redes. Desde os ensaios de 2013, ela esteve sob o impulso da farsa da “antipolítica”. Agora retorna ao seu endereço oficial: o campo das lutas dos trabalhadores e do povo. Isso indica que a sociedade não está anestesiada — e que a esperteza, quando é muita, acaba devorando o dono, como pode acontecer com Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados.
Esse é o dado relevante: um novo cenário de disputa. Reitera-se o aprendizado histórico: não há como superar a atual situação do Brasil, sob o ataque neofascista de Trump, associado ao bolsonarismo, contra as instituições democráticas e a soberania nacional, sem a pressão social nas ruas e nas redes. Nem com a força apenas de governos progressistas e do STF.
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Das ruas à disputa institucional: a força da indignação popular
Entende-se então que essa não é uma luta exclusiva no palco da política institucional. O que explica o comportamento da sociedade não é só a polarização política, mas também o profundo mal-estar social que atinge extensas camadas da população. São dois fenômenos associados, ainda que não perfeitamente alinhados nos mesmos blocos sociais, que criam um desarranjo profundo, afetam a sociabilidade e dificultam a mobilização.
Quando as pessoas “não sabem para onde estão indo”, imersas em uma situação social precária e sem mobilidade ascendente, ficam sem horizonte e impotentes. Nem mesmo os evidentes bons índices econômicos e sociais do governo conquistam apoio majoritário. É isso, e não apenas a polarização, que explica as pesquisas.
Bem vistas as coisas, vive-se uma crise política e institucional latente no país — um obstáculo poderoso ao desenvolvimento e à melhoria da vida das pessoas. Para superá-la progressivamente e impedir que se transforme na farsa neofascista da antipolítica, é preciso ter um olho no peixe e outro no gato. É preciso despertar a indignação política também quanto às exigências de melhores condições de vida, transformá-la em força de reivindicação junto ao Congresso e ao governo, impulsionando-o com autonomia.
Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.