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    América Latina

    Elogio de Trump a Lula é derrota do bolsonarismo, mas 2026 exige projeto nacional

    Momento de prestígio internacional não resolve dilema interno: sem agenda consistente, extrema-direita pode se reerguer

    POR: Elias Jabbour

    5 min de leitura

    Lula discursa na abertura do Debate Geral da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em 23/09/2025. Foto: Ricardo Stuckert / PR
    Lula discursa na abertura do Debate Geral da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em 23/09/2025. Foto: Ricardo Stuckert / PR

     

    O discurso de abertura da 80ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) feito pelo presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva gerou grande repercussão dentro e fora do Brasil.

    Lula já é um veterano, abriu o encontro em 11 ocasiões. Ele sempre acumula muitos assuntos internacionais relevantes para abordar com uma fala muito contundente, como foi a desta segunda-feira (23), em Nova York, Estados Unidos.

    Sobre o genocídio em Gaza, disse que povo palestino corre o risco de desaparecer e que o massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo. Citou a Venezuela como país onde “a via do diálogo não deve estar fechada”, criticou que Cuba seja listada como país que patrocina terrorismo. Reafirmou que “não haverá solução militar” para o conflito na Ucrânia.

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    Não falou as palavras “tarifas” e “Trump”, mas deu os recados. Alertou que atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando a regra e reforçou que a democracia e a soberania brasileira são inegociáveis.

    Apesar das duras críticas dirigidas ao governo dos Estados Unidos, a reação do presidente Donald Trump foi surpreendente. Elogiou Lula como um grande líder e anunciou uma reunião entre os dois. Trump disse que teve “uma química excelente” com o presidente brasileiro, “que pareceu um cara muito agradável”.

    A firmeza de Lula passou uma mensagem clara: não tem essa mais de um Estado decidir sozinho, impor sanções e agir como se bastasse falar que vai fazer e acabou. Isso certamente impressionou Trump, típico líder comerciante que aprecia a vassalagem, mas não aceita ser vassalo.

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    Para o presidente dos Estados Unidos, Jair Bolsonaro é um personagem, tanto que nunca veio ao Brasil. Já Lula é uma figura irresistível nesse ponto de vista, pois sua contundência é, muitas vezes, apaixonante. Trump percebe que com o Lula não tem como lutar uma batalha de longa duração, porque não se isola um país como o Brasil com tanta tranquilidade.

    Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da América, aguarda atrás do Salão Nobre da Assembleia Geral para discursar no debate geral da octogésima sessão da Assembleia Geral. Na tela, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República Federativa do Brasil. Crédito: UN Photo/Mark Garten

    Donald Trump, presidente dos EUA, assiste ao discurso do presidente Lula enquanto aguarda para falar no debate geral da 80ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, 23/09/2025. Crédito: UN Photo/Mark Garten

    Durante seu discurso na ONU, Trump citou o encontro de segundos com presidente brasileiro que havia acabado de acontecer:

    “Eu o vi, ele me viu, e nos abraçamos. Na verdade, concordamos que nos encontraríamos na semana que vem.”

    Esse sincericídio de Trump no meio de uma fala acompanhada por todo o globo é uma derrota razoável para o campo bolsonarista — que se apressou em tentar justificar, dizendo que foi tudo calculado.

    Não teve cálculo, até porque não interessa para o Trump cálculos científicos e políticos, seu interesse é o caos como instrumento de governança.

    A fala de Trump sobre o Lula é funcional ao caos americano, na medida em que ele subverte a expectativa dos bolsonaristas e faz um aceno ao Lula. É uma derrota aos defensores do ex-presidente brasileiro. Até porque, Bolsonaro nunca foi tratado da mesma forma por Trump, muito pelo contrário. Basta lembrar que um encontro similar ocorreu em 2019. O presidente era Bolsonaro que, ao cruzar com seu homólogo norte-americano depois da fala na ONU, disse: “Trump, I love you”, sem ser retribuído.

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    Apesar desse discurso representar um momento exitoso para o Brasil, eu considero que essas falas sobre soberania e democracia precisam ser mais consequentes. Nós ainda podemos criar condições para que a história absolva Bolsonaro. Isso vai acontecer se nós não formos capazes de entregar um projeto nacional de desenvolvimento ao país.

    Se não formos para as próximas eleições com uma agenda orientando o país para um projeto nacional como um grande guarda-chuva que envolva a reindustrialização do Brasil, nós podemos ressuscitar Bolsonaro. O futuro da extrema direita está em nossas mãos. A Assembleia Geral da ONU foi ótima, mas temos que ter o olhar estratégico que é a construção de um projeto nacional capaz de renovar as esperanças do Brasil em si mesmo.

    Elias Jabbour é professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, foi consultor-sênior do Novo Banco de Desenvolvimento (Banco dos BRICS) e é presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos. É autor, pela Boitempo, com Alberto Gabriele de “China: o socialismo do século XXI”. Vencedor do Special Book Award of China 2022.

    Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

    Assista ao comentário de Elias Jabbour na TV Grabois:

    No programa Conexão Sul Global, Ana Prestes avalia a participação brasileira na 80ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Confira: