O certificado de óbito de mais 102 vítimas da ditadura militar (1964-1985) foi retificado pelo governo brasileiro e 63 foram entregues nesta quarta-feira (8), na Faculdade de Direito da USP no Largo São Francisco, em São Paulo (SP).
O ex-deputado Rubens Paiva (PSB), o jornalista Vladimir Herzog, Carlos Marighella (ALN) e os guerrilheiros do Araguaia Ângelo Arroyo, André Grabois e Helenira Resende (PCdoB) estão na lista de cidadãos que tiveram suas certidões de óbito retificadas. Os novos documentos reconhecem a “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política pelo regime instaurado em 1964.”
Leia também:
Memória da ditadura e da Anistia desmonta falácia dos novos golpistas
Verdade e justiça para Carlos Danielli e demais mortos pela ditadura militar
Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), destacou que essas palavras corrigem distorções de várias naturezas, utilizadas pela repressão para ocultar os crimes cometidos por agentes do Estado naquele período, como mortes por suicídio, ou acidentes forjados. Para a presidente da CEMDP, as atuais certidões de óbito entregues no ato representam uma tentativa de se fazer o caminho contrário ao do desaparecimento:
“Para muito além de representarem o reconhecimento formal da verdade histórica e da responsabilidade do país pela violência infligida por terrorismo de Estado, eles podem representar um passo fundamental em um longo caminho de cura emocional, de reencontro com a memória, simbolizando, quem sabe, uma forma de reparação para as vidas, muitas tão jovens, interrompidas pela perseguição política durante a ditadura militar apenas porque essas pessoas lutavam por um país mais justo.”
A ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, afirmou que a retificação das certidões de óbito representa “a garantia de um direito que vem tardio, mas que só veio com luta dos sobreviventes e dos familiares de vítimas da ditadura no país” e classificou esse dia como “central para a reconstrução da memória de todos e todas aquelas que lutaram pelo que hoje temos de democracia, que tantas vezes foi ameaçada no nosso país, mas sobrevive”.
“Beiramos o autoritarismo novamente em 2022, ao fim do último governo, mas mostramos como a luta não foi e não é vã. Nossa democracia forte e soberana resistiu e resistirá. Hoje aqui estamos reforçando que temos memória e honramos aqueles que vieram antes de nós”, ressaltou a ministra.
Leia mais: Do golpe de 1964 aos desafios de 2025 – a memória que não se apaga
A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bianca Borges, relembrou que a organização estudantil foi perseguida, invadida e criminalizada.
“No dia 1º de abril de 1964, a sede dos estudantes na Praia do Flamengo no Rio de Janeiro foi incendiada pela ditadura militar, e nosso presidente, Honestino Guimarães foi assassinado em 1973 depois de anos de perseguição, mas a nossa entidade nunca deixou de existir.”

Bianca Borges (dir.), presidente da UNE, discursa na Faculdade de Direito da USP. Foto: Carol Beraldo
Borges destacou que cada nome lido durante a cerimônia de entrega das certidões de óbito representa “um grito que atravessou décadas de silêncio” e a entrega desses documentos aos familiares das vítimas reafirma que “a história não pode ser escrita pelos nossos algozes”.
“Nós não nos calaremos, não consentiremos. Pronunciar os nomes, retificar os registros, é arrancar do silêncio a verdade que tentaram esconder. Mas esse ato é um chamado também às novas gerações, porque o autoritarismo nunca se resigna. Ele se reinventa. Sessenta anos depois, ainda enfrentamos tentativas de apagar a história e subverter a verdade”, disse em referência à extrema direita bolsonarista.
“Os mesmos que atentaram contra a democracia em 8 de janeiro agora levantam a bandeira da anistia, mas não há reconciliação possível sem justiça. Por isso nós dizemos: sem anistia pros golpistas de ontem e de hoje, porque cada vez que o Brasil perdoa quem atenta contra a democracia ele condena o futuro a reviver as mesmas feridas”, destacou a presidente da UNE.
Vera Paiva, irmã do ex-deputado Rubens Paiva, destacou que memória, verdade, justiça e reparação articulam o trabalho da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos da qual sua mãe, Eunice, fez parte e onde, atualmente, representa a sociedade civil, desde que indicada pela presidenta Dilma. Vera reforçou:
“Seguimos como familiares na comissão na busca de corpos que nunca foram entregues às famílias, com base em testemunhos, sustentados na memória de quem viu, em pistas e documentos que permitam chegar a remanescentes para que se recomponha a verdade.”
Militantes comunistas entre as vítimas reconhecidas
Na lista de certificados entregues nesta quarta-feira, 11 nomes são ligados ao PCdoB: Antônio Guilherme Ribeiro Ribas, André Grabois, Ângelo Arroyo, Carlos Nicolau Danielli, Helenira Resende de Souza Nazareth, Lúcio Petit da Silva, Luisa Augusta Garlippe, Manoel José Nurchis, Maria Lúcia Petit da Silva, Suely Yumiko Kanayama e Solange Lourenço Gomes, esta última ligada ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), que se tornou o Partido Pátria Livre (PPL), incorporado ao PCdoB em 2019.
Na primeira lista de documentos entregues pela CEMDP na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, no dia 28 de agosto, nove nomes eram ligados ao partido: Adriano Fonseca Filho, Ciro Flávio Salazar de Oliveira, Idalísio Soares Aranha Filho, João Batista Franco Drummond, Oswaldo Orlando da Costa (Oswaldão), Paulo Costa Ribeiro Bastos, Paulo Roberto Pereira Marques, Pedro Alexandrino Oliveira Filho, Walkíria Afonso Costa.
Congresso do PCdoB presta tributo às vítimas da ditadura
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) homenageará no dia 17 de outubro, durante seu 16º Congresso, 101 militantes mortos e desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985), período em que o partido passou para a clandestinidade e entrou na luta armada contra o regime autoritário.
O levantamento inédito das vítimas do regime autoritário foi realizado pela Comissão Nacional de Memória e Justiça do partido, criada em 2025, em parceria com o Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois. Além dos mortos e desaparecidos do PCdoB, esse levantamento também considerou as vítimas ligadas ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), que originou o PPL, partido que se incorporou ao PCdoB em 2019. Também foram incorporadas as mortes ocasionadas pelo latifúndio, mesmo após o fim do regime de exceção.
Confira as listas completas da CEMDP
Certidões retificadas em 08/10/2025
Alex de Paula Xavier Pereira
Alexander José Ibsen Voerões
Alexandre Vannucchi Leme
Ana Maria Nacinovic
Ana Rosa Kucinski Silva
André Grabois
Ângelo Arroyo
Antônio Benetazzo
Antônio dos Três Reis de Oliveira
Antônio Guilherme Ribeiro Ribas
Antônio Raymundo de Lucena
Antônio Sérgio de Mattos
Arno Preis
Aurora Maria Nascimento Furtado
Carlos Marighella
Carlos Nicolau Danielli
Catarina Helena Abi-Eçab
Dênis Casemiro – VPR
Devanir José de Carvalho
Dorival Ferreira
Edgar de Aquino Duarte
Eduardo Collen Leite
Emmanuel Bezerra dos Santos
Feliciano Eugenio Neto
Fernando Borges de Paula Ferreira
Flavio Carvalho Molina
Francisco Emanuel Penteado
Francisco José de Oliveira
Francisco Seiko Okama
Frederico Eduardo Mayr
Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão
Gelson Reicher
Grenaldo de Jesus Silva
Helenira Resende de Souza Nazareth
Heleny Ferreira Telles Guariba
Hiram de Lima Pereira
Hirohaki Torigoe
Iêda Santos Delgado
Issami Nakamura Okano
Iuri Xavier Pereira
Izis Dias de Oliveira
Jaime Petit da Silva
João Antônio Santos Abi-Eçab
João Carlos Cavalcanti Reis
João Domingos da Silva
Joaquim Alencar de Seixas
Joaquim Câmara Ferreira
José Ferreira de Almeida
José Guimarães
José Idésio Brianezi
José Lavecchia
José Maria Ferreira de Araújo
José Maximino de Andrade Netto
José Milton Barbosa
José Montenegro de Lima
José Roberto Arantes de Almeida
José Roman
José Wilson Lessa Sabbag
Lauriberto José Reyes
Lúcio Petit da Silva
Luisa Augusta Garlippe
Luiz Almeida Araújo
Luiz Eduardo da Rocha Merlino
Luiz Eurico Tejera Lisbôa
Luiz Fogaça Balboni
Luiz Hirata
Luiz José da Cunha
Manoel Fiel Filho
Manoel José Mendes Nunes Abreu
Manoel José Nurchis
Manoel Lisbôa de Moura
Márcio Beck Machado
Marco Antônio Dias Baptista
Marcos Antônio Bráz de Carvalho
Marcos Nonato da Fonseca
Maria Augusta Thomaz
Maria Lúcia Petit da Silva
Miguel Sabat Nuet
Neide Alves dos Santos
Nestor Vera
Norberto Nehring
Olavo Hanssen
Onofre Pinto
Paulo Guerra Tavares
Paulo Stuart Wright
Raimundo Eduardo da Silva
Roberto Cietto
Roberto Macarini
Ronaldo Mouth Queiroz
Rubens Beyrodt Paiva
Rui Osvaldo Aguiar Pfützenreuter
Ruy Carlos Vieira Berbert
Santo Dias da Silva
Solange Lourenço Gomes
Sônia Maria de Moraes Angel Jones
Suely Yumiko Kanayama
Virgílio Gomes da Silva
Vitor Carlos Ramos
Vladimir Herzog
Walter de Souza Ribeiro
Yoshitane Fujimori
Zoé Lucas de Brito Filho
Certidões retificadas em 28/08/2025
Abelardo Rausch de Alcântara
Adriano Fonseca Filho
Alberto Aleixo
Aldo de Sá Brito Souza Neto
Alvino Ferreira Felipe
Antônio Carlos Bicalho Lana
Antônio dos Três Reis de Oliveira
Antônio Joaquim de Souza Machado
Antônio José dos Reis
Arnaldo Cardoso Rocha
Augusto Soares da Cunha
Áurea Eliza Pereira
Benedito Gonçalves
Carlos Alberto Soares de Freitas
Carlos Antunes da Silva
Carlos Schirmer
Ciro Flávio Salazar de Oliveira
David de Souza Meira
Devanir José de Carvalho
Eduardo Antônio da Fonseca
Eduardo Collen Leite
Feliciano Eugenio Neto
Flávio Ferreira da Silva
Geraldo Bernardo da Silva
Geraldo da Rocha Gualberto
Getulio de Oliveira Cabral
Gildo Macedo Lacerda
Guido Leão
Helber José Gomes Goulart
Hélcio Pereira Fortes
Idalísio Soares Aranha Filho
Itair José Veloso
Ivan Mota Dias
João Batista Franco Drumond
João Bosco Penido Burnier
João de Carvalho Barros
João Lucas Alves
Joel José de Carvalho
José Carlos Novaes da Mata Machado
José Isabel do Nascimento
José Júlio de Araújo
José Maximino de Andrade Netto
José Toledo de Oliveira
Juares Guimarães de Brito
Lucimar Brandão Guimarães
Milton Soares de Castro
Nativo da Natividade de Oliveira
Nelson José de Almeida
Nestor Vera
Orocilio Martins Gonçalves
Oswaldo Orlando da Costa
Otávio Soares Ferreira da Cunha
Pascoal de Souza Lima
Paulo Costa Ribeiro Bastos
Paulo Roberto Pereira Marques
Pedro Alexandrino Oliveira Filho
Raimundo Eduardo da Silva
Raimundo Gonçalves de Figueiredo
Rodolfo de Carvalho Troiano
Sebastião Tomé da Silva
Zuleika Angel Jones
Walkíria Afonso Costa
Walter de Souza Ribeiro