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    Internacional

    Um povo de bravos: a Coreia que desafia o bloqueio e reafirma sua dignidade

    Construções modernas e pagamentos digitais mostram um país que evolui sob o socialismo e desafia o imaginário ocidental de isolamento. Confira relato da visita do PCdoB às comemorações dos 80 anos do Partido do Trabalho da Coreia

    POR: Walter Sorrentino

    13 min de leitura

    Apresentação artística no Estádio Primeiro de Maio, em Pyongyang, durante as comemorações dos 80 anos de fundação do Partido do Trabalho da Coreia. Milhares de participantes exibiram coreografias e bandeiras nacionais em tributo ao Partido, em 09/10/2025. Crédito: Xinhua/Shen Hong
    Apresentação artística no Estádio Primeiro de Maio, em Pyongyang, durante as comemorações dos 80 anos de fundação do Partido do Trabalho da Coreia. Milhares de participantes exibiram coreografias e bandeiras nacionais em tributo ao Partido, em 09/10/2025. Crédito: Xinhua/Shen Hong

    Representei o PCdoB em delegação oficial, na condição de vice-presidente nacional, recebido com protocolo de Estado para as comemorações do 80.º aniversário do Partido do Trabalho da Coreia.

    Por três intensos dias, conheci a capital Pyongyang, seus museus, monumentos e um povo em festa. Surpreende sua vitalidade e afluência, muita gente pelas ruas, menos carros, limpeza impecável, jardins e arborização extensa, rede de metrô bem articulada. Pagamentos digitais já tiraram o dinheiro de circulação, é um Pix autenticamente coreano, tudo pelos celulares. 

    Um povo ameno e discreto, mas orgulhoso de seu senso de nação e pertencimento; altivo, disciplinado e educado em cada gesto, sinceramente hospitaleiro. Foi um agradável convívio e aprendizado. 

    Em uma viagem tão breve, não se alcança investigar a fundo a realidade econômica, mas foi possível constatar o alto nível de parceria estratégica da Coreia com Rússia e China, além das sólidas relações com Vietnã e Laos, entre muitos outros. 

    O que mais impressiona são as conquistas sociais visíveis em todos os terrenos saúde, educação e moradia gratuitas; mobilidade urbana com modernos ônibus elétricos; estímulo público à cultura e às artes, onde ninguém paga impostos; e extrema atenção às crianças. Lá não se veem mendigos, moradores de rua, crianças abandonadas, maltrapilhos ou favelas.

    A indústria é a maior força econômica, seguida pelos serviços e pela agricultura. A única limitação que sentimos foi o acesso à internet, ainda restrito — ao menos para estrangeiros.

    O pensamento de Kim Jong Un e a estratégia socialista

    No dia 10 de outubro, o líder Kim Jong Un proferiu um discurso solene que delineou a estratégia contemporânea do Partido do Trabalho da Coreia (PTC) e da República Popular Democrática da Coreia (RPDC). Numa parada militar, diante de cerca de 100 mil pessoas, celebrou a trajetória do partido e o papel do povo coreano na construção do socialismo, prestando homenagem às gerações fundadoras que “operaram uma revolução transcendental para o destino do país e do povo, levantando um prestigiado e poderoso Estado socialista”.

    O líder recordou “o transcurso de uma guerra encarniçada para rechaçar a invasão armada da aliança imperialista e salvaguardar o território e a dignidade da pátria”, exaltando a construção socialista como um feito coletivo e duradouro.

    Ao mencionar o colapso do socialismo na URSS e no Leste Europeu, Kim Jong Un destacou que a RPDC se viu obrigada a preservar sua ideologia e regime, desenvolvendo simultaneamente a economia e as forças armadas nucleares frente à crescente ameaça norte-americana. Atribuiu à intransigência do PTC e do governo coreano o mérito de fortalecer o bloco progressista mundial que se opõe à guerra e ao hegemonismo.

    Kim Jong Un concluiu: 

    “Todos os acontecimentos importantes que garantem a vitória e o êxito da causa são protagonizados pelo grande povo coreano — seus trabalhadores, agricultores e intelectuais.”

    A ideia Juche permanece como a ideologia reitora dessa trajetória e expressão do fervor revolucionário do país.

    Resistência, soberania e autodeterminação

    Uma batalha persistente quando se fala da República Popular Democrática da Coreia é a ideológica — quando o país é acusado de isolacionismo. Quase nunca se menciona a circunstância nevrálgica de um povo submetido, há décadas, ao bloqueio e à ameaça de agressão militar imperialista.

    O que é preciso pôr no lugar certo é a legitimidade do povo coreano e seus dirigentes do Partido do Trabalho da Coreia e do governo fazerem suas próprias opções nacionais — políticas, ideológicas, estratégicas e geopolíticas — numa história milenar sujeita a múltiplas pressões externas.

    Autênticos e originais com sua ideologia Juche — segundo a qual o povo é o senhor da nação, e nação e povo se fundem sob o socialismo —, mas universalistas em prol de um humanismo radical oriundo também do marxismo-leninismo, os coreanos genuinamente se orgulham de seus feitos, escolhendo seus próprios caminhos e formas de organização.

    Tal saga histórica, que ainda se processa no presente, só pode merecer respeito pela bravura com que lutam pela sua autodeterminação, pela soberania e pelo Estado socialista.

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    A saga revolucionária coreana

    Quando se fundou o PTC, em 1945, a Segunda Guerra Mundial ainda prosseguia. O Japão seguia ocupando diversos países — entre eles, a Coreia. O Exército Revolucionário Popular da Coreia, sob a direção de Kim Il Sung, às vésperas da ofensiva da URSS contra o Japão, deu início a uma grande investida contra os invasores, criando Comitês Populares em toda parte.

    Com a rendição do Japão, o poder passou para as mãos dos Comitês Populares, e foi instalada em Seul, sob um governo provisório, a República Popular da Coreia. Desrespeitando a autodeterminação do povo coreano, os Estados Unidos ocuparam o Sul da península, dissolveram os Comitês Populares, prenderam em massa seus membros e impuseram não apenas um governo vassalo, mas também a divisão da Coreia em 15 de agosto de 1948 — transformando-a em base militar contra China e Rússia.

    Em resposta, foi proclamada no Norte, em 9 de setembro de 1948, a República Popular Democrática da Coreia (RPDC). Formou-se um governo sob a liderança do PTC e da Frente Democrática para a Reunificação da Pátria, dirigido por Kim Il Sung — um dos grandes personagens da história revolucionária mundial.

    O PTC levou a cabo uma obra impressionante em meio a imensas vicissitudes. Foi promulgada a reforma agrária, estabelecida a jornada de 8 horas, proibido o trabalho infantil, instituída a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, criado o ensino gratuito e obrigatório e erradicado o analfabetismo. Foram expropriadas sem indenização as propriedades industriais, comerciais, bancárias e de transporte pertencentes a japoneses, pró-japoneses e traidores da nação, preservando-se, porém, os bens de pequenos e médios empresários patriotas.

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    Deram-se grandes avanços sociais e um pujante desenvolvimento econômico. A mais imperiosa das dificuldades, entretanto, foi a Guerra da Coreia. A RPDC enfrentou o poderio militar norte-americano e uma coalizão de mais quinze nações, às quais a ONU — manipulada pelos EUA — emprestou a sua bandeira. Após três anos de guerra de extermínio, que custou a vida de 20% da população norte-coreana, os Estados Unidos foram forçados a aceitar o Armistício de Panmunjom em julho de 1953.

    O “Armistício” nunca evoluiu para um tratado de paz — culpa exclusiva dos EUA, que mantiveram o clima de tensão na península para justificar sua presença militar. Mesmo ameaçada de novo ataque, a RPDC empreendeu uma reconstrução nacional admirável, enfrentando as maiores dificuldades, especialmente após a queda da URSS e o colapso do bloco socialista europeu.

    Nos anos 1990, sob as injunções desse cenário, as agruras foram pesadas. Mas os coreanos do Norte reagiram bravamente, mantendo alta a bandeira da autossuficiência e da autodefesa nacional. Mostraram fibra para não se abater pela pressão por isolamento, tomando em suas próprias mãos — e com suas próprias forças — o destino de um país moderno, de alta tecnologia, onde a miséria foi erradicada e todos têm assegurados trabalho, moradia, educação, alimentação e saúde.

    Hoje, apesar do cerco diplomático imposto pelos EUA, a RPDC mantém relações com 160 países, incluindo o Brasil desde 2001.

    Coreia no novo cenário multipolar

    No novíssimo quadro geopolítico multipolar que se abre, as relações com China, Rússia, Vietnã e Laos têm se intensificado, em proveito recíproco. O Partido do Trabalho da Coreia é, mais que nunca, indispensável para se somar à luta internacional contra as pressões neocoloniais e as ameaças de guerra do sempre presente imperialismo norte-americano.

    É a esse partido — hoje sob a liderança de Kim Jong Un, neto de Kim Il Sung — que se presta homenagem por ocasião dos 80 anos de fundação, como expressão de solidariedade ao povo coreano e ao êxito de sua construção econômica, política, social e cultural.

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    Diário de bordo: visita oficial e impressões de um convívio exemplar

    A delegação brasileira contou também com o Partido dos Trabalhadores (PT), representado pelo deputado estadual por São Paulo Mário Maurici, além de outros nove brasileiros oriundos do meio acadêmico, residentes na China e militantes de movimentos de solidariedade à Coreia Popular.

    Fui assistido permanentemente pelo Sr. Pak Jin, do Departamento Internacional do PTC, e pela Sra. Choi Kyong Hui, intérprete e professora de português da Universidade de Estudos Estrangeiros de Pyongyang.

    No dia 8 de outubro, participamos do Ato de Homenagem aos líderes da revolução coreana, realizado no Palácio do Sol Kumsusan. O imponente edifício, cercado por majestosos jardins, abriga o mausoléu de Kim Il Sung — fundador do PTC e presidente do país — e de seu filho, Kim Jong Il, que o sucedeu na liderança. Durante os dias de celebração, milhares de pessoas visitaram o local.

    No Museu da Revolução Coreana, com a história da luta pela libertação nacional contra os japoneses, a fundação do PTC e da RPDC, até os dias atuais, passando pelas três gerações de líderes Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un. 

    No hotel em que fomos hospedados, recebeu-nos em almoço de boas-vindas pelo chefe do Departamento Internacional do Comitê Central do PTC, Kim Song Nam. Ele saudou os laços de amizade, apoio e colaboração entre nossos partidos na luta pela independência das massas populares e afirmou:

    “A revolução coreana, em seu longo percurso, erigiu um novo país — o Estado socialista de independência política e autodefesa nacional — sob a causa socialista e a liderança do respeitado líder Kim Jong Un.”

    Mais tarde, visitamos ainda o Palácio de Alunos e Crianças Mangyongdae, cuja arquitetura tem a forma de um “abraço de mãe”. No espaço se realizam atividades em diversas áreas da arte e da cultura, e assistimos a várias delas, com a participação de centenas de crianças.

    Walter Sorrentino, presidente da Fundação Maurício Grabois, ao lado de uma aluna do Palácio de Alunos e Crianças Mangyongdae, em Pyongyang (Coreia Popular). Durante a aula de arte da escrita, a estudante escreveu a mensagem “Homenagem ao Partido”. Visita ocorreu durante as celebrações dos 80 anos do Partido do Trabalho da Coreia. 09/10/2025. Crédito: Arquivo pessoal / Reprodução

    Também conhecemos a Escola Central dos Quadros do PTC, instituição largamente prestigiada. O mural com as fotos de Marx e Lênin, em destaque no edifício, expressa a orientação marxista-leninista que norteou a revolução e a construção do socialismo na Coreia Popular. Suas instalações são modernas, com equipamentos, auditórios e salas de pesquisa e ensino de alto nível.

    Uma caminhada noturna levou-nos à iluminada e recém-construída Avenida da Zona Hwasong, parte de um intenso programa de urbanização e construção de moradias em Pyongyang. Cada empreendimento oferece cerca de 5 mil novas habitações. Um programa semelhante, intitulado 20+10, está em curso nas províncias.

    Nas cercanias da capital, visitamos a Casa Natal de Mangyongdae, onde viveram os avós de Kim Il Sung. Foi dali que ele partiu, aos 14 anos, para integrar-se à luta contra a colonização japonesa. O local é venerado pelos coreanos.

    Entre os locais mais impressionantes, destaca-se o Museu Estatal de Presentes, uma monumental edificação que abriga presentes recebidos pelos líderes Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un, expostos em 140 salas. Ali ficarão também os presentes oferecidos pelo PCdoB: uma escultura representando um pé de pau-brasil, criação da designer e artista plástica Ana Paula, e o livro iconográfico dos 100 anos do Partido Comunista do Brasil. Ele foi entregue protocolarmente em visita de cortesia ao presidente do Comitê Permanente da Assembleia Popular Socialista, o Congresso da RPDC, o Sr. Choi Ryong Hae. Ele pronunciou palavras calorosas às delegações presentes. 

    Ao final do segundo dia, assistimos às apresentações culturais no Estádio Primeiro de Maio — uma festa popular pelos 80 anos do PTC, com 100 mil pessoas. Um espetáculo digno de cerimônia olímpica, num .

    No último conhecemos o Complexo de Estufas de Kangdong, uma moderna “fazenda” de produção hidropônica de hortifrutis que abastece Pyongyang, com 100 alqueires de área cultivada.

    No trajeto, pudemos constatar como o 10 de outubro é reverenciado pela população, que saudava nossa comitiva nas calçadas. Nesse dia, o Estado libera os restaurantes da cidade para que as famílias almocem gratuitamente. Há muita gente passeando nas ruas.

    Nos encontramos também com o embaixador brasileiro na RPDC, Felipe Fortuna, e sua esposa, U Yang Son, de origem sul-coreana.

    O mais solene evento do dia se deu na sede do PTC, onde as delegações foram recebidas para um banquete com mais de 600 convidados, na presença de Kim Jong Un e de dirigentes internacionais de países como China, Rússia, Vietnã e Laos, Nicarágua e Guiné Equatorial, México e vários outros.

    Encerramos a visita com a imponente parada militar. A exibição de armamentos modernos demonstram a capacidade de dissuasão e autodefesa do país.

    Desfile militar em Pyongyang celebra os 80 anos do Partido do Trabalho da Coreia. Na imagem, o Kim Jong Un aparece de costas, saudando as tropas durante a passagem de veículos militares. Crédito: KCNA / Reprodução

    O PTC e o povo da República Popular Democrática da Coreia

    O Partido do Trabalho da Coreia representa um exemplo singular de resistência nacional e coesão ideológica. Seu povo, forjado pela luta contra a dominação estrangeira, construiu — sob o socialismo — uma sociedade de dignidade, autossuficiência e orgulho nacional.

    É um povo de bravos. 


    Walter Sorrentino
     é presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB.

    Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.