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    Economia

    BYD no Brasil: modernização tecnológica e retrocesso trabalhista

    A instalação da primeira fábrica de veículos elétricos da América Latina simboliza avanço tecnológico, mas expõe problemas nas relações de trabalho e tensões com a representação sindical

    POR: Nilton Vasconcelos

    6 min de leitura

    Presidente Lula na área da linha de montagem de veículos durante a inauguração da fábrica da BYD. Na foto, além do presidente brasileiro, estão o presidente mundial da empresa, Wang Chuanfu, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, Júlio Bonfim, trabalhadores, ministros e políticos baianos. Polo Petroquímico de Camaçari (BA), 09/10/2025. Foto: Ricardo Stuckert / PR.
    Presidente Lula na área da linha de montagem de veículos durante a inauguração da fábrica da BYD. Na foto, além do presidente brasileiro, estão o presidente mundial da empresa, Wang Chuanfu, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, Júlio Bonfim, trabalhadores, ministros e políticos baianos. Polo Petroquímico de Camaçari (BA), 09/10/2025. Foto: Ricardo Stuckert / PR.

    A inauguração da montadora de veículos elétricos BYD na cidade de Camaçari, Bahia, em 9 de outubro de 2025, contou com a participação do presidente Lula, do governador Jerônimo, do prefeito de Camaçari Luís Caetano, do presidente mundial da BYD Wang Chuanfu, além de muitas outras autoridades e representações empresariais. Também se fez presente o Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, que já havia apresentado reclamações quanto às relações entre empresa e trabalhadores.

    O evento foi saudado pela importância da retomada da indústria automotiva na Bahia, após a saída da Ford, em 2021, e também por ser a primeira fábrica de veículos elétricos da América Latina. A cerimônia foi marcada pelo anúncio da intenção de ampliar a produção para até 600 mil veículos/ano, associada a planos de comercialização no mercado internacional. A nova unidade fabril também é representativa da perspectiva de modernização industrial e de desenvolvimento tecnológico pretendidos pelo governo federal.

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    A modernização dos processos produtivos e dos produtos industriais, contudo, não tem sido acompanhada pela modernização das relações de trabalho, o que pode representar um importante obstáculo. Se é verdade que os embates são normais nas relações entre trabalhadores e empregadores, é preciso garantir que o espaço para a negociação e o respeito à organização dos trabalhadores sejam mantidos.

    É importante registrar que o processo de instalação da BYD já enfrentou repercussões negativas no Brasil, na China e mundo afora. Com previsão de início da produção no segundo semestre de 2024, um fato extraordinário em dezembro daquele ano retardou os planos iniciais em ao menos seis meses. No final de 2024, uma força-tarefa do Ministério Público do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego e outros órgãos de fiscalização resgatou 163 trabalhadores chineses em condições análogas à escravidão na obra de construção de sua fábrica. Multada, a empresa apresentou alegações não convincentes e um compromisso (óbvio) de respeito à legislação brasileira.

    Nos dias que antecederam a inauguração, o sindicato manifestou seu posicionamento crítico por a empresa ter dispensado uma parte significativa dos trabalhadores, gerando frustração por não poderem presenciar a inauguração da empresa que ajudaram a erguer. Diferentemente de outras inaugurações do mesmo segmento industrial, em que todo o efetivo pode acompanhar o evento, apenas parte dos trabalhadores foi autorizada a comparecer. As negociações entre o sindicato e empresa não resultaram em acordo satisfatório, frustrando a expectativa de participar daquele momento marcante.

    Uma semana após a inauguração, houve mais um embate. Segundo o sindicato, os trabalhadores que deveriam ter sua jornada encerrada às 18 horas, foram impedidos de deixar o local e ficaram sem acesso ao transporte, obrigando-os a permanecer na fábrica por mais uma hora. Na ocasião, o sindicato denunciou a imposição de horas extras abusivas, que levavam os trabalhadores a cumprir mais de 48 horas semanais, em desacordo com a legislação. Além disso, teria havido propostas de redução do tempo de refeição, ferindo os acordos coletivos e ignorando a representação sindical.

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    Print de mensagem enviada pelo setor de Recursos Humanos da BYD aos trabalhadores, reforçando a orientação para que entreguem a carta de oposição ao desconto sindical. Imagem: Reprodução / Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Camaçari.

    Por fim, diante da pressão da empresa para coagir os trabalhadores a assinarem uma carta de oposição à contribuição sindical, o Sindicato do Metalúrgicos denunciou a empresa por prática antissindical. Para comprovar a acusação, anexou cópia de mensagem do setor de Recursos Humanos que reforça “a necessidade de entrega da carta de oposição ao desconto sindical”. Isso significa que a empresa foi além da obrigação de informar os trabalhadores, passando a incentivar manifestações contrárias dos empregados.

    Uma vez comprovada, a prática denunciada configura descumprimento da Convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, e da própria Constituição Federal. Diante disso, urge que a empresa assuma uma atitude diametralmente oposta àquela que tem adotado nas relações trabalhistas.

    A empresa capitalista, em tempos de ultraliberalismo, busca maximizar seus lucros — e a BYD aparentemente segue essa cartilha —, mas é crucial entender que o Brasil não pode pagar o preço da precarização por seus investimentos.

    Em síntese, a trajetória da BYD no Brasil tem sido marcada por um paradoxo: a vanguarda tecnológica convive com o retrocesso nas relações de trabalho. Os reiterados desrespeitos às normas trabalhistas e à representação sindical, desde o caso análogo à escravidão até as recentes práticas antissindicais, demonstram que a empresa insiste em um caminho incompatível com um projeto de desenvolvimento nacional sustentável.

    O país aceita investimentos, mas não renuncia a seus direitos constitucionais. Para desenvolver uma relação de longo prazo com o mercado brasileiro é indispensável que a BYD altere sua conduta, renunciando a persistir com relações trabalhistas arcaicas e predatórias.

     

    Nilton Vasconcelos é doutor em Administração Pública. Secretário do Trabalho e Esporte do Estado da Bahia (2007-2014)É diretor de Relações Institucionais do Centro de Estudos Avançados Brasil China (Cebrach) e membro do Grupo de Pesquisa sobre Estado e Instituições da Fundação Maurício Grabois.

    *Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.