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    EUA

    A manipulação de Trump

    As políticas de tarifaços de Trump e sua hostilidade com os aliados não são erros de cálculo, mas uma estratégia consciente de "guerra econômica interna e externa"

    POR: Miguel Manso

    12 min de leitura

    Donald Trump assina uma série de atos presidenciais, no primeiro dia do seu segundo mandato (21/01/2025). Foto: Casa Branca/Divulgação
    Donald Trump assina uma série de atos presidenciais, no primeiro dia do seu segundo mandato (21/01/2025). Foto: Casa Branca/Divulgação

    A manipulação de Trump da “síndrome do Leviatã ferido – A economia, a moeda, o poder: a hegemonia dos EUA está em profunda crise, não é simplesmente “frágil”, mas viciada, em um ciclo de autossabotagem geopoliticamente letalmente destrutivo e muito rentável para uma reduzida elite parasitária.

    A fragilidade dos setores produtivos civis e o endividamento agudo dos EUA não são acidentes, mas a contrapartida necessária para o esforço de manutenção da hegemonia do complexo industrial-financeiro-militar estadunidense. Durante um tempo, o povo norte-americano acreditou que seu american way of life dependia da manutenção de sua máquina de guerra e domínio global, mas cada vez mais, o que aparece aos olhos de todos é seu verdadeiro caráter excludente.

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    As políticas de tarifaços de Trump e sua hostilidade com os aliados não são erros de cálculo, mas uma estratégia consciente de “guerra econômica interna e externa” para realimentar esse ciclo vicioso. O objetivo final é transferir riqueza global para os conglomerados do setor bélico e financeiro decadente e viciado, aprofundando as contradições interimperialistas e sacrificando a estabilidade global no altar da perpetuação de um poder em acelerado declínio.

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    O aumento da criminalidade e da violência no período Trump não é um desvio, mas um subproduto direto e um componente funcional da “síndrome do Leviatã ferido”. É o resultado da miséria econômica imposta por políticas que beneficiam o complexo de guerra e financeiro, subsequentemente explorada para justificar a fortificação do Estado e preparar o terreno psicológico para a agressão externa.

    A violência nas ruas de Minneapolis, Chicago e Portland é o sangue que escorre pelas feridas abertas do império, e sua instrumentalização política é o sinal de um regime que, ferido, se volta contra seu próprio povo e contra o mundo na tentativa desesperada de sobreviver.

    A era Trump testemunhou uma injeção de mais de $130 bilhões anuais no orçamento base de defesa em apenas quatro anos. Este aumento histórico, financiado por dívida e em meio a tensões sociais e tarifas comerciais autodestrutivas, é a prova material da “síndrome do Leviatã ferido”.

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    Foi a resposta de um poder que, sentindo as bases econômicas de sua hegemonia tremerem, optou por dobrar a aposta no único instrumento no qual ainda mantinha uma vantagem esmagadora: o poder militar bruto. Os números não mentem: o leviatã, ferido, tornou-se mais caro e mais perigoso.

    Assim como Hitler usou a humilhação da Alemanha ferida para montar o aparato militar que ceifou a vida de dezenas de milhões de seres humanos para concentrar riqueza, Trump manipula as “fraquezas do poder global americano” para alimentar seu viciado complexo militar e financeiro. Não basta apenas denunciar, é preciso revelar sua “lógica perversa”, que transforma a fraqueza assumida do MAGA (Make America Great Again – Faça a América Grande Novamente] em um instrumento de manipulação e poder, ainda que violentamente autodestrutivo.

    A metástase econômica: do complexo militar-industrial ao “complexo de guerra total”

    O que Eisenhower chamou de “complexo militar-industrial” evoluiu para um “complexo de guerra total”, um ecossistema simbiótico que engloba o setor financeiro, o aparato de segurança nacional e militar, as Big Techs e as empresas de inteligência e desinformação, assim como a política externa belicista e abertamente intervencionista. A sobrevida deste viciado complexo bélico financeiro depende cada vez mais de doses maiores da perpetuação de tensões, tornando a paz economicamente indesejável, e está levando seu país e seu povo à ruína.

    “O império americano… é sustentado não pela produção de bens de consumo, mas pelo endividamento massivo e pela exportação de inflação, combinados com uma presença militar global. É um império de bases (militares), não de fábricas….O império é caro, e nós o financiamos não através de superávits comerciais ou de uma economia produtiva robusta, mas através de empréstimos maciços do exterior… Estamos nos tornando uma ‘república bananeira’ militarizada, vivendo de crédito e da exploração de um monopólio temporário da força.” (Chalmers Johnson – Professor da Universidade da Califórnia e ex-consultor da CIA).

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    A fragilidade da indústria civil (evidenciada pelos déficits comerciais) não é apenas um sinal de falência nacional, mas o sintoma de uma economia que realocou seu capital e engenhosidade para o setor de “bens de insegurança e destruição”. A desindustrialização é o subproduto de uma “especialização forçada” em hegemonia militar.

    1.Consequências Sistêmicas:
    1. Para as Potências Imperialistas:
    Espiral de militarização que acelera o declínio econômico;
    Perda de legitimidade e autoridade moral;
    Endividamento crescente para financiar o aparato militar.
    2. Para o Sistema Capitalista  Internacional:
    Corrosão acelerada da ordem liberal baseada em regras e leis;
    Agravamento das tensões interimperialistas;
    Incentivo à proliferação nuclear e armamentista.
    3. Para a Humanidade:
    Desvio de recursos críticos da transição ecológica para gastos militares;
    Normalização da guerra e violência como instrumento político;
    Comprometimento e roubo de bens públicos globais.

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    2.O “tarifaço” de Trump como acelerador de crises: engendrando a “necessidade” da guerra.

    As tarifas de Trump não são o protecionismo clássico, mas uma “política de choque geoeconômico”. Seu objetivo não é reviver a manufatura americana de forma sustentável, mas

    • Criar crises de fornecimento: elevar custos para consumidores e empresas, aumentando a pressão inflacionária.
    • Fragmentar alianças: enfraquecer a arquitetura multilateral (como a Organização Mundial do Comércio – OMC) para justificar uma postura “cada um por si”.
    • Preparar o terreno para o conflito: ao alienar aliados e fechar mercados, a administração criou um ambiente de escassez e competição onde a solução militar/coercitiva se torna mais “atraente”.

    “Grandes potências estão sempre à procura de oportunidades para ganhar vantagem umas sobre as outras. A lógica anárquica do sistema as obriga a isso.” As tarifas são a expressão econômica desta lógica, levada ao paroxismo contra os próprios aliados. (John Mearsheimer, Teoria do Realismo Ofensivo).

    As tarifas afetam diretamente o aumento dos custos de vida nos EUA, conectando-as à generalização de movimentos de protesto como No King. O mal-estar social não é um efeito colateral, mas parte do combustível para uma narrativa de “América sitiada” que justifica mais gastos militares e autoritarismo interno.

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    3. O Saqueamento das reservas russas: o precedente da rapina e a puptura da ordem imperial coletiva

    O confisco de cerca de $300 bilhões de dólares em reservas russas pelos aliados ocidentais marca um ponto de não retorno. Não é apenas uma sanção, mas um “ato de expropriação imperialista”. Este evento é fundamental e demonstra:

    • A descida ao “Estado de natureza” financeiro: o fim da inviolabilidade das reservas soberanas significa que nenhum país, aliado ou rival, pode considerar seus ativos seguros. Isto força uma corrida por ativos reais (ouro, commodities) e armamentos.
    • A pressão sobre a Europa: a Europa foi arrastada para esta medida, aprofundando sua dependência estratégica dos EUA e sendo forçada a aumentar seus gastos militares (beneficiando o complexo bélico norte-americano via vendas de armas), ao mesmo tempo que se prepara para ser o campo de batalha potencial de um conflito.”O Ocidente provou que nenhum de seus passivos é confiável. Eles congelaram, ou melhor, roubaram nossos fundos. Isso foi um golpe para toda a arquitetura de confiança global.” Independente da fonte, o ato é reconhecido como um evento sísmico. (Vladimir Putin, em discurso sobre a ordem mundial)
      Este saque não foi como uma vitória do Ocidente, mas como o momento em que os EUA, em sua fraqueza, canibalizam um pilar do sistema que lideravam, forçando os aliados a uma espiral belicista para evitar serem as próximas vítimas da rapina financeira.

    4. A “fuga para a frente”: a guerra como último recurso de um sistema bélico e financeiro decadente

    O sistema financeiro global, centrado no dólar, está asfixiado por dívidas impagáveis e papéis podres e tóxicos.
    A guerra e a preparação para a guerra oferecem uma “solução” perversa:

    •  Criação de demanda destrutiva: a guerra destrói capital, abrindo espaço para nova rodada de acumulação via reconstrução.
    • Financiamento por dívida: Os gastos militares são financiados por títulos do Tesouro, que o sistema financeiro absorve, mantendo a aparência de solvência.
    • Controle de recursos: o conflito é a forma mais brutal de assegurar o controle sobre recursos energéticos e minerais escassos, essenciais para a economia do futuro.

    “O capital financeiro, em sua maturidade, é a potência econômica e política mais elevada. Ele subjuga todas as forças da sociedade ao seu domínio. A luta pelos mercados e pelas esferas de influência torna-se mais aguda, levando à expansão colonial e ao conflito armado.” (Rudolf Hilferding, em O capital financeiro)>

    A conclusão é que a estratégia norte-americana é uma “fuga para a frente”. Incapaz de competir economicamente de forma pacífica e sustentável, e presa a um sistema financeiro parasitário e viciado, a elite do poder dos EUA dobra a aposta na instrumentalização da sua própria fragilidade interna e da tensão global externa como último mecanismo de sobrevivência. O custo, no entanto, é a alienação total do projeto humano de sustentabilidade e paz, comprometendo o presente e o futuro da civilização em troca de mais alguns anos de hegemonia de um Leviatã mortalmente ferido.

    Não se trata apenas de uma simples denúncia, mas da compreensão de um mecanismo assustadoramente coerente e violentamente perigoso e letal. A fragilidade da hegemonia econômica e política dos EUA é o motor, não o freio, de sua política externa belicista e abertamente fascista para impor às nações a sustentação de sua máquina de guerra e rapina.

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    Entender esta dinâmica é essencial para que as nações e os movimentos sociais possam construir alternativas de resistência e sobrevivência perante um poder que, em sua agonia, torna-se imprevisível e perigosamente letal em sua destrutividade. A fragilidade da economia dos EUA depende cada vez mais e totalmente de sua indústria bélica de guerra, correlacionada a uma política agressiva de Trump de impor Tarifaços e acordos de rapina de riquezas, não apenas aos seus adversários ideológicos ou aos BRICS, mas aos seus aliados europeus e ingleses, aos vizinhos, Canadá e México, impondo custos elevados ao seu próprio povo, atirando-o na miséria, agravando as tensões internas, vide as manifestações No King, para seguir alimentando a indústria de guerra, violência e rapina, aprofundando as contradições interimperialistas, levando seus aliados europeus a rapinar igualmente os cofres das reservas da Rússia para promover a guerra em solo europeu, obrigando seus aliados a elevar suas despesas militares, preparando terreno na Europa para novo cenário de guerra e destruição.

    Alimentar o sistema financeiro decadente com os custos e financiamentos de nova guerra e conflitos generalizados é a maior ameaça que vivemos. A perda de identidade com a humanidade, com o planeta e a sustentabilidade,  compromete o presente e o futuro da vida e da civilização, é inaceitável e inadiável enfrentar esta dura realidade.
    Só há uma saída: denunciar e esclarecer os povos dos graves e letais perigos, mobilizar,  enfrentar e derrotar o

    “Leviatã Ferido” e suas manipulações e mentiras, seu fascismo e militarismo.

    Diante deste cenário de espiral belicista e autofágica, a saída real não se encontrará nos palácios de uma governança global sequestrada, mas na consciência e na ação organizada dos povos. Desarmar a “síndrome do Leviatã ferido” exige mais que denúncias; exige a construção de uma nova arquitetura de poder democrático e popular, de respeito à soberania das nações, relações internacionais baseadas na cooperação internacionalista, na reconversão econômica das indústrias da morte em setores voltados para a vida e a sustentabilidade.

    O desafio histórico que se coloca é claro: ou os povos do mundo, unidos além das fronteiras fabricadas pelo imperialismo, conseguem impor um projeto de civilização baseado na justiça social e na paz, ou seremos todos reféns do naufrágio calculado de um império que, em sua agonia, não hesita em chantagear e incendiar o planeta para se manter, ainda que por instantes, no comando do convés.

    A hora não é de adaptação e aceitação, mas de elevar consciências e disposição ideológica, preparar a humanidade para vencer mais este confronto decisivo com a lógica da morte do império moribundo. O futuro da humanidade depende de nossa coragem coletiva em interromper este genocídio anunciado.

    Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois. Engenheiro eletrônico formado pela USP, com especialização em Telecomunicações pela Unicamp e em Inteligência Artificial pela UFV, é diretor de Políticas Públicas da EngeD – Engenharia pela Democracia.

    **Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.