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    Ciência e Tecnologia

    Por que a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia é estratégica para a soberania científica

    Futuro da ciência brasileira depende de torná-la acessível, inspiradora e presente na vida das pessoas. Confira análise

    POR: Luciano Rezende

    8 min de leitura

    Criança interage com a mesa de areia interativa do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) durante a 22ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT). A instalação permite simular o relevo e observar, em tempo real, como a água se comporta em diferentes altitudes e terrenos. Foto: Diego Galba/ASCOM/MCTI
    Criança interage com a mesa de areia interativa do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) durante a 22ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT). A instalação permite simular o relevo e observar, em tempo real, como a água se comporta em diferentes altitudes e terrenos. Foto: Diego Galba/ASCOM/MCTI

    O caráter estratégico da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT)

    Em pesquisa recente realizada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), cujos dados constam na publicação intitulada Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil 2023, revelou uma realidade interessante sobre o que os brasileiros pensam sobre a ciência.

    Se, por um lado, temos um quadro que demonstra o otimismo do brasileiro em relação à ciência — onde 60,3% dos entrevistados se dizem interessados ou muito interessados por temas de C&T e 66,2% acham que a ciência traz apenas benefícios ou mais benefícios que malefícios para a humanidade —, por outro, estudo anterior do CGEE revelou que 90% não se lembram ou não sabem apontar um cientista do país, e 88% não sabem indicar uma instituição do setor.

    Divulgação científica como política de Estado

    Este imenso descompasso entre a visão positiva que a sociedade brasileira tem sobre a ciência (mesmo com o intenso ataque do chamado negacionismo científico dos últimos anos) e o desconhecimento da população sobre esta mesma ciência, revela a importância estratégica de se fortalecer a divulgação científica de forma acessível e contínua. E é justamente isso o que se propõem a fazer as Semanas Nacionais de Ciência e Tecnologia (SNCT).

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    As relações entre a ciência e a sociedade

    Criada em 2004 pelo presidente Lula, a SNCT 2025, promovida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), destacou um momento de reafirmação da ciência como alicerce estratégico para o desenvolvimento nacional. Sob o tema “Planeta Água: a cultura oceânica para enfrentar as mudanças climáticas no meu território”, o evento reafirma seu papel central na articulação entre pesquisa, sociedade e território e o protagonismo da ministra Luciana Santos, à frente do ministério, como fator indispensável para esse movimento.

    Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, testa os óculos de realidade aumentada da exposição Oceano: o Maior Mistério da Terra, que proporcionava a sensação de ver animais aquáticos de perto, em seu habitat natural, durante a 22ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em Brasília, em 20/10/2025. Foto: Rodrigo Cabral/ASCOM/MCTI

    Uma agenda para o desenvolvimento

    Desde sua criação, por meio de decreto presidencial, a SNCT tem como missão aproximar a ciência da sociedade, promover a cultura científica e posicionar o conhecimento como instrumento de transformação social. A edição de 2025 amplia esse escopo ao focar em uma temática que une clima, água e território, destacando que os oceanos, rios e lagos, mesmo em regiões distantes da costa, fazem parte de uma dinâmica global que interfere diretamente nas escolhas locais.

    Ao transformar a ciência em agenda estratégica, o MCTI reforça que a divulgação científica não é apenas complemento ou acessório, mas componente decisivo de políticas públicas de CT&I. Como afirma a ministra Luciana Santos, “a aprendizagem da ciência abre portas, amplia horizontes, contribui para a formação de uma sociedade com capacidade de compreender e se apropriar dos benefícios da ciência e da tecnologia”.

    • Na abertura da 22ª SNCT, a ministra anunciou R$ 100 milhões para apoiar pesquisas e startups voltadas à proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital: 

    Importante destacar que o tema “Planeta Água” se conecta à Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030) e à preparação nacional para eventos como a Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano e a COP30 (colocando o Brasil, por meio do MCTI, no centro de discussões globais sobre clima, oceano e ciência). Esse vínculo internacional reforça que a divulgação da ciência, a participação social e a cultura oceânica são também vetores de inserção geopolítica e soberania científica.

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    SNCT 2025: integração entre ciência, educação e sociedade

    Ponto de destaque para a edição 22ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada esse mês, que mede bem o seu caráter estratégico, foi a realização do primeiro Seminário Internacional de Popularização da Ciência. Inaugurou-se, assim, um importante evento, dentro da SNCT, que envolveu representantes internacionais da área de divulgação científica e popularização da ciência, reconhecendo que esta área necessita se articular e ultrapassar fronteiras, sendo parte de uma agenda global de divulgação, inclusão e democratização do conhecimento. A realização desse seminário assume uma importante estratégia de Estado: ciência como direito, ciência como ferramenta de transformação, ciência como política pública central.

    Realizado em Brasília nos dias 21 e 22 de outubro de 2025, o 1º Seminário Internacional de Popularização da Ciência integrou a 22ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) e reuniu representantes da Alemanha, Estados Unidos, Noruega, Itália, Portugal, Cuba, China, México, Angola e Argentina. Foto: Luara Baggi/ASCOM/MCTI

    A SNCT 2025 expressou também essa articulação entre ciência, educação básica, pesquisa, território e sociedade. A concepção do evento, com ênfase “no meu território”, aponta para a necessidade de que ciência, tecnologia e inovação estejam enraizadas em contextos locais, biomas regionais, saberes tradicionais e comunidades. A divulgação da ciência, desta forma, deixa de ser uma ação uniforme para se tornar adaptada, sensível às particularidades culturais, ambientais e sociais de cada região. Esse modelo também reforça o caráter estratégico do evento: não só conscientizar, mas mobilizar, conectar e produzir impactos reais no cotidiano e na economia das localidades.

    É claro que apenas políticas de divulgação científica não serão suficientes para que o Brasil supere este triste quadro atual, em que a imensa maioria dos brasileiros é incapaz de apontar o nome de um cientista ou de uma instituição de pesquisa no país. É necessário, por exemplo, incorporar cientistas e instituições científicas no currículo escolar e na educação básica. O fato de que grande parte da população não lembra nomes de cientistas ou instituições brasileiras indica que a exposição formal na escola ou nos meios educativos é insuficiente. É fundamental integrar conteúdos sobre história da ciência brasileira, perfis de cientistas, trajetórias de instituições, nas disciplinas de ciências, história, português etc.

    Painel com personagens da ciência do passado, presente e futuro integra a exposição MCTI 40 anos, na 22ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT). A mostra reúne nomes de pessoas ligadas à pesquisa e à divulgação científica. Foto: Jerônimo Gonzalez/MCTI

    Criança interage com painel que celebra figuras da ciência brasileira — do passado, presente e futuro — na exposição MCTI 40 anos, durante a 22ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), Brasília, 22/10/2025. Foto: Jerônimo Gonzalez/MCTI

    Outra iniciativa importante é incentivar as instituições de pesquisa a se abrirem à sociedade. Alguns estudos apontam que muitos cientistas e instituições não têm prática ou infraestrutura de divulgação, de extensão ou de relacionamento com o público. Por isso a importância de as instituições científicas brasileiras investirem na promoção de visitas públicas aos seus laboratórios, museus de ciência, feiras de ciências, além de tornar os seus pesquisadores mais “presentes” também fora do âmbito meramente acadêmico; capacitando-os para a comunicação pública.

    Tantas outras iniciativas importantes — como valorizar e reconhecer cientistas brasileiros como figuras públicas ou em papéis mais visíveis e, sobretudo, garantir orçamentos e apoio institucional e político para divulgação e educação científica — são igualmente relevantes e merecem ser exaltadas. Mas a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, por sua já consolidada existência e reconhecida importância é um patrimônio da ciência brasileira que precisa ser cada vez mais defendida como estratégica política de Estado para se impulsionar um grandioso projeto nacional de desenvolvimento.

    Não há nação desenvolvida e próspera com a população distante da ciência e de seus cientistas.

    Luciano Rezende é professor titular do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Doutor e mestre em Ciências Agrárias é graduado em Agronomia, Geografia, Administração Pública e Letras.

    Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.