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    Cultura

    Dia da Cultura e da Ciência e o legado democrático de Rui Barbosa

    Celebrada em 5 de novembro, a data marca o nascimento do jurista baiano. Hoje, a casa onde viveu Rui Barbosa tem papel central na reconstrução das políticas culturais e no fortalecimento da vida democrática do país

    POR: Alexandre Santini

    8 min de leitura

    Evento O Domingo na Casa de Rui com contação de histórias com Sylvia Castro. Crédito: Reprodução/Instagram/Casa Rui Barbosa
    Evento O Domingo na Casa de Rui com contação de histórias com Sylvia Castro. Crédito: Reprodução/Instagram/Casa Rui Barbosa

    O Dia Nacional da Cultura e da Ciência foi instituído em 1970, e desde então é celebrado anualmente no dia 5 de novembro. O que pouca gente sabe é que a data está relacionada ao dia de nascimento de Rui Barbosa. O artigo 1º da Lei 5.579/70, que institui o dia comemorativo, explicita que “as comemorações a que se refere o presente artigo terão como escopo o Conselheiro Rui Barbosa, nascido a 5 de novembro de 1849”.

    São inegáveis as contribuições e a importância de Rui Barbosa para a vida política, cultural e intelectual brasileira. Jurista, político, diplomata, jornalista, constitucionalista, o baiano Rui Barbosa ajudou a construir pilares civilizatórios cuja defesa e manutenção continuam a exigir permanente vigilância e reafirmação. Democracia, República, Liberdade. Três palavras imensas para abarcar a grandeza das contribuições de Rui Barbosa ao Brasil. A necessidade de voltar a reafirmá-las, nos dias de hoje, revela a atualidade de seu pensamento diante dos desafios contemporâneos.

    Triste ironia da história: uma das consequências dos atos de vandalismo na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 foi a depredação do busto em bronze de Rui Barbosa, pertencente ao acervo do STF. Apesar dos esforços de restauração, houve a opção de manter o busto exposto com o “afundamento” na cabeça, como memória dos atos golpistas e um alerta para futuras gerações.

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    Arquiteto da República, Rui consolidou princípios que continuam essenciais à vida democrática. Artífice da Constituição de 1891, assentou em nosso sistema jurídico fundamentos éticos como o primado da lei, a liberdade de expressão, a presunção de inocência, o instituto do habeas-corpus, a separação dos poderes e a garantia dos direitos individuais. Lutou ao lado dos abolicionistas contra as insidiosas e persistentes tentativas de conferir direitos de indenização aos escravocratas.

    Construiu sua trajetória travando debates públicos, agitando plateias, reunindo pessoas e mobilizando a participação social. Em suas campanhas civilistas, percorreu o Brasil profundo, inaugurando um modelo de campanha eleitoral que vigora até hoje no país. Sua atuação na Segunda Conferência Internacional da Paz em Haia, em 1907, onde defendeu a igualdade jurídica entre as nações soberanas, consagrou o “Águia de Haia” e estabeleceu as bases do multilateralismo nas relações diplomáticas.

    Dos tempos de Rui aos dias de hoje, o Brasil mudou, e com ele seu povo e sua cultura. O dia 5 de novembro segue sendo celebrado como o Dia Nacional da Cultura e da Ciência, mas o contexto destas comemorações ultrapassou os limites do Brasil oficial e chegou ao Brasil real. Já há alguns anos, ou décadas, o povo brasileiro tomou para si a data que também é lembrada hoje nas favelas, quebradas, nos quilombos, nos terreiros, nos diversos cantos e Pontos de Cultura espalhados Brasil adentro, nas pequenas e grandes cidades, nas ruas, e também pelas instituições culturais de todo o país.

    O Brasil caminha, aos trancos e barrancos, para se tornar uma democracia cultural, onde as políticas públicas de cultura podem ter papel decisivo na redução das desigualdades, no enfrentamento à violência, no combate à desesperança e à intolerância, na criação de oportunidades de trabalho e renda e na transformação social.

    Em 2025, celebramos ainda os 40 anos da criação do Ministério da Cultura. Fruto do processo de redemocratização do país, no alvorecer da Nova República. Apesar dos acidentes do percurso — foram três as tentativas de extinção do MinC, em 1990, 2016 e 2022 — a existência e resiliência de um Ministério da Cultura contribuiu para consolidar uma percepção da cultura como um direito, consagrada nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988.

    A volta do MinC em 2023 no governo Lula, sob a liderança da Ministra Margareth Menezes, tem enfrentado um duplo desafio: reconstrução institucional da pasta após um período de extinção e condução desastrosa (entre 2019 e 2022, o titular da pasta da cultura foi trocado sete vezes) e a implementação do maior mecanismo de fomento direto e descentralizado à cultura da história do Brasil, a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB).

    Fruto da Lei 14.399/2022, de autoria da deputada federal Jandira Feghali e aprovada em meio à pandemia e ao pandemônio, sob forte mobilização e pressão de movimentos culturais de todo o país — que se afirmaram como atores políticos relevantes na esfera pública —, a PNAB é uma política cultural universalizante, que garante recursos de até 3 bilhões de reais por ano, distribuídos proporcionalmente a todos os estados e municípios do país. O recurso deve ser investido diretamente no fomento de projetos e atividades culturais através de editais e chamadas públicas. Os números indicam que os recursos desta política pública estão chegando na ponta: em 2025, 100% dos estados e 99,96% dos municípios — 5.593 cidades brasileiras — assinaram termos de adesão à PNAB, garantindo acesso ao financiamento.

    O desafio é aproveitar esta janela de oportunidade para consolidar o Sistema Nacional de Cultura (SNC), um SUS da Cultura que articule a gestão federativa, fomento direto e descentralizado, mecanismos de governança e participação social. É preciso ainda avançar na transversalidade entre as políticas de cultura e as de ciência, tecnologia, educação e comunicação, fortalecer os mecanismos de fomento e incentivo às expressões artísticas e culturais, e, por fim, consolidar a relação indissociável entre cultura e democracia, para que os arroubos do autoritarismo jamais voltem a prosperar no Brasil.

    A Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), fundada em 1966 e vinculada ao Ministério da Cultura desde 1985, é parte deste processo de reconstrução. A Casa Rui, atingida duramente durante o período de retrocesso democrático, volta a ser um lugar de referência da vida cultural da cidade do Rio de Janeiro e do Brasil, reafirmando a sua vocação democrática e se reposicionando junto ao tecido social e cultural da cidade, dialogando com as matrizes que compõem a diversidade cultural brasileira. Entre muitos legados, Rui Barbosa nos deixou este lugar: sua casa. Uma casa de cultura e democracia. E ela chega aos dias de hoje, às vésperas dos 60 anos de sua constituição como fundação pública, se preparando para os desafios do futuro como centro de preservação, pesquisa e produção de conhecimento.

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    Podemos dizer que a Casa Rui vive novos tempos, em um ciclo virtuoso. Conceição Evaristo é a primeira escritora negra a ter seus acervos preservados no Arquivo-Museu da Literatura Brasileira (AMLB), que também se prepara para receber os primeiros acervos de escritores indígenas. Ampliando o alcance de seus eventos presenciais e virtuais, atraindo novos públicos,fortalecendo redes e relações junto à comunidade acadêmica e científica, e ao mesmo tempo dialogando e dando visibilidade às perspectivas epistemológicas e às cosmovisões afro-brasileiras e dos povos indígenas A FCRB retomou e fortaleceu seu programa de bolsas de pesquisa, sua liderança na articulação dos arquivos públicos e em inovações na preservação digital. Após mais de 12 anos sem receber novos servidores, foi realizado concurso público para cargos administrativos, técnicos e de pesquisa. O orçamento anual da Fundação praticamente triplicou, passando de cerca de 6 milhões em 2022, para mais de R$19 milhões ao final de 2025.

    A escritora Conceição Evaristo discursa durante cerimônia na Fundação Casa de Rui Barbosa, que recebeu seu acervo literário e entregou honrarias a personalidades da cultura, Rio de Janeiro (RJ), Foto: Filipe Araújo/MinC

    É nesta casa, reconstruída e renovada, que celebramos que o 5 de novembro, oferecendo a Medalha Rui Barbosa, honraria criada em 1949, a representantes do poder público, da academia, das artes, movimentos sociais e instituições culturais que contribuem para promover o conhecimento, a liberdade, a pluralidade e a memória como bases de uma sociedade mais justa e democrática. Honrando a memória de Rui Barbosa, e buscando compreender, interpretar e indagar, quais seriam suas mensagens e conselhos aos brasileiros do tempo presente.

    Alexandre Santini é presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa (MinC), gestor, produtor cultural e escritor. Mestre em Cultura e Territorialidades pela UFF e doutorando em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC/FGV, integra o Grupo de Pesquisa Cultura & Sociedade, da Fundação Maurício Grabois. Foi secretário das Culturas de Niterói, diretor de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura e diretor do Teatro Popular Oscar Niemeyer. É autor do livro Cultura Viva Comunitária: Políticas Culturais no Brasil e na América Latina.

    *Artigo publicado originalmente com o título Dia da Cultura e legado de Rui Barbosa, no Brasil de Fato, em 05/10/2025.

    **Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

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