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    Socialismo

    Crise ambiental, capitalismo, COP30 e o tempo histórico na luta socialista

    O chamado “capitalismo verde” ou “eco-capitalismo” busca transformar a natureza em ativo financeiro, criando mercados de carbono, selos ecológicos e políticas de compensação ambiental que mascaram a continuidade da exploração

    POR: Luciano Rezende

    8 min de leitura

    Movimentação de pessoas na COP30, em Belém (PA), 10/11/2025. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
    Movimentação de pessoas na COP30, em Belém (PA), 10/11/2025. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

    COP30: por uma concepção para além do tempo “histórico”

    O grande cientista e divulgador científico Carl Sagan, em seu épico documentário Cosmos, apresentou a famosa metáfora do “Calendário Cósmico” para ilustrar a insignificância do tempo humano em relação à existência do universo. Para fins didáticos, ele propôs que toda esta existência do universo (cerca de 13,8 bilhões de anos) fosse comprimida em um único ano, com o Big Bang ocorrendo em 1º de janeiro e o presente momento em 31 de dezembro, à meia-noite.

    Nesse novo calendário, o planeta Terra — com seus aproximados 4,6 bilhões de anos —, surgiria apenas em setembro, com os seus primeiros organismos vivos surgindo somente em outubro. Nesta régua do tempo cósmico dividida em 365 dias, os dinossauros dominariam o planeta só na semana do Natal, sendo extintos no dia 30 de dezembro. O mais impressionante é que toda a história da humanidade — da invenção da escrita até o exato dia de hoje — caberia apenas nos últimos segundos do último dia do ano.

    Com esse recurso didático, Sagan mostra como o ser humano é uma presença recente e minúscula na imensidão do tempo cósmico. Essa comparação nos convida à humildade diante da vastidão do universo e à responsabilidade de cuidar do pequeno ponto azul, nosso planeta Terra, onde toda a nossa história se desenrola.

    Capitalismo, imperialismo e destruição ambiental

    Infelizmente, a humildade não parece ser um dos nossos melhores atributos como espécie, sobretudo nos últimos milésimos de segundo em que o planeta Terra presenciou o surgimento do capitalismo.

    Desde quando aparece como modo de produção dominante, o capitalismo apresenta sua essência elementar fundada na busca incessante pelo lucro e na acumulação contínua de capital. Marx já observava, em O Capital, que o valor produzido pela exploração do trabalho e ampliado por meio da extração da mais-valia, sobretudo da mais-valia relativa, é resultante do aumento da produtividade e da redução do tempo de trabalho necessário. Essa dinâmica, ao submeter todas as esferas da vida à lógica do mercado, converte a natureza em mera fonte de recursos a serem apropriados e transformados em mercadorias. Assim, a racionalidade capitalista, voltada ao crescimento ilimitado, entra em choque com os limites ecológicos do planeta.

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    A partir da primeira Revolução Industrial, essa lógica de expansão tornou-se cada vez mais agressiva. O avanço tecnológico, longe de promover equilíbrio entre sociedade e natureza, foi apropriado pelo capital para intensificar a exploração tanto do trabalhador quanto do ambiente. Como observa John Bellamy Foster, em seu clássico A ecologia de Marx: materialismo e natureza, o capitalismo gera o que ele chama de “fenda metabólica” — uma ruptura entre o metabolismo social humano e o metabolismo natural da Terra —, tornando a destruição ambiental uma consequência inevitável do processo de produção. A natureza, em vez de ser parte integrante da vida social, é tratada como exterioridade a ser dominada e exaurida.

    Para piorar, na fase imperialista do capitalismo, descrita magistralmente por Lenin e aprofundada por autores contemporâneos como David Harvey, essa contradição se intensifica. O imperialismo representa a busca incessante por novos territórios, mercados e recursos naturais, ampliando o caráter destrutivo do capital. Harvey denomina esse fenômeno de “acumulação por espoliação”, evidenciando como a expansão capitalista depende da apropriação violenta dos bens comuns e da degradação ambiental. Os países periféricos tornam-se zonas de sacrifício ecológico, fornecendo matérias-primas e absorvendo os passivos ambientais gerados pelo consumo das nações centrais.

    Na atualidade, o discurso da sustentabilidade surge como tentativa de conciliar crescimento econômico com preservação ambiental. O chamado “capitalismo verde” ou “eco-capitalismo” busca transformar a natureza em ativo financeiro, criando mercados de carbono, selos ecológicos e políticas de compensação ambiental que mascaram a continuidade da exploração. Em vez de romper com a lógica acumulativa, essas práticas apenas a revestem de um verniz moral. Sem espaço para ilusões, é o que veremos predominar nesta COP30.

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    Portanto, a contradição entre o capitalismo e a preservação ambiental não é apenas conjuntural, mas estrutural. Como apontam Marx e Engels, a humanidade não é “dona” da natureza, mas parte dela e sua destruição significa, em última instância, autodestruição. Enquanto o valor de troca prevalecer sobre o valor de uso e o lucro sobre a vida, não haverá verdadeira sustentabilidade. A superação desse impasse exige uma transformação radical das relações de produção e consumo, substituindo a lógica da acumulação pela lógica da existência. Somente um modelo baseado na cooperação, na justiça social e no equilíbrio ecológico poderá assegurar a continuidade da vida no planeta.

    Brasília (DF), 24/08/2024 - Brigadistas do Instituto Brasília Ambiental e Bombeiros do Distrito Federal combatem incêndio em área de cerrado próxima ao aeroporto de Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

    Devastação ambiental após incêndio em área de cerrado próxima ao aeroporto de Brasília, em 24/08/2024. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

    Socialismo como reorganização da vida em harmonia com o planeta

    Para isso, os marxistas têm um enorme desafio pela frente. A análise marxista sobre o capitalismo revelou com precisão a natureza exploratória do sistema e sua contradição com a preservação ambiental. Contudo, limitar-se à crítica das relações de produção e ao desenvolvimento das forças produtivas não basta para compreender o alcance total da crise atual. A destruição ambiental, a mudança climática e o colapso da biodiversidade não são apenas fenômenos a serem analisados numa perspectiva da história humana, mas expressões de um desequilíbrio que atinge a própria dinâmica planetária. Por isso, é urgente que o pensamento marxista rompa com o confinamento de um tempo exclusivamente histórico e se abra a uma compreensão mais ampla — geológica e cósmica — do ser e da matéria.

    Os marxistas, ao buscarem a emancipação humana, precisam reconhecer que o destino da humanidade não pode ser separado do destino da Terra. O materialismo histórico, que explicou magistralmente as contradições sociais, deve agora dialogar com um materialismo “ecológico e cósmico”, capaz de integrar os ritmos profundos da natureza, do planeta e do universo. Em vez de pensar o socialismo apenas como etapa evolutiva das forças produtivas, é preciso concebê-lo como a reorganização consciente da espécie humana em harmonia com os ciclos biogeoquímicos que sustentam a vida.

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    Essa ampliação teórica exigiria um deslocamento da centralidade do “progresso produtivo” para a preservação da biodiversidade como fundamento da economia socialista de novo tipo. A natureza não seria mais vista como um recurso a ser explorado, mas como uma totalidade viva, da qual o ser humano é parte indissociável. Nesse socialismo renovado, o avanço tecnológico não teria como finalidade apenas o aumento da produtividade, mas a restauração dos equilíbrios ecológicos e o fortalecimento das condições que tornam possível a continuidade da vida em sua multiplicidade de formas.

    O desafio, portanto, não é apenas político ou econômico, mas ontológico (sem nenhuma conotação metafísica). Trata-se de reconectar o pensamento revolucionário com o próprio cosmos, compreendendo que a história humana é apenas um breve capítulo de uma narrativa muito mais vasta. O novo horizonte socialista deve incluir o respeito ao tempo da Terra e o reconhecimento de nossa condição cósmica (matéria que se pensa, mas que continua sujeita às leis universais da entropia e da evolução). A emancipação do trabalho, sem a emancipação da Terra, seria incompleta. Um socialismo que não se limite a transformar o mundo humano, mas que aprenda a viver dentro dos limites e da beleza do universo — um “materialismo cósmico dialético”, capaz de unir a consciência de classe à consciência planetária e universal.

    Luciano Rezende é professor titular do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Doutor e mestre em Ciências Agrárias é graduado em Agronomia, Geografia, Administração Pública e Letras.

    Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.