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    Educação

    Novo PNE: reduzir os 10% do PIB pode pôr fim ao sonho da Pátria Educadora

    Proposta tramita no Congresso com emendas que reduzem recursos públicos, ampliam espaço ao capital privado e recuam garantias da educação gratuita e de qualidade

    POR: Bianca Borges

    7 min de leitura

    Estudante segura cartaz com a mensagem “Tira as mãos: 10% do PIB para a educação” durante mobilização em defesa do novo Plano Nacional de Educação (PNE). Crédito: Reprodução / Facebook UNE.
    Estudante segura cartaz com a mensagem “Tira as mãos: 10% do PIB para a educação” durante mobilização em defesa do novo Plano Nacional de Educação (PNE). Crédito: Reprodução / Facebook UNE.

    10% do PIB ou o fim do sonho da Pátria Educadora: o que está em jogo no novo Plano Nacional de Educação (PNE)

    Às vésperas da aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE), o Brasil reencontra uma encruzilhada histórica. O último plano, de 2014, estabeleceu 20 metas para a década seguinte, e a imensa maioria delas não foi cumprida. Dos objetivos traçados, apenas quatro foram plenamente alcançados. As demais naufragaram diante da falta de vontade política, da descontinuidade institucional e, sobretudo, do subfinanciamento crônico que há décadas corrói a educação pública brasileira. A experiência do PNE anterior deixa uma lição inequívoca: metas sem orçamento são promessas vazias. O novo PNE não pode repetir esse erro.

    O texto que tramita no Congresso Nacional (PL 2614/2024) recebeu mais de 1.300 emendas, revelando uma intensa disputa sobre o futuro da educação brasileira. Entre os pontos mais sensíveis está a ameaça de rebaixar a meta de investimento público de 10% para 7,5% do PIB, admitindo ainda o cômputo de até 3,5% de investimento privado. Essa alteração representaria um grave retrocesso em relação ao plano anterior e um golpe no princípio constitucional da educação pública, gratuita e de qualidade.

    O Brasil investe hoje cerca de 5,9% do PIB em educação e apenas 0,9% em educação superior, patamar inferior à média dos países da OCDE. Esses índices são incapazes de universalizar o acesso, assegurar qualidade e enfrentar as desigualdades históricas que estruturam o sistema educacional. Sem financiamento público estável e crescente, nenhum projeto educacional é sustentável.

    O desafio da evasão e o direito à permanência

    O ensino superior sintetiza as contradições do sistema. O país tem cerca de 9,9 milhões de estudantes universitários, mas metade deles não conclui o curso. A taxa média de evasão é de 50%, e entre os mais pobres a situação é ainda mais grave: faltam moradia, alimentação, transporte e bolsas de pesquisa. Mais de 50% dos estudantes das universidades federais vêm de famílias com renda per capita de até 1,5 salário mínimo, segundo dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O acesso foi democratizado, mas a permanência é insuficiente diante da demanda.

    Leia também: O que os estudantes têm a dizer sobre educação e o futuro do Brasil

    O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), criado em 2010 para enfrentar essa realidade, tornou-se lei apenas em 2024. Segundo estimativas da Andifes, seriam necessários pelo menos R$ 2,5 bilhões por ano para garantir as condições mínimas de permanência, valor muito superior ao que tem sido destinado nas leis orçamentárias recentes, que gira em torno de R$ 1,4 bilhão. Sem uma política robusta de assistência estudantil, o sonho de ingresso se transforma, para muitos, em frustração e evasão. Quem entra na universidade sonha em sair diplomado, mas o que se vê hoje é um abismo entre o ingresso e a conclusão.

    A luta da UNE pela regulamentação do PNAES

    A UNE foi protagonista na criação do PNAES, em 2010, e segue na linha de frente de sua defesa. Em 2024, o programa foi finalmente transformado em lei com a sanção da Lei nº 14.914/2024, que estabelece princípios e diretrizes para sua execução no âmbito das instituições federais de ensino superior.

    A aprovação da lei representou uma vitória histórica do movimento estudantil, mas ainda não assegura sua execução como política de Estado. O PNAES segue dependente de dotações orçamentárias anuais, sem fonte vinculada de recursos e sujeito a contingenciamentos. Por isso, regulamentar plenamente o programa continua sendo uma reivindicação central da UNE: é preciso torná-lo obrigatório, permanente e blindado de cortes, com critérios objetivos de repasse e ampliação para as universidades estaduais, que concentram cerca de 40% das matrículas públicas do país.

    Um PNE à altura dos desafios nacionais

    O novo PNE deve ser mais do que uma lista de intenções; precisa configurar-se como uma política de Estado capaz de orientar o desenvolvimento nacional. Isso exige articulação com o recém-sancionado Sistema Nacional de Educação (SNE), valorização dos trabalhadores da educação e integração entre ensino, pesquisa e extensão dentro de um projeto de país soberano, sustentável e tecnologicamente avançado.

    Nesse sentido, a UNE propõe que o novo plano estabeleça um investimento público mínimo de 10% do PIB exclusivamente em educação pública até 2034, com meta intermediária de 8,5% até 2030, e que as despesas educacionais sejam excluídas dos limites do arcabouço fiscal. O PNAES deve ser instituído como política de Estado, com base orçamentária vinculada e execução obrigatória, garantindo expansão e segurança financeira. A expansão da rede pública deve estar articulada ao desenvolvimento nacional, com a criação de um piso mínimo para novas vagas em instituições públicas, priorizando a interiorização e a equidade regional.

    A qualidade educacional precisa ser entendida de forma socialmente referenciada, substituindo o conceito genérico de “qualidade” por parâmetros que incorporem equidade, diversidade, direitos humanos e participação social. A assistência estudantil deve ser reconhecida como dimensão essencial da avaliação da educação superior, integrando os indicadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Além disso, o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) precisa ser implementado em até cinco anos, assegurando padrões mínimos de infraestrutura e qualidade. O ensino noturno deve ser garantido com estratégias específicas para estudantes trabalhadores, e o plano deve conter metas mensuráveis de redução das desigualdades regionais e étnico-raciais.

    Educação pública e soberania nacional

    O financiamento é o eixo que sustenta todas as metas. Sem ele, o novo PNE será letra morta. O Brasil não pode continuar tratando o investimento educacional como despesa ajustável: ele é investimento estratégico, condição para o desenvolvimento sustentável, a reindustrialização, a transição ecológica e a soberania nacional.

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    Não há projeto educacional possível sem financiamento público estável e crescente. Defender os 10% do PIB exclusivamente para a educação pública, como previa a Meta 20 do PNE anterior, é defender o direito de um país sonhar com o próprio futuro. Sem esse compromisso, o novo PNE nascerá mais velho do que nunca, e o Brasil continuará distante do horizonte de um projeto nacional capaz de formar, emancipar e desenvolver seu povo.

    Educação não é custo: é destino. É pela escola pública, pela universidade viva e pela ciência comprometida com o povo que o Brasil poderá enfrentar as desigualdades, reconstruir seu presente e projetar um futuro de autonomia e justiça social. A educação pública é um direito social e um pilar da soberania nacional. O novo Plano Nacional de Educação precisa nascer da participação social e ser executado com seriedade, compromisso e investimento real. Só assim será possível transformar o sonho coletivo de um Brasil educador, justo e soberano em realidade.

    Bianca Borges é presidenta da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE/SP) e candidata à presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE) pelo movimento Canto de Coragem.

    Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

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