Óbvio que o tamanho das bancadas parlamentares tem peso específico considerável em razão da conformação do ringue institucional em que transcorre a política brasileira, tanto quanto a ocupação, além do governo federal, do poder executivo nos níveis estadual e municipal. Por aí, comumente se mede o peso das correntes políticas em presença.
Isto no desenho atual em que, da Constituição promulgada em 1988 aos dias que correm, o poder real do governo da República tem sofrido corrosões significativas, na medida em que parcela dos processos decisórios se transferiram, na prática, crescentemente, para o Parlamento federal, acentuando o peso das bancadas partidárias.
Por exemplo, a adoção das emendas impositivas através de Proposta de Emenda Constitucional, aprovada em 2019, sob o governo de Jair Bolsonaro, praticamente desfez o chamado “presidencialismo de coalizão”, que possibilitava ao presidente da República meios através dos quais obtinha uma espécie de pacto razoavelmente estável no âmbito do Congresso Nacional — incluindo a emissão de medidas provisórias, associadas à prerrogativa exclusiva sobre matérias orçamentárias. Do que resultava boa margem de governabilidade, reduzindo em muito os impactos negativos da fragmentação partidária e mesmo de correlação de forças momentaneamente adversa no Parlamento.
Também “a voz das ruas”, assim denominada a força efetiva dos movimentos sociais, dos sindicatos em particular, tem reduzido seu poder de influência no âmbito de um descenso que enfraquece o campo democrático e popular praticamente em todo o mundo ocidental.
No Brasil, como bem assinalou o dirigente comunista Nivaldo Santana em intervenção especial sobre o tema no plenário do 16º Congresso, é preciso “buscar novas e criativas formas de organização que respondam às profundas mudanças no mundo do trabalho, adotar novos métodos de diálogo com a classe, estudar os meios para desenvolver a consciência de classe, a organização e a capacidade de mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras”.
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A influência da linha política
Consideradas essas variáveis, entretanto, cabe assinalar o peso das correntes políticas na medida em que expressem alternativas táticas a cada conjuntura, tradução do projeto estratégico que propugnam.
Historicamente, como comprovado na experiência brasileira e de outros povos, este é um fator que muitas vezes se faz decisivo. Aí reside trincheira privilegiada da atuação dos comunistas.
Como se constata na história recente do Brasil, desde a superação do regime militar ao complexo desenrolar do conflito político nacional desde então, verifica-se inquestionável contribuição do Partido Comunista do Brasil na construção de alianças políticas largas e eficazes, incluindo no arco-íris partidário o matiz vermelho.
No PCdoB, um marco dessa concepção tática se encontra desde a resolução política da 6ª Conferência Nacional partidária, realizada em 1968, sob as duras condições da luta clandestina, “União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista”.
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Naquela resolução, traduz-se o postulado tático leninista, que indica a construção de alianças políticas as mais amplas possíveis, atraindo para o campo democrático todas as forças passíveis de serem atraídas; neutralizando forças outras que embora desgarradas do campo inimigo não se disponham a integrar a coalizão e, desse modo, isolar, enfraquecer e derrotar o inimigo principal.
Essa concepção – vale conferir – é exposta pelo próprio Lenin de modo magistral em sua obra “Esquerdismo doença infantil do comunismo”, que Renato Rabelo, em artigo, considera “uma enciclopédia da tática e da estratégia do proletariado” (1).
Unidade e luta
Justamente considerando o lugar específico, muitas vezes decisivo, da corrente comunista em sucessivas situações conjunturais, a Resolução Política do 16º Congresso é precisa ao assinalar como tarefa preponderante no desenvolvimento das forças subjetivas do movimento transformador “reposicionar e revigorar o Partido para um novo ciclo de acumulação de forças e elevá-lo à condição de legenda influente no curso da luta política e social, inserção relevante no debate de ideias e na definição de rumos para o país” e assim se tornar um polo aglutinador das forças da esquerda e progressistas (2).
Óbvio que a corrente comunista há que se fortalecer no curso da luta concreta, pugnando pela ampliação de sua representação parlamentar, a presença influente em instâncias de governo e, em dimensão mais elevada, nos movimentos sociais.
Os comunistas são sempre e em todas as circunstâncias embandeirados de uma plataforma unitária, sem contudo, concomitantemente, deixar de afirmar seus próprios propósitos programáticos.
A vida tem comprovado que não há empreitada política de envergadura que dispense o elemento consciente que, permeando distintas formas e circunstâncias, funcione como fio condutor, independentemente até da força orgânica relativa específica entre as diversas correntes aliadas.
Daí a necessidade de superar a discrepância entre a importante e consistente influência do PCdoB no seio da frente ampla e a sua reduzida força orgânica — contradição que se expressa sobretudo no tamanho das bancadas parlamentares nos três níveis federativos.
Elevar a prática cotidiana ao nível programático
Tamanha discrepância não se supera sem uma correta relação entre três linhas de acumulação de forças – a luta de ideias, a presença institucional e a ação de massas. Sob muitos aspectos, acentuando a luta no terreno das ideias.
Daí se considerar que a Resolução Política do 16º Congresso não é propriamente um lugar de chegada, mas antes um ponto de partida, tamanha a dimensão dos desafios postos na ordem do dia em plano mundial e nacional.
O texto, se lido atentamente, mostra-se rigoroso no sentido de evitar conclusões além do nível de compreensão alcançado.
Por exemplo, sublinhe-se o termo transição na caracterização da passagem a um novo desenho geopolítico mundial – em razão de que “a dinâmica de acumulação do capitalismo levou a um acelerado deslocamento territorial/nacional do lócus do dinamismo produtivo, com enfraquecimento relativo do poder dos Estados Unidos, da Europa e do Japão” e, em contraposição, “num mundo em transição, a força do processo de multipolarização se efetiva de modo intenso e célere. O declínio da hegemonia estadunidense e a emergência de novos polos de poder econômico-financeiro, tecnológico, político-diplomático, cultural e militar” – cenário em que se insere a política externa proativa do governo brasileiro.
Do mesmo modo, no que se refere à luta em curso no país, a afirmação de “duas grandes tarefas: conquistar uma nova vitória da nação e da classe trabalhadora em 2026 e realizar mudanças estruturais para impulsionar o desenvolvimento soberano como caminho para o socialismo”.
Em outros termos, a reafirmação do rumo da transformação social de caráter socialista (objetivo estratégico) e um caminho (tático) assentado na busca de um novo projeto de desenvolvimento nacional, fundado em reformas estruturais — agrária, urbana, do sistema educacional, tributária, do Judiciário, etc. — cuja consecução demanda luta popular renhida, persistente e de larga dimensão, podendo resultar em extraordinária elevação do padrão de vida material e espiritual do proletariado e do povo, propiciando consciência política mais avançada, que vislumbre o horizonte socialista.
Para além dos limites do governo
Nesse contexto, ao PCdoB cabe combinar corretamente o empenho na unidade e no dinamismo do governo Lula, do qual participa com relativo destaque, dirigindo com êxito o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com a inarredável afirmação de opinião própria sobre todas as questões relevantes postas na ordem do dia – no melhor espírito leninista, a combinação entre a unidade e a luta, a amplitude e a afirmação do matiz político próprio.
Referências
- Rabelo, Renato. Ideias e rumos. Editora Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2ª edição, São Paulo, 2015.
- Vitória do Brasil em 2026. Mudanças para o desenvolvimento soberano, resolução política do 16º Congresso do PCdoB
Luciano Siqueira foi vice-prefeito do Recife (PE) por quatro mandatos. É membro do Comitê Central do PCdoB e coordenador do Grupo de Pesquisa Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois. Autor do Blog de Luciano Siqueira