Nota da Redação
Centro das recentes investidas dos Estados Unidos contra a China, as terras raras e minerais críticos são elementos estratégicos para o desenvolvimento industrial, tecnológico e para a transição energética — esta última um dos temas centrais da COP30 em Belém, como medida para evitar o aquecimento global.
Assinada por oito pesquisadores experientes em diversas áreas do conhecimento e da vida política nacional, vinculados ao Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Nacional da Fundação Maurício Grabois, a Nota Técnica “Terras raras e minerais críticos na estratégia de desenvolvimento do Brasil” revela as vulnerabilidades da posição atual que o Brasil ocupa nessa disputa e propõe recomendações para uma estratégia nacional que aproveite a potencialidade de nossas reservas.
Cruciais para a produção de baterias para veículos elétricos, turbinas eólicas e aparelhos de ressonância magnética, esses minerais estão presentes em tecnologias utilizadas no dia a dia da população, como smartphones e TVs de tela plana e também foram tema da cúpula do G20, que aconteceu neste final de semana na África do Sul.
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Responsável por mais de 90% da produção mundial desses minerais de acordo com a IEA (Agência Internacional de Energia), a China está em posição dominante neste cenário, enquanto EUA e União Europeia lutam contra a hegemonia chinesa em busca de reduzir sua dependência. Ao final da cúpula do G20, a China anunciou a criação de uma cadeia de mineração verde envolvendo 19 países, em parceria com a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial.
Esse cenário de disputa geopolítica abre uma janela de perspectiva para o Brasil, que possui a segunda maior reserva de terras raras do mundo, mas com capacidade reduzida de produção e processamento. No G20, Lula deixou claro que o objetivo do Brasil não é ser apenas exportador, mas parceiro “na cadeia global de valor dos minerais críticos”.
Leia o resumo executivo nota técnica:
- Terras raras e minerais críticos são elementos essenciais para o desenvolvimento industrial, tecnológico e para a transição energética. Sua distribuição geográfica é altamente concentrada, com a China dominando a produção e, crucialmente, o refino. O Brasil possui a segunda maior reserva de terras raras do mundo, mas a produção e processamento são insignificantes, exportando matéria-prima com baixo valor agregado, o que reproduz vulnerabilidades e dependência;
- A disputa geopolítica por minerais críticos se intensifica, com a China em posição dominante. Estados Unidos e União Europeia (UE) buscam reduzir sua dependência, mas esbarram na hegemonia. Esta competição leva a tensões comerciais e restrições de exportação, tornando a América do Sul, com suas vastas reservas, uma região estratégica;
- O atual modelo do setor mineral brasileiro, focado na exportação de commodities sem agregação de valor, é incompatível com as necessidades do desenvolvimento nacional. A renda minerária é insuficiente e mal direcionada, e as empresas privadas, voltadas ao lucro de curto prazo, não investem na internalização da cadeia de produção. Para reverter isso, é fundamental alterar o funcionamento do setor, aumentar a arrecadação e destinar recursos para pesquisa e desenvolvimento (P&D), com a criação de uma empresa estatal para direcionar e impulsionar o desenvolvimento tecnológico do setor;
- No Brasil, está ocorrendo um aumento significativo no interesse e nos investimentos em pesquisa mineral, especialmente em terras raras, concentrados em estados como Bahia, Goiás e Minas Gerais. O país também desenvolve tecnologias sustentáveis de processamento, mas, além de pouco, é crucial que o poder público direcione esse movimento para garantir os interesses nacionais;
- As recentes iniciativas governamentais são passos iniciais que possuem limites e riscos. A chamada de projetos do Banco Nacional de Desenvolvimento e Econômico e Social (BNDES) da e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) é a iniciativa mais alinhada com o interesse nacional, embora de escala insuficiente. O fundo de investimento com liderança de BDNES e Vale e o estudo encomendado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em parceria com Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e financiamento da União Europeia carregam riscos de captura por interesses privados e estrangeiros, exigindo forte governança pública. A reativação do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM) é um avanço, mas sua atuação precisa ser ágil e orientada pelo interesse nacional;
- Existem várias propostas legislativas de regulação do setor. A principal (Projeto de Lei 2.780/2024), apoiada pelo setor privado, é nociva ao país, pois prioriza interesses empresariais, oferece benefícios tributários sem contrapartidas robustas e não garante soberania ou desenvolvimento tecnológico. Projetos alternativos (PL 4.404/2025, PL 3.699/2025 e PL 3.659/2025) são superiores, propondo instrumentos de controle público, vedação à participação estrangeira e estímulo à industrialização interna, servindo como referência para um marco legal soberano;
- As recomendações para uma estratégia nacional para terras raras e minerais críticos, baseiam-se em oito eixos: 1) controle público da produção via empresa estatal; 2) apropriação soberana da renda para financiar P&D; 3) política tecnológica com transferência de conhecimento; 4) fortalecimento do papel do Estado no financiamento do desenvolvimento; 5) governança pública blindada contra captura estrangeira; 6) inserção internacional Sul-Sul, especialmente com os países do BRICS e América do Sul; 7) rejeição do PL 2.780/2024 e adoção de um marco jurídico garantidor de soberania e desenvolvimento produtivo; 8) política ambiental que assegure soberania hídrica, climática e territorial.
Acesse o texto completo da Nota Técnica Terras raras e minerais críticos na estratégia de desenvolvimento do Brasil

Confira o texto completo da Nota Técnica
Flávia Calé
Historiadora. Doutoranda em História Econômica pelo Programa de Pós-Graduação em História Econômica da Universidade de São Paulo (PPGHE-USP).
Diogo Oliveira Santos
Doutor em Economia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar-UFMG), com período na Leeds University Business School no Reino Unido.
Iago Montalvão
Economista. Doutorando em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp).
David Fialkow Sobrinho
Mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor de Economia da Faculdade Dom Bosco (Porto Alegre-RS).
Marcelo Pereira Fernandes
Doutor em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenador da Coordenadoria de Projetos Especiais do Instituto Pereira Passos (IPP).
Markson Rangel
Mestre em Economia pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e agente de economia política.
Miguel Manso
Engenheiro Eletrônico pela USP. Especialista em Telecomunicações pela Unicamp e em Inteligência Artificial pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Weslley Cantelmo
Doutor em Economia (Cedeplar-UFMG) e pesquisador.