As Lições das Revoluções no Século das Transições Capitalistas e do início da construção do Socialismo – Parte 4
Homenagem aos 100 anos da Invencível Coluna Prestes
A quarta parte da série encerra a análise das transições do capitalismo e das revoluções que marcaram o século passado, destacando o papel de Luís Carlos Prestes nas disputas nacionais. O texto examina alianças políticas, enfrentamentos estratégicos e lições que permanecem vitais diante dos desafios democráticos do presente.
Perdeu alguma das partes anteriores? Confira os textos já publicados:
- Parte I – Nascimento do socialismo e a contrarrevolução fascista
- Parte II – O dólar, o medo do comunismo e o erro britânico
- Parte III – Surpresa com a resistência e o Estado Invencível
Das transcrições dos diários, o testemunho de Getúlio Vargas sobre o papel dos comunistas daqueles tempos
24 de novembro [1935]
“Às 11 horas recebi a notícia de que em Natal havia sido dominada a guarnição e a cidade pelos comunistas. Deram posse a um ‘governo popular revolucionário’. Imediatamente determinei providências para a repressão, com o envio de forças de Recife e da esquadra.”
25 de novembro
“Notícias de Recife. Também aí houve princípio de revolta no quartel do 29º BC, debelada pelo comandante e oficiais. Houve tiroteio e mortos. A situação é séria, mas creio que será dominada com energia e presteza.”
27 de novembro
“3 horas da madrugada. Estou no Catete. Recebi a notícia de que o 3º R.I. da Praia Vermelha se sublevara, prendendo os oficiais e metralhando os que resistiam. O ministro da Guerra [general Góis Monteiro] já saiu para o comando do Leste. A Vila Militar permanece leal. A esquadra também. Tudo está sendo feito para debelar o movimento.
(…) 5 horas. As notícias são más. O 3º R.I. está revoltado com a oficialidade quase toda assassinada. Ainda não se sabe ao certo. O forte de Copacabana também está revoltado e dela atiram sobre o palácio…
(…) 8 horas. A situação é crítica. A revolta alastrou-se… A aviação bombardeia o 3º R.I. e o forte de Copacabana. A oficialidade que foi surpreendida no quartel foi massacrada. É um movimento barbaramente conduzido.”
28 de novembro
“Finalmente, após 24 horas de angústia, a revolta foi debelada. A lealdade da Vila Militar e da Esquadra foi decisiva. O saldo é triste: muitos mortos, oficiais valorosos assassinados pelas costas, um clima de horror. Agora é preciso apurar responsabilidades e extirpar este mal pela raiz.”
4 de dezembro
“Fica patente que o movimento foi bem preparado e de inspiração estrangeira. A ação de Prestes e dos agentes da Internacional Comunista é evidente. Exploraram o descontentamento de alguns setores militares e a ingenuidade de certos revolucionários românticos para tentar impor aqui um regime de terror soviético.”
10 de janeiro [1936]
“A Intentona Comunista, apesar de vencida, mostrou a vulnerabilidade do regime. As leis atuais são brandas demais para crimes desta magnitude contra a Pátria. É imperioso um aparato legal mais rigoroso para defender a nação desta praga.”
TV Grabois: Centenário da Coluna Prestes e a opção de Luís Carlos Preste pelo Partido Comunista; veja.
Anistia, superação e o primeiros contatos entre Getúlio e Prestes em abril de 1945
Com os comunistas no mundo e no Brasil, fortalecidos com a vitória, comandada pelos comunistas e seus aliados, contra o nazifascismo e a derrota de Hitler, ocorre um dos momentos mais fascinantes da história política brasileira, retratada nos diários, que oferece um olhar privilegiado sobre essa tática pragmática e surpreendente de aliança entre Getúlio Vargas e Luís Carlos Prestes.
No final do Estado Novo, Vargas buscou apoio para seguir a Revolução de 1930. Em um cenário de redemocratização pressionada e com a União Soviética como aliada na Guerra Mundial, Vargas, sempre pragmático, viu no PCB de Prestes uma força popular organizada que poderia ser útil em sua estratégia de criar uma “nova era getulista” sob um regime democrático.
Aqui estão as transcrições dos diários de Getúlio Vargas que narram essa aproximação:
19 de abril de 1945:
“Conversei longamente com João Alberto [ex-tenente e interventor getulista, que atuou como intermediário]. É de opinar que devo conceder anistia ampla, para criar ambiente de pacificação e conciliação nacional. A situação internacional assim recomenda, com a vitória das democracias. Prestes e os comunistas sairão da prisão. É um risco, mas talvez seja uma carta útil no jogo político que se inicia. Eles não têm onde cair mortos e poderão apoiar-nos contra os reacionários.”
21 de abril de 1945 (Sobre a Anistia):
“Assinei hoje o decreto de anistia. Libertei todos os presos políticos, comunistas e integralistas. É um gesto de grandeza, que desarma os oposicionistas no exterior e cria para mim uma base de apoio popular. Veremos a reação de Prestes.”
O encontro histórico (Maio de 1945)
O ápice dessa aproximação foi o famoso encontro no Palácio Guanabara em 18 de maio de 1945. A descrição de Getúlio é notável.
18 de maio de 1945:
“Recebi hoje Luiz Carlos Prestes, conduzido por João Alberto e por seu irmão, o almirante Prestes. A entrevista foi cordial. Ele veio agradecer a anistia. Falou com respeito, reconheceu que eu tinha feito a revolução de 30 com um programa nacionalista e que lutara contra o imperialismo. Disse que os comunistas me apoiariam na defesa das liberdades democráticas e contra a reação. Ficou combinado que seu partido terá liberdade de ação e que apoiaremos a convocação de eleições. É curioso o destino: aquele que eu combati ferozmente em 35, hoje vem me prestar homenagem e oferecer apoio. A política tem estas ironias.”
A aliança em construção e o pragmatismo de Vargas
Getúlio via o apoio comunista como uma peça em seu tabuleiro político, útil para pressionar a oposição liberal da UDN e os militares.
25 de maio de 1945:
“Os comícios comunistas agora trazem retratos meus ao lado de Prestes. É uma situação nova e inesperada. Eles são os que defendem com mais vigor a minha permanência e a constituinte com Getúlio. Usam a palavra de ordem ‘Constituinte com Getúlio’. É uma aliança conveniente para ambos no momento: eles saem da clandestinidade e ganham espaço, e eu ganho uma base popular organizada para enfrentar os que querem me derrubar a qualquer custo.”
10 de junho de 1945:
“A UDN e os reacionários atacam-me furiosamente por meu entendimento com os comunistas. Chamam-me de oportunista. Mas são eles que são sectários e intolerantes. Prestes e seu partido reconhecem a obra realizada e são nacionalistas. Neste ponto, temos convergência. Se querem democratizar o país, que aceitem as regras do jogo e não apenas a democratização que lhes convém.”
Os limites da aliança
Vargas nunca perdeu de vista que era uma aliança tática e circunstancial.
15 de julho de 1945:
“Mantendo o apoio dos comunistas, é preciso equilibrar as forças. Não posso ficar refém de uma só facção. É necessário também manter o apoio dos trabalhistas e dos setores nacionalistas das Forças Armadas. Prestes é um aliado útil hoje, mas não se pode esquecer o passado. A política é a arte do possível, do momento.”
Essas entradas dos diários são a prova documental da incrível flexibilidade e astúcia política de Getúlio Vargas e de Prestes, capazes de se reconciliar em defesa da democracia e da soberania nacional, em prol do interesse do povo brasileiro e de isolar o reacionarismo imperialista.
O militante da redemocratização (1945-1990). Anistiado, Prestes elegeu-se senador e liderou um PCB massivo no pós-guerra. Combateu pela volta de Getúlio ao poder, contra as perseguições do período Dutra, ampliou alianças com os trabalhistas e patriotas e apoiou o governo Jango.

Bancada constituinte do Partido Comunista do Brasil (PCB), formada por 14 deputados e 1 senador, em 1946. Na fila superior, da esquerda para a direita: Claudino Silva, Osvaldo Pacheco, Batista Neto, Gregório Bezerra, Alcedo Coutinho, Carlos Marighella e Alcides Sabença. Na fila inferior, Luís Carlos Prestes (senador) aparece ao centro, entre Maurício Grabois e João Amazonas, acompanhados também por Jorge Amado e Abílio Fernandes. A fotografia reúne ainda outros parlamentares da bancada comunista. Crédito: Arquivo [Cortesia: Iconographia]
O fim da URSS e a crise do capitalismo, adiada com a ascensão do neoliberalismo na década de 1970 em diante, abre um período de defensiva para os revolucionários no mundo. Mas não impede, ao contrário, acelera a estagflação, os choques do petróleo, e as disputas interimperialistas novamente se acirram, sob à hegemonia do capitalismo financeirizado e neoliberal, promovido por Thatcher e Reagan.
Esse modelo, que se tornou hegemônico justamente quando Prestes retornava ao Brasil, é marcado por:
• Desregulamentação financeira; domínio do capital especulativo sobre o produtivo.
• Ataque ao Estado de bem-estar; privatizações; flexibilização de direitos.
• Globalização e aceleração dos fluxos globais de capitais e mercadorias.
Prestes resistiu, crítico, ao início dessa onda que desmontava as conquistas sociais que ele havia combatido. Seguiu na luta pela construção de ampla frente, com o povo no centro dessa frente, apoiou Lula e Brizola e deixou grande legado aos revolucionários brasileiros de todos os partidos.
Ensinamentos para os dias de hoje
A vida e as lutas de Prestes deixam um legado complexo e cheio de lições para o presente:
1. A importância da unidade das forças progressistas e da frente ampla: A ANL foi um exemplo bem sucedido de frente ampla, reunindo comunistas, socialistas, tenentes e democratas contra um inimigo comum (o fascismo/integralismo patrocinado pela decadência imperialista). Hoje, frente ao avanço de extremismos, a lição da unidade na diversidade, respeitando diferenças em prol de um objetivo maior, a Frente Ampla é mais vital do que nunca.
2. Os perigos do dogmatismo e da rigidez ideológica: O maior legado crítico de Prestes é talvez o aviso sobre os riscos de se prender a uma visão de mundo dogmática e importada. Ensina-nos que as ideias devem ser ferramentas de análise da realidade, e não um molde rígido ao qual a realidade deve se adaptar.
3. A luta contra as desigualdades é eterna: Seja contra o latifúndio oligárquico dos anos 1920, seja contra a concentração de renda do capitalismo financeiro do século XXI, o cerne da luta de Prestes era a justiça social e a redução das brutais desigualdades brasileiras. Esta bandeira permanece dolorosamente atual.
4. A resistência à opressão: Desde a Coluna até a resistência à ditadura militar, Prestes personificou a resistência inquebrantável. Em uma era onde autoritarismos ressurgem globalmente, sua firmeza é um exemplo de coragem e convicção.
5. A complexidade da mudança social: A trajetória de Prestes mostra que a transformação social não é linear. Envolve erros, acertos, adaptações e, acima de tudo, a compreensão das particularidades nacionais. Não há revolução bem sucedida que seja uma simples cópia de modelos externos.
Luís Carlos Prestes foi um homem do seu tempo, herói nacional, um revolucionário que navegou pelas maiores correntes ideológicas e econômicas do século XX. Sua história é um convite à reflexão: devemos honrar sua coragem e seu idealismo inabalável. Num mundo que novamente vive as profundas transformações no capitalismo imperialista, monopolista e belicista, e de ameaças à democracia, Prestes nos ensina a valorizar a unidade, combater a desigualdade com vigor, mas sempre com um olhar crítico, pragmático e profundamente enraizado na realidade que se deseja transformar.
O Cavaleiro da Esperança permanece como um farol, cuja luz, embora proveniente de um passado distante, ainda ilumina os desafios do presente.
Leia também: Centenário da Coluna Prestes é tema de mesa-redonda na SBPC
Resta ainda salientar a impressionante capacidade de síntese e de previsão de Josef Stalin em seu último trabalho teórico — Problemas Econômicos do Socialismo (1953) — sobre a essência da crise do capitalismo em sua fase de transição ao socialismo:
“É preciso notar que os Estados Unidos e a Inglaterra, junto com a França, contribuíram, naturalmente contra sua própria vontade, para a formação e o fortalecimento do novo mercado mundial paralelo. Promoveram o bloqueio econômico da União Soviética, da China e dos países europeus de Democracia Popular que não entraram no sistema do “Plano Marshall”, pensando com isso asfixiá-los. Na realidade, porém, o resultado foi, não a asfixia, mas o fortalecimento do novo mercado mundial.
Certamente, a causa principal disso reside não no bloqueio econômico, porém no fato de que no período pós-guerra esses países aproximaram-se economicamente e estabeleceram a colaboração e a assistência mútua no domínio da economia. A experiência desta colaboração mostra que nenhum país capitalista poderia prestar assistência tão eficaz e técnicamente de primeira classe.
Trata-se, antes de tudo, de que a base desta colaboração é o sincero desejo de ajudar-se mutuamente e de alcançar a prosperidade econômica de todos.
Como resultado, temos os altos ritmos de desenvolvimento industrial nestes países. Podemos dizer, com certeza, que com tais ritmos de desenvolvimento industrial, esses países em breve não terão mais necessidade de importar mercadorias dos países capitalistas, mas sentirão necessidade de exportar os excedentes de sua produção.
Disto decorre que a esfera de exploração dos recursos mundiais pelos principais países capitalistas (Estados Unidos, Inglaterra, França) não se expandirá, mas, pelo contrário, se contrairá; que piorarão para esses países as possibilidades de venda no mercado mundial e que suas indústrias funcionarão cada vez mais abaixo de sua capacidade.
Justamente nisto consiste o aprofundamento da crise geral do sistema capitalista mundial, em ligação com a desagregação do mercado mundial.”
Passados 100 anos da Coluna Invencível, 80 anos de vitória sobre o nazifascismo, sete décadas de feroz anticomunismo e confusão teórica e ideológica, após o XX Congresso do PCUS, o Partido Comunista da Federação Russa recompõe o legado de Stalin e condena o revisionismo, orienta sua trajetória para unir comunistas e patriotas russos contra a agressão da OTAN e dos EUA, o PC da China comanda a maior revolução tecnológica das forças produtivas e fortalece o socialismo no mundo, o PCdoB promove a frente ampla para isolar e derrotar o fascismo bolsonarista no Brasil, promove a Federação da Esperança com o Partido dos Trabalhadores e o PV, que se fortalece e se une, e mobiliza o Brasil em defesa de sua democracia e soberania, promove e fortalece os BRICS e a aliança internacional para fortalecer o Sul Global.
Leia também: Prisão de Bolsonaro reforça necessidade de frente ampla em 2026, avalia Nádia Campeão
A política de bloqueios, sanções e tarifaços promovidas por Trump contra seus antigos aliados e aos países de todo o mundo, portanto, longe de impedir a aproximação e articulação das nações que buscam sua libertação do regime imperialista, monopolista e fascista, expressão do capital financeiro americano, acelera o estreitamento do mercado para os monopólios imperialistas e agrava a sua decadência, amplia mercados para os países em desenvolvimento, impondo maiores contradições interimperialistas e oportunidades para o fortalecimento dos projetos nacionais, dos países que lutam por sua independência.
Isolar e derrotar a política dos monopólios imperialistas, suas guerras e seu fascismo; levantar com vigor a bandeira da soberania, da democracia e da paz, do desenvolvimento das nações e da defesa do socialismo são as tarefas do nosso tempo, e o PCdoB, temperado com toda sua experiência histórica e agindo no presente com clareza, é o PARTIDO DO FUTURO.
Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois. Engenheiro eletrônico formado pela USP, com especialização em Telecomunicações pela Unicamp e em Inteligência Artificial pela UFV, é diretor de Políticas Públicas da EngD – Engenharia pela Democracia.