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    Cultura

    O Agente Secreto: um filme que fala às emoções e à alma brasileira

    Narrativa de Kleber Mendonça revela afetos e contradições do país em silêncios, humor e imagens marcantes, com Wagner Moura em atuação que acentua a força simbólica do filme

    POR: Walter Sorrentino

    3 min de leitura

    Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho durante as filmagens de O Agente Secreto, em uma das cenas ambientadas em arquivo público. Foto: Victor Jucá / Divulgação
    Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho durante as filmagens de O Agente Secreto, em uma das cenas ambientadas em arquivo público. Foto: Victor Jucá / Divulgação

    Assisti O Agente Secreto e saí tomado por uma emoção difícil de traduzir. Não escrevo como crítico de cinema — não tenho esse ofício —, mas como alguém que deixa a arte atravessar. O filme de Kleber Mendonça Filho me falou diretamente às emoções, à memória e a algo profundo da minha formação como brasileiro. Talvez por isso eu o tenha amado tanto.

    Há ali uma brasilidade que não é apenas retratada: é refratada. O filme desvia, decompõe e devolve ao espectador um Brasil que reconhecemos mesmo quando preferimos esquecê-lo. Digo isso como alguém que precisou se “abrasileirar” pela cultura, quase por escolha, à falta de raízes genealógicas fincadas aqui. Talvez por isso a experiência tenha sido tão intensa: o filme escava aquilo que este povo tem de mais belo: o acolhimento afetivo, a solidariedade, o apego à vida, o lúdico e o sensual. Ao mesmo tempo, revela a violência estrutural e sistêmica que atravessa nossa história social e política.

    Somos um país que cultiva pouco a própria memória. Carregamos o que chamo de esquecimento ativo: um mecanismo para “ir levando”, para sobreviver à dureza da vida. Esse esquecimento é quase um personagem do filme. Kleber o traduz pela eloquência dos silêncios, pela narrativa fractal, pela textura da fotografia, pela respiração da música e por momentos macunaímicos de humor, delírio e poesia popular. Há uma sátira doida da perna cabeluda, marchinha de carnaval, um “alemão” saudado como soldado de Hitler que era um judeu do gueto, imagens que poderiam ter saído de Fellini ou Sorrentino, e que só fazem sentido no caldo da nossa cultura.

    Wagner Moura está um cão — expressão que aqui é elogio absoluto. A interpretação dele costura a oscilação entre o grotesco e o sublime, traço tão nosso. O filme é “de época” e, ainda assim, absolutamente contemporâneo. Como observou o próprio Kleber, enraizado no passado e no presente. Já nasce clássico, tal como Bye Bye Brasil, Central do Brasil e outras obras que ajudaram a contar quem somos.

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    Talvez porque o Brasil seja mesmo para profissionais: território onde as coisas são e não são ao mesmo tempo, onde a lógica e a ilógica convivem, onde luz e sombra se abraçam. É quase mecânica quântica. Só poetas como Jobim, Gil e Caetano captam plenamente esse país e esse filme bebe dessa mesma fonte.

    Se vai ao Oscar? Talvez. Se importa? Não muito. O que realmente importa é a força desse cinema brasileiro que insiste, resiste e revela, com arte e técnica, a complexidade de um povo que não cabe em sínteses fáceis.

    Ainda preciso descobrir por que recebeu este título. Enquanto isso, celebro Kleber Mendonça Filho e todos os que fazem o nosso cinema pulsar.

    Viva o cinema brasileiro!

    Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois.

    Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.

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