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    Ecocivilização socialista: um livro para entender a experiência chinesa

    Obra de Zhang Yongsheng formula conceitos, estratégias, analisa as políticas públicas, os instrumentos econômicos e as reformas institucionais que tornam possível a transformação ecológica na China. Fundação Maurício Grabois e Cebrach lançam edição em português em 2026

    POR: Walter Sorrentino*

    12 min de leitura

    Uma zona de proteção verde construída ao longo do rio propenso a inundações na cidade-esponja de Qian'an, em Hebei. Foto: Mu Yu/Xinhua
    Uma zona de proteção verde construída ao longo do rio propenso a inundações na cidade-esponja de Qian'an, em Hebei. Foto: Mu Yu/Xinhua

    Modernização ecológica chinesa e sua relevância para o Brasil

    A Fundação Maurício Grabois, em parceria com o Centro de Estudos Avançados Brasil-China (Cebrach), publicará a edição em português do livro Perspectiva Ecológica da Modernização Chinesa, de Zhang Yongsheng. A obra teve os direitos cedidos pela Editora Chongqing, com quem a Grabois tem convênio editorial, e o estímulo da CASS – Academia de Ciências Sociais da China, também conveniada.

    O livro é parte da coleção Seis Perspectivas da Modernização Chinesa e foi traduzido ao espanhol pela CLACSO – Conselho Latino-americano de Ciências Sociais. Serão seis títulos ao todo, traçando um panorama da modernização chinesa, entronizada no âmago do 15º Plano Quinquenal da China.

    A obra em português chegará ao público brasileiro no início de 2026, num momento de profunda reflexão nacional sobre o futuro do planeta. Este ano marcou o amadurecimento da agenda ambiental no Brasil, com a realização da COP30 em Belém, ocasião em que o país voltou seus olhos para a Amazônia e reafirmou seu compromisso com o enfrentamento da crise climática, liderado pelo presidente Lula.

    A Grabois tem ampliado nos últimos anos sua preocupação com a agenda da sustentabilidade. O tema ambiental deixou de ser uma questão periférica para tornar-se central para a consecução de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento e para a perspectiva socialista – dois temas no centro da tela do radar da Grabois.

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    A Fundação compreende que a transformação ecológica se situa, em essência, como uma questão social e política atinente a um novo modelo societário, a partir da crítica marxista ao modo de produção capitalista e de sua lógica destrutiva entronizado na civilização industrial.

    Essa compreensão levou à criação do Grupo de Pesquisa sobre Transformação Ecológica e Diversificação Energética, que estudou coletivamente este livro de Zhang Yongsheng, reconhecendo nele uma contribuição fundamental para a formulação de um modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável como um dos fundamentos de um programa socialista do século XXI.

    Os encontros do grupo de estudos foram transmitidos pela TV Grabois. Clique aqui para ver os vídeos

    A obra, traduzida para o português, oferecerá aos leitores brasileiros uma oportunidade de conhecer o pensamento da civilização ecológica que emerge da experiência chinesa de modernização socialista.

    Os leitores brasileiros já estão familiarizados com importantes autores marxistas que tratam da questão ambiental – Andreas Malm, Ian Angus, Mike Davis, John Bellamy Foster, Jason W. Moore, Michael Löwy, Kohei Saito entre outros – cujas obras circulam entre militantes, pesquisadores e ambientalistas da esquerda política e social. Todos contribuíram para fundar uma crítica radical ao capitalismo e à Civilização Industrial, baseada na energia fóssil e no produtivismo e consumismo. Trouxeram para o centro do marxismo contemporâneo a reflexão sobre a crise metabólica entre sociedade e natureza, formulada originalmente por Karl Marx nos Manuscritos Econômico-Filosóficos e desenvolvida em O Capital.

    Leia também: Crise climática e civilização ecológica: debate entre marxismo e ecologia

    Entretanto, pouco ainda se conhece no Brasil sobre a literatura marxista chinesa, particularmente sobre o conceito de “Civilização Ecológica”, que constitui uma das categorias mais inovadoras da teoria socialista contemporânea. É justamente esse conceito que Zhang Yongsheng explora com profundidade e originalidade em Perspectiva Ecológica da Modernização Chinesa.

    O autor parte da constatação de que o desenvolvimento chinês, sob a direção do Partido Comunista da China (PCCh), ingressou em uma nova fase: a da modernização ecológica, na qual a busca por prosperidade material está subordinada ao equilíbrio entre homem e natureza. Para Zhang, a “civilização ecológica” não é uma adição tardia ao socialismo, mas o seu aperfeiçoamento histórico, resultado da transição de um modelo centrado na expansão industrial para outro que reconhece os limites naturais e as necessidades futuras da humanidade. Considera que o meio ambiente saudável é um dos bens mais equitativos para promover o bem estar social.

    O livro formula conceitos, estratégias, analisa as políticas públicas, os instrumentos econômicos e as reformas institucionais que tornam possível a transformação ecológica na China, articulando planejamento estatal, inovação tecnológica verde e novas formas de participação social. Em linguagem clara e rigorosa, Zhang demonstra que a modernização socialista só pode ser autêntica se for também ecológica, apontando para uma nova síntese entre o desenvolvimento das forças produtivas e a preservação dos ecossistemas, ao lado de uma transição energética que limite a pegada de carbono na China e em todo o mundo.

    Caminhos socialistas para a transição ecológica no mundo e no Brasil

    Não existe um modelo único de transformação social, nem de construção do socialismo, e o mesmo vale para a transição ecológica. Como bem registrou Lênin, cada formação social e histórica deve partir de suas particularidades e construir seu próprio caminho, a partir de uma análise concreta da realidade concreta. A questão ecológica, portanto, deve ser compreendida à luz das condições específicas de cada país, de suas tradições culturais, estruturas econômicas e formas de luta política.

    Nos países do Norte Global, a esquerda política e social e as forças progressistas têm enfatizado, com razão, a crítica ao produtivismo. Na Europa, os partidos comunistas defendem a estatização ou reestatização das empresas de energia, concebendo a energia como um bem público essencial e um instrumento estratégico de soberania nacional e de justiça ambiental. O Partido Comunista Francês (PCF), por exemplo, propõe a descarbonização total da matriz elétrica e considera a energia nuclear como uma via para garantir segurança energética e reduzir emissões. Alguns chegaram a um impasse extremo, que aprofunda a contradição entre melhorar a vida do povo com desenvolvimento e ter sustentabilidade ambiental, como no caso de Alberto Garzón, que defende abertamente o “decrescimento” perante as limitações ecológicas do planeta.

    Na América Latina, o diálogo entre o pensamento marxista e as epistemologias dos povos originários também tem produzido inovações teóricas: o princípio do “Bem Viver” e o reconhecimento do Direito da Natureza foram incorporados às Constituições da Bolívia e do Equador, inspirando também o Partido Comunista do Chile, que defende a inclusão desse direito na Constituição democrática de seu país. Já o Partido Comunista da Colômbia tem sido uma voz firme contra o extrativismo predatório do petróleo e do carvão.

    O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) tem a questão da sustentabilidade ambiental e a defesa da Amazônia como patrimônio soberano da nação, também alvo de um projeto de desenvolvimento econômico e social, como um dos pilares de um novo projeto nacional de desenvolvimento.

    Não se trata de desqualificar essas abordagens, cada uma reflete uma forma concreta de enfrentar a temática estratégica e complexa da defesa do planeta e do progresso frente aos desafios ambientais de sua própria formação econômico-social. Melhor é refletir criticamente sobre o que as une: o reconhecimento de que a crise ecológica é uma expressão agônica da contradição fundamental entre a lógica do capital e a natureza, e que a superação dessa contradição só pode se dar por meio de uma transformação socialista de novo tipo.

    Daí a inovação conceitual que o livro de Zhang Yongsheng representa, refletindo a experiência chinesa: pôs a questão ecológica em novo patamar histórico-cognitivo. Supera, não nega; nega a negação, para afirmar a centralidade ineludível de sanar a crise ambiental.

    Três dimensões para um desenvolvimento sustentável de novo tipo no Brasil

    Por tudo isso, a tradução para o português de Perspectiva Ecológica da Modernização Chinesa é um acontecimento editorial e político relevante. Ao tornar acessível o pensamento ecológico chinês, ela introduz no debate brasileiro uma nova gramática política – a da Civilização Ecológica – que pode renovar nossa própria tradição de planejamento e desenvolvimento.

    O Brasil tem diante de si o desafio de conceber um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, capaz de articular soberania, democracia, desenvolvimento, valorização do trabalho, integração com seus vizinhos sul-americanos e sustentabilidade. Tal projeto não pode repetir o velho desenvolvimentismo do século XX, que, embora tenha impulsionado a industrialização e o progresso social, também está levando à destruição do planeta, que afeta toda a humanidade.

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    Um desenvolvimento de novo tipo pode superar a falsa oposição entre crescimento econômico e equilíbrio ambiental, levar ao reencontro da sociedade com a natureza, unindo ciência, cultura e política em torno de uma nova ética civilizatória. O conceito de Civilização Ecológica pode oferecer os fundamentos teóricos para essa reconstrução, articulando o planejamento socialista com as urgências ecológicas do nosso tempo.

    O Grupo de Pesquisa sobre Transformação Ecológica e Diversificação Energética no âmbito da Grabois, compreende que esse desenvolvimento de novo tipo no Brasil precisa necessariamente conciliar três dimensões complementares: adaptação, mitigação e regeneração.

    Por adaptação, ou seja, a capacidade do Estado brasileiro de formular e implementar políticas públicas de larga escala que preparem nossas cidades e territórios para enfrentar os eventos climáticos extremos provocados pelas mudanças do clima. Não podemos aceitar que tragédias como as que atingiram Porto Alegre, Petrópolis, Rio Bonito do Iguaçu e tantas outras cidades se repitam. A adaptação, em sentido marxista, significa planejar a transformação ecológica com progresso e proteção da população trabalhadora e das regiões vulneráveis, não deixando que o peso da crise recaia sobre elas. Tais políticas condizem com um novo urbanismo e com cidades inteligentes – já lideradas pela China socialista.

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    Ao mesmo tempo, as medidas de mitigação são urgentes e inadiáveis. Entre elas, destaca-se a diversificação energética, isto é, a substituição progressiva e planejada dos combustíveis fósseis por fontes renováveis e limpas. Trata-se de uma transição que requer investimento público e tecnológico massivo, capaz de promover a inovação industrial e garantir segurança energética para a soberania nacional. Por isso, os recursos do petróleo do presente precisam financiar os combustíveis do futuro – transformando uma riqueza finita em alicerce de um futuro sustentável e solidário.

    Por fim, a dimensão da regeneração. É necessário promover uma grande política nacional de reflorestamento, restauração e preservação florestal, para conferir-lhe valor econômico, recuperar biomas degradados, valorizar econômica e socialmente a biodiversidade, proteger as comunidades que cuidam da terra, garantindo direitos como a demarcação de terras indígenas e o desmatamento zero até 2030. Regenerar, nesse contexto, não é apenas reparar o dano causado, mas projetar um novo futuro.

    Ecocivilização socialista: um horizonte estratégico para o século XXI

    Em síntese, este livro de Zhang Yongsheng, e sua publicação pela Fundação Maurício Grabois com apoio do Cebrach, representa mais um passo na renovação do marxismo no século 21, partindo da renovação teórica e prática promovida pela China. O conceito chinês de civilização ecológica é um instrumento de reflexão crítica de valor universal que cada povo aproveita segundo sua realidade concreta e histórica.

    Ao mesmo tempo, o modelo chinês pode aproveitar a experiência brasileira em políticas ambientais e energéticas, que fizeram do Brasil um dos países com a matriz energética mais renovável do mundo, baseada em biocombustíveis, hidroeletricidade e energia solar em expansão.

    A leitura deste livro, quando chegar às mãos dos brasileiros, convida à prática da construção – brasileira, latino-americana e universal – de um socialismo que abra caminho à eco-civilização do século XXI, capaz de reconciliar o ser humano e a sociedade com o meio ambiente e de afirmar, contra o desespero do capitalismo em crise, a esperança revolucionária de uma nova civilização.

    Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois.

    *Colaborou com o artigo, Theófilo Rodrigues.

    *Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.

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