A consagração da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e o desconto decrescente para quem ganha de R$ 5 mil a R$ 7 mil, cumprindo promessa de campanha do presidente Lula, só foi possível após o contra-ataque do povo, nas ruas, contra o Congresso, que pretendia aprovar a PEC da Blindagem ou da Bandidagem. Acuado, o Congresso dominado pelo Centrão e a extrema-direita bolsonarista, não teve outra escolha senão ceder à pauta da isenção do IR incluída nas manifestações de 21 de setembro. A sanção da lei do IRPF ocorreu em 26 de novembro com a ausência dos presidentes da Câmara e do Senado.
A guerra do Congresso contra o povo e contra o governo Lula não acabou. Vide a inclusão na pauta e a aprovação relâmpago, na madrugada desta quarta-feira (10), do PL da Dosimetria, que reduz penas por tentativa de golpe e beneficia Bolsonaro e condenados do 8 de janeiro. Há mais exemplos: a derrubada dos vetos do presidente Lula à nova lei de licenciamento ambiental, que abre espaço para a “nova passada da boiada”; a tentativa de limitar a atuação da Polícia Federal no projeto de lei de combate ao crime organizado (PL 5582/2025); e a criação de dificuldades para a aprovação da indicação, pelo presidente Lula, do ministro Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal (STF).
É hora, portanto, de preparar novo contra-ataque do povo, nas ruas, não só para impedir as pautas-bomba do Congresso, mas, principalmente, para conquistar mais uma vitória: o fim da escala 6×1.
Apresentamos neste artigo alguns argumentos econômicos para contribuir no debate sobre a mudança nos limites da jornada de trabalho. Antes, vale a pena lembrar da crítica que Marx fez à falácia de Nassau Senior.
Crítica de Marx à falácia de Senior
Em 1833, o parlamento britânico aprovou uma lei, a Factory Act, limitando a jornada de trabalho de crianças de 8 a 13 anos em no máximo 8 horas por dia e 48 horas semanais. E de adolescentes de 13 a 18 anos, em 12 horas por dia e 72 horas semanais, ambas na escala 6×1. Mas a pressão popular para reduzir ainda mais essa jornada continuava. Desta vez para limitar a jornada máxima em “apenas” 10 horas por dia para jovens até 18 anos e para as mulheres. Por isso, em 1836, Nassau Senior, um professor de economia política da prestigiada Universidade de Oxford, foi chamado para defender os capitalistas com seus argumentos. Após calcular a receita com as vendas da produção das fábricas de tecido e descontar todos os custos, chegou a um lucro líquido de 10%. A falácia foi dizer que esse lucro era gerado na última hora de trabalho, e que a redução da jornada de trabalho de 12 para 10 horas, uma queda de 20%, não apenas eliminaria o lucro, como traria prejuízo para as fábricas. Felizmente, os argumentos não convenceram os trabalhadores que seguiram pressionando o parlamento, até que, em 1847, foi aprovada a “Ten Hours Act”, limitando as jornadas de trabalho em 10 horas para mulheres e jovens menores de 13 a 18 anos.
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No Livro I de O Capital, Marx desmascara o argumento de Senior, mostrando que, com a redução da jornada de 12 para 10 horas, se houvesse uma redução proporcional em 20% na produção, as empresas gastariam menos com: matérias-primas, carvão para a energia, a depreciação do capital fixo etc., portanto os custos totais também iriam diminuir. Sabendo que seu conceito de mais-valia absoluta vale tanto quando a jornada de trabalho aumenta quando quando ela cai, Marx reconheceu que os lucros provavelmente também cairiam, mas continuaram positivos. Além disso, Marx observou que a queda da mais-valia absoluta, portanto dos lucros, seria proporcionalmente menor do que a queda da jornada de trabalho, porque certamente possibilitaria um aumento da produtividade do trabalho em cada uma das dez horas restantes de trabalho, pois as mulheres e jovens ficariam menos extenuados.
A luta pela redução da jornada de trabalho no Brasil
A jornada máxima de trabalho de 48 horas semanais, 8 horas por dia, na escala 6×1, foi estabelecida no Brasil em 1932, através do Decreto nº 21.186, de 22 de março de 1932, apenas para os trabalhadores do comércio. Em 1º de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) contemplou todos os assalariados com aquele limite. A Constituição Federal de 1988 baixou o limite para 44 horas semanais, mantendo a escala 6×1. Os quarenta e cinco anos que separam a CLT da CF de 1988 foram justamente o período em que a produtividade do trabalho cresceu mais rápido no Brasil.
Na última segunda-feira (8), o presidente Lula escalou o ministro Secretaria-Geral, Guilherme Boulos, para articular no Congresso e na sociedade a luta pela limitação da jornada de trabalho na escala máxima 5×2, com até 40 horas semanais e 8 horas por dia. Foi a opção politicamente mais realista para o movimento popular organizado e para o governo Lula em vez de tentar uma escala 4×3 com 35 horas, por exemplo, mesmo que ela seja mais justa. A vitória depende da amplitude do movimento político e, para isso, a causa precisa ser considerada por amplas massas do povo como justa e factível.
Empresários e a direita poderão apresentar argumentos parecidos com os de Senior, na Inglaterra do século XIX, para dizer que a medida vai trazer prejuízo para as empresas. Talvez gritem: “Viva a liberdade!” para defender o contrário, ou seja, a revogação desta e de outras regulações do mercado de trabalho a favor dos trabalhadores. Porém, argumentos não faltam a favor da proposta defendida pelo governo Lula.
Primeiro, a produtividade do trabalho por hora trabalhada no Brasil aumentou 45,6% de 1990 até 2025 (ver gráfico 1). Entretanto, a passagem de 44 para 40 horas representa uma redução de apenas 9,1% na jornada máxima de trabalho atual.
Gráfico 1: Produtividade do trabalho por hora trabalhada no Brasil medida em US$ de 2025 por Paridade de Poder de Compra (PPC) – índice 1990 = 100

Evolução da produtividade do trabalho por hora trabalhada no Brasil, medida em dólares constantes de 2025 por Paridade de Poder de Compra (PPC). A linha tracejada em vermelho representa a tendência linear de crescimento da produtividade do trabalho ao longo do período, indicando o comportamento médio de longo prazo, enquanto a linha contínua em azul mostra as flutuações reais observadas ano a ano. Crédito: elaboração do autor com base no Total Economy Database – Output, Labor and Labor Productivity. Fonte: The Conference Board.
Um alerta importante. Como pode ser observado na linha azul do gráfico 1, o crescimento da produtividade não é linear, como seria na reta tracejada em vermelho. Há momentos em que o índice cai. Com o desenvolvimento das forças produtivas, em particular da tecnologia e da capacitação da força de trabalho, no longo prazo a produtividade do trabalho cresce. Então por que há períodos como entre 1991 e 1992, de 1997 a 2001, em 2009, de 2014 a 2016 e de 2020 a 2022 que a produtividade do trabalho por hora trabalhada caiu? Afinal, a experiência no trabalho gera o “learning by doing” (aprender fazendo) e sempre que as empresas trocam suas máquinas velhas, as novas são mais modernas e eficientes — assim como acontece com nossos smartphones, computadores pessoais e automóveis. Os trabalhadores não desaprendem o trabalho que aprenderam, muito menos as empresas trocam máquinas modernas e mais eficientes por máquinas obsoletas ou ferramentas arcaicas.
A queda da produtividade é resultado da menor intensidade do trabalho, causada pela necessidade de diminuir o ritmo de produção, diante de uma queda (ou diminuição do ritmo de crescimento) da demanda. Há três causas principais para isso:
1) uma crise cíclica típica das economias capitalistas;
2) uma política governamental contracionista ou que prejudique o desenvolvimento econômico; e
3) um choque externo ou não econômico como foi a crise do subprime vinda dos EUA em 2009 ou a crise da pandemia da Covid-19 em 2020-2021.
Políticas econômicas equivocadas (principalmente) e choques externos não faltaram na economia brasileira desde 1990, e impediram que o crescimento da produtividade do trabalho por hora trabalhada tivesse sido bem superior aos 45,6%.
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Segundo argumento: os custos com a força de trabalho (salários mais encargos trabalhistas) representaram apenas 9,5% das receitas totais das empresas industriais [1] e de 7,6% das empresas comerciais [2] do Brasil em 2023, segundo dados fornecidos pelas empresas para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Estudo baseado na PIA-IBGE de 2000, com dados desagregados, mostrou que há grande diferença da participação percentual da folha de pagamento nos custos totais (não da receita como os dados citados acima) na indústria de transformação, e que eles são inversamente proporcionais ao número de pessoal empregado na empresa, indo de 22,3% (acima de 145 empregados) a 41,8% (abaixo de 13 empregados) [3].
Considerando, por hipótese, que o custo médio da força de trabalho fosse de 1/3 (33%) do custo total — que inclui também o custo de reposição do capital, os impostos etc.—, a redução da jornada de trabalho em 9,1% implica em um aumento dos custos em 3% (o impacto percentual sobre a receita total seria menor). É um valor muito baixo que, certamente, será mais do que compensado pelo aumento da produtividade do trabalho ao longo da semana. Principalmente para assalariados que trabalham de segunda a sexta, 8 horas por dia, mas no sábado são obrigados a sair de casa, pegar o transporte coletivo, as vezes por horas, para trabalhar apenas 4 horas e voltar para casa. Sem falar no tempo perdido de produção para ligar e desligar tudo. Mesmo no caso de quem trabalha atualmente 44 horas, divididas igualmente na escala 6×1, ou seja, 7h20m todos os dias, e que, se lei for aprovada, irá trabalhar 40 horas semanais, 8 horas diárias, na escala 5×2, deverá haver suficiente ganho de produtividade para compensar a redução na jornada de trabalho semanal.
O terceiro argumento é que a jornada média de trabalho no Brasil já é de 39 horas. A CLT define jornadas semanais máximas ainda menores para algumas categorias, por exemplo: 30 horas para os jornalistas e 20 horas para os médicos. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a jornada de trabalho média entre todos os países do mundo e da América do Sul é 39 horas como no Brasil. Nas vinte maiores economias do mundo, a jornada média é de 38 horas (ver Gráfico 2), enquanto nos países membros da OCDE é de 36,8 horas.
Gráfico 2: Jornada média de trabalho semanal nos países do G-20, do Mundo e da América do Sul

Comparação da jornada média semanal de trabalho em horas entre diferentes grupos de países. Crédito: elaboração do autor a partir de dados do Statistics on working time (ILOSTAT). Fonte: Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Para concluir, é importante destacar que, politicamente, o governo Lula só tem a ganhar ao apresentar e defender no Congresso projetos de lei de interesse popular, justos, factíveis e não populistas. Esse foi o caso da isenção do IR até R$ 5 mil que beneficiou 20 milhões de contribuintes, além de outros 5 milhões pelos descontos para quem recebe de R$ 5 mil a R$ 7 mil, com a compensação na arrecadação exigida de apenas 141 mil contribuintes mais ricos do Brasil, que antes quase não pagavam Imposto de Renda e agora terão que pagar até 10% dos seus ganhos financeiros.
O mesmo vale para a proposta de redução da jornada máxima semanal para 40 horas, na escala de cinco dias de trabalho por dois de descanso. Se a direita impuser a rejeição do projeto de lei no Congresso, perderá espaço para a esquerda nas eleições de 2026, o que será positivo para um próximo mandato de Lula. Por isso, o mais provável é a aprovação do projeto por ampla margem.
Obviamente, não faltam críticas, inclusive a de que o governo estaria promovendo polarização política. Trata-se do mesmo tipo de polarização que existiu entre aqueles que eram a favor e aqueles que eram contra a abolição da escravidão.
Notas
[1] ver IBGE. PIA-Empresa – Pesquisa Industrial Anual – Empresa.
[2] Ver IBGE. PAC – Pesquisa Anual de Comércio.
[3] NORONHA, Eduardo G.; DE NEGRI, Fernanda; ARTUR, Karen. Custos do trabalho, direitos sociais e competitividade industria. In: DE NEGRI, João Alberto; DE NEGRI, Fernanda; COELHO, Daniel. (orgs.). Tecnologia, exportação e emprego. Brasília: Ipea, 2006, p.161-201.
Sinival Pitaguari é professor de Economia na Universidade Estadual de Londrina (UEL), doutorando em Economia na UnB. Integra o quadro de professores da Escola Nacional João Amazonas, do PCdoB.
*Este é um artigo de opinião. As ideias expressas pelo autor não necessariamente refletem a linha editorial da Fundação Maurício Grabois.