Faleceu, no dia 4 de dezembro, no Canadá, o jovem marxista norte-americano Asad Haider. Filho de imigrantes paquistaneses, doutor em História da Consciência pela Universidade da Califórnia, Santa Cruz, e professor da Universidade York, Haider era uma das mais efervescentes mentes do marxismo contemporâneo.
Confesso que meu primeiro contato com seu pensamento não foi dos melhores – talvez mais por culpa de alguns de seus divulgadores do que de sua obra propriamente dita. O nome de Haider chegou ao Brasil por volta de 2019, quando a Editora Veneta publicou seu principal livro, Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. Naquele momento, avançavam na esfera pública brasileira leituras distorcidas sobre o fenômeno das lutas por reconhecimento. Entre os inúmeros trabalhos dessa linha conservadora estava Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária, do antropólogo baiano Antonio Risério.
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Essa interpretação – segundo a qual a esquerda brasileira teria se tornado “fascista” em razão das lutas por identidade – levou Risério, e outros intelectuais, a assumirem posições muito próximas de um conservadorismo de esquerda. Nesse contexto, alguns simpatizantes de suas ideias tornaram-se também divulgadores do livro de Haider nas redes sociais.
Como tento evitar o “não li e não gostei” — frase atribuída a Oswald de Andrade quando questionado sobre um livro de José Lins do Rêgo — comprei o livro de Haider em 2020. A surpresa positiva foi perceber que aqueles “conservadores de esquerda” provavelmente não o leram. Haider não era um adversário das lutas por igualdade racial ou de gênero, ao contrário do que certos comentaristas propagavam de forma simplista.
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O que Haider propõe não é invisibilizar as diversas opressões que atravessam as sociedades contemporâneas, mas construir laços de solidariedade entre essas lutas, evitando sua fragmentação e dispersão. Ele rejeita a luta atomizada e aposta na emancipação universal.
É certo que, no Brasil, existem intelectuais e movimentos de orientação liberal que operam numa lógica estritamente “identitária”, isto é, que desconectam a luta por reconhecimento da luta por redistribuição – para usar a linguagem de Nancy Fraser. Mas seria um equívoco afirmar que a maior parte da esquerda brasileira esteja enjaulada nesse tipo de pensamento. Quando a União Brasileira de Mulheres (UBM) trata da questão de gênero, o faz a partir da lógica da emancipação humana; o mesmo vale para a União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro) ao enfrentar a questão racial.
Haider dialoga com autores como Marx, Engels, Althusser, Badiou, Balibar, Hall, Gilroy e Brown, apontando para a complexidade de seus aportes e para sua atualidade. Seu marxismo insurgente critica o capitalismo enquanto projeta, com esperança, sua superação – e a conquista da emancipação universal.
Seu desaparecimento empobrece o debate público contemporâneo. Mas sua obra permanece – e seguirá inspirando as lutas por um mundo mais livre e igualitário.
Veja entrevista que Asad Haider concedeu à Dani Balbi (PCdoB-RJ), em 2021, na TV Grabois:
Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM e coordenador do Grupo de Pesquisa da FMG sobre a Sociedade Brasileira.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.