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    Socialismo

    O marxismo perde Asad Haider

    Crítico marxista da política identitária, o norte-americano foi frequentemente tomado como adversário das lutas por igualdade racial ou de gênero, uma leitura equivocada de sua obra.

    POR: Theófilo Rodrigues

    3 min de leitura

    Fonte: https://www.abrilabril.pt/internacional/asad-haider-emancipacao-e-sempre-universal
    Fonte: https://www.abrilabril.pt/internacional/asad-haider-emancipacao-e-sempre-universal

    Faleceu, no dia 4 de dezembro, no Canadá, o jovem marxista norte-americano Asad Haider. Filho de imigrantes paquistaneses, doutor em História da Consciência pela Universidade da Califórnia, Santa Cruz, e professor da Universidade York, Haider era uma das mais efervescentes mentes do marxismo contemporâneo.

    Confesso que meu primeiro contato com seu pensamento não foi dos melhores talvez mais por culpa de alguns de seus divulgadores do que de sua obra propriamente dita. O nome de Haider chegou ao Brasil por volta de 2019, quando a Editora Veneta publicou seu principal livro, Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. Naquele momento, avançavam na esfera pública brasileira leituras distorcidas sobre o fenômeno das lutas por reconhecimento. Entre os inúmeros trabalhos dessa linha conservadora estava Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária, do antropólogo baiano Antonio Risério.

    + Morre Asad Haider, pensador marxista crítico da política identitária

    Essa interpretação segundo a qual a esquerda brasileira teria se tornado “fascista” em razão das lutas por identidade levou Risério, e outros intelectuais, a assumirem posições muito próximas de um conservadorismo de esquerda. Nesse contexto, alguns simpatizantes de suas ideias tornaram-se também divulgadores do livro de Haider nas redes sociais.

    Como tento evitar o “não li e não gostei” — frase atribuída a Oswald de Andrade quando questionado sobre um livro de José Lins do Rêgo — comprei o livro de Haider em 2020. A surpresa positiva foi perceber que aqueles “conservadores de esquerda” provavelmente não o leram. Haider não era um adversário das lutas por igualdade racial ou de gênero, ao contrário do que certos comentaristas propagavam de forma simplista.

    + Identitarismo? Cinco perspectivas sobre a luta por reconhecimento

    O que Haider propõe não é invisibilizar as diversas opressões que atravessam as sociedades contemporâneas, mas construir laços de solidariedade entre essas lutas, evitando sua fragmentação e dispersão. Ele rejeita a luta atomizada e aposta na emancipação universal.

    É certo que, no Brasil, existem intelectuais e movimentos de orientação liberal que operam numa lógica estritamente “identitária”, isto é, que desconectam a luta por reconhecimento da luta por redistribuição – para usar a linguagem de Nancy Fraser. Mas seria um equívoco afirmar que a maior parte da esquerda brasileira esteja enjaulada nesse tipo de pensamento. Quando a União Brasileira de Mulheres (UBM) trata da questão de gênero, o faz a partir da lógica da emancipação humana; o mesmo vale para a União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro) ao enfrentar a questão racial.

    Haider dialoga com autores como Marx, Engels, Althusser, Badiou, Balibar, Hall, Gilroy e Brown, apontando para a complexidade de seus aportes e para sua atualidade. Seu marxismo insurgente critica o capitalismo enquanto projeta, com esperança, sua superação – e a conquista da emancipação universal.

    Seu desaparecimento empobrece o debate público contemporâneo. Mas sua obra permanece – e seguirá inspirando as lutas por um mundo mais livre e igualitário.

    Veja entrevista que Asad Haider concedeu à Dani Balbi (PCdoB-RJ), em 2021, na TV Grabois:

     

    Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM e coordenador do Grupo de Pesquisa da FMG sobre a Sociedade Brasileira.

    Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

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