Com um sentido de oportunidade impecável, o Comité Nobel para a Paz do Parlamento Norueguês anunciou a atribuição do Prémio Nobel ao dissidente chinês e activista político Liu Xiaobo. O anúncio foi feito no momento em que o Secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geither, aumentava a pressão sobre o governo chinês para que efectuasse uma reavaliação substancial do Yuan, decisão que teria um impato reduzido no destino do dólar, mas que atingiria profundamente a economia chinesa. O teatro do Prémio Nobel é parte da escalada numa estratégia de longo prazo definida por Washington contra a China.

A atribuição do Prémio Nobel a Liu Xiaobo não foi, claramente, uma coincidência. Na minha opinião, em vez disso deve ser entendida como uma parte calculada de uma estratégia de longo prazo, não de alguns elementos do Parlamento Norueguês, mas de círculos da elite dirigente da potência hegemónica mundial, os Estados Unidos da América, para quebrar o ímpeto da China em tornar-se soberana e um factor principal na economia mundial. A China deve ser reduzida ao estatuto que lhe é conferido por aquela elite.

A encenação da imprensa mundial acerca do Prémio Nobel é uma parte calculada desta estratégia – tentando fazer com que a China «perca a face» aos olhos do resto do mundo. É tudo parte de uma orquestração mais profunda, usando os «direitos humanos» e uma teia de Organizações não governamentais (ONGs) que Washington controla directa ou indirectamente, como arma da geopolítica de Washington.

Não é plausível que venha a ter mais sucesso que os incitamentos de Washington às sublevações do Tibete em Março de 2008, baseados em círculos ligados ao Dalai Lama, ou aos apelos declarados à agitação na Província de Xinjiang, em Lulho de 2009, ou à tentativa de desestabilizar o país vizinho da China, o Myanmar (antiga Birmânia), em 2007, na assim-chamada Revolução do Açafrão. Os círculos que organizam estas picadas de aguilhão estão bem conscientes disso. O que andam a fazer é preparar cuidadosamente o ambiente internacional para transformar a imagem pública da República Popular da China, de parceiro e «amigo» para um «novo inimigo». É uma estratégia muito arriscada, da parte de Washington. Além disso, põe em evidência um certo desespero sobre a situação geopolítica dos EUA.

Os curiosos amigos estrangeiros de Liu Xiaobo

Há uma expressão inglesa cheia de razão, afirmando que se conhece alguém pelas pessoas que o rodeiam. Não estou qualificado para me pronunciar sobre a pessoa de Liu Xiaobo. Nunca encontrei essa pessoa, nem li os seus trabalhos. O que considero significativo, porém, é a companhia de que se rodeia, especialmente os seus curiosos amigos estrangeiros.

Até 2007, Liu Xiaobo foi Presidente do Centro Chinês Independente PEN e hoje mantém um lugar na sua administração, segundo a sua biografia oficial publicada no sítio desta instituição na Internet (http://www.pen.org/viewmedia.php/prmMID/3029/prmID/172). PEN não é um conjunto circunstancial de pessoas que escrevem. É uma parte integrante da teia anglo-americana de ONG’s dedicadas aos direitos humanos e à democracia, além de organizações privadas empenhadas em alcançar os objectivos geopolíticos dos seus patrocinadores.

PEN auto-proclama-se a «organização mais antiga para a defesa dos direitos humanos», tendo sido estabelecida em Londres em 1920 por dois estrategas principais do Império Britânico na altura, G. B. Shaw e H. G. Wells. É financiada por uma rede de fundações privadas norte-americanas e europeias e corporações que incluem a Bloomberg, assim como pelo Ministério Norueguês dos Negócios Estrangeiros, além de doadores que «preferem ficar anónimos». Visa criar algo a que chama a «cultura mundial». Isto tresanda à expressão anglo-americana «Governação Global», ou à «Nova Ordem Mundial» de David Rockefeller. PEN é uma parte de uma teia muito extensa, chamada International Freedom for Expression Exchange, ou IFEX, uma rede internacional, com sede no Canadá, de cerca de noventa ONG’s animadas da aparente nobre missão de defender «o direito à liberdade de expressão», o que quer que seja que isso signifique. Os membros da IFEX incluem a Freedom House, com sede em Washington, esta financiada pelo Departamento do Estado, e a National Endowment for Democracy (NED).

A Freedom House, fundada em 1941 para promover a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, foi usada durante a Guerra Fria como instrumento de propaganda anti-comunista dirigida pela CIA. Como ONG, as suas actividades recentes foram essenciais na desestabilização dirigida por Washington contra o Tibete, Myanmar, Ucrânia, Geórgia, Sérvia, Quirguistão e outros países, cujas políticas não satisfaziam, aparentemente, algumas pessoas poderosas nos EUA. A Freedom House trabalhou em conjunto com o Instituto para a Sociedade Aberta, de George Soros e com o Ministério Norueguês dos Negócios Estrangeiros, na promoção de projectos como a Revolução das Tulipas no Quirguistão em 2005, financiada por Washington, que conduziu ao poder o ditador e patrão da droga Kurmanbek Bakiyev, amigo dos EUA (Philip Shishkin, In Putin’s Backyard, Democracy Stirs — With US Help, The Wall Street Journal, February 25, 2005).

Isto, a respeito das relações do PEN com Liu Xiaobo. Vejamos agora porque lhe foi outorgado o prémio Nobel.

A história pouco conhecida de Tiananmen de 1989

No anúncio da atribuição do Prémio Nobel, o comité citou o papel desempenhado por Liu Xiaobo nos protestos de Tiananmen como uma das razões mais importantes (http://nobelprize.org/nobel_prizes/peace/laureates/2010/press.html), além da co-autoria de uma coisa chamada Charter 08, em 2008, que a revista Time chamou «um manifesto pela reforma política da China comunista opressiva» (http://www.time.com/time/world/article/0,8599,2024405,00.html#ixzz12gorrikW).

É sabido que Liu Xiaobo, que ministrava a docência na elitista Ivy League Columbia University dos EUA, regressou apressadamente à China na Primavera de 1989 para participar nos protestos estudantis da Praça Tienenmen de Pequim. Os acontecimentos da Praça Tiananmen de Junho de 1989 estão ofuscados pelas imagens da CNN, difundidas para todo o mundo. O que poucos sabem é que Tiannamen foi, em Junho de 1989, uma tentativa precoce dos serviços secretos dos EUA de implementar aquilo que se convencionou chamar revoluções coloridas. Outras revoluções coloridas, semelhantes a esta, foram dirigidas por Washington contra a Milosevitch na Sérvia; na Ucrânia, com o nome de Revolução Laranja; a Revolução Rosa da Geórgia e outras desestabilizações geopolíticas destinadas a mudar regimes, tornando-os amigáveis a Washington.

Como descrevi no meu livro Full Spectrum Dominance: Totalitarian Democracy and the New World Order, o homem que pediu ao presidente dos EUA na altura, George Herbert Walker Bush, a imposição de sanções duras contra o governo de Pequim, devido aos acontecimentos de Tiananmen, foi o embaixador dos EUA, James R. Lilley, amigo de longa data de Bush e oficial da CIA. Há boas razões para acreditar que Lilley foi o oficial responsável pela operação de desestabilização. Gene Sharp, do Instituto Albert Einstein de Boston, autor do livro «Não-Violência como Forma de Guerra», segundos palavras suas, também se encontrava em Pequim nos dias que antecederam a escalada dos protestos em Tiananmen. A organização e o texto de Sharp, em especial o seu livro, Civilian-Based Defense: A Post Military Weapons System, reconhecidamente desempenhou um papel importante nas revoluções coloridas na Sérvia, na Ucrânia e na Geórgia. Talvez seja uma coincidência, que Sharp tenha estado em Pequim em Junho de 1989… talvez não (Philip Shishkin, In Putin’s Backyard, Democracy Stirs — With US Help, The Wall Street Journal, February 25, 2005).

Quando se verificaram os acontecimentos de desestabilização em Tienanmen, em Junho de 1989, uma fundação dirigida por George Soros, o Fundo para a Reforma e Abertura da China, foi também forçada a fechar, depois de responsáveis chineses a acusarem de trabalhar com a CIA (United Press International (UPI), China Fund employee reportedly interrogated, August 9, 1989.).

Convém lembrar que os serviços secretos dos EUA, nessa altura, também se encontravam activos no colapso da União Soviética. Assim, o facto de Liu Xiaobo decidir abdicar de uma carreira académica promissora em Nova York, na elitista Universidade de Colúmbia, mudando-se para o centro dos acontecimentos de Tiananmen na Primavera de 1989, sugere, no mínimo, que tenha sido encorajado a fazê-lo por alguns dos seus curiosos amigos nos EUA.

Quanto ao seu papel na Charter 08, é igualmente notável a oportunidade. A um tempo em que a China moderniza a economia e permite, segundo a opinião de quem escreve estas linhas, muitas vezes mais liberdade individual que aquela que podemos observar em certas assim chamadas democracias ocidentais, Liu aumenta as pressões políticas sobre o governo de Pequim. Faz isto no ano de 2008, sabendo perfeitamente que os responsáveis chineses são extremamente sensíveis às movimentações dos grupos no Tibete e noutros lados, como os Uighurs, que procuraram dificultar a realização dos Jogos Olímpicos. O Departamento do Estado dos EUA admitiu em 2008 que os protestos e os distúrbios dos apoiantes do Dalai Lama constituíam a ameaça interna mais séria na história da República Popular da China. Forçosamente, há que reconhecer que era difícil encontrar melhor ocasião para abrir dissidências. Sugere que as actividades de Liu Xiaobo podem ter uma agenda ainda mais profunda que a que os seus curiosos amigos estrangeiros anunciam.

A nomeação para o Prémio Nobel

Neste contexto, a lista de personalidades que apresentaram Liu Xiaobo para a nomeação do Prémio Nobel de 2010 nada vale. Esta nomeação foi proposta por nada menos que por Dalai Lama, um receptador de longa data de meios financeiros generosos da parte do governo dos EUA – quer da CIA, quer do Congresso, via a National Endowment for Democracy. O facto de a nomeação provir do Dalai Lama diz muito sobre a orientação geopolítica do Prémio Nobel da Paz deste ano.

Se olharmos agora para a lista de outras personalidades que nomearam Liu Xiaobo, esta assemelha-se a uma lista de membros da secretíssima Comissão Trilateral de Davis Rockefeller, um grupo de elite muito restrito, cujos membros são admitidos apenas por convite, de cerca de trezentas pessoas entre as mais poderosas dos EUA, Europa e Japão (a China nunca foi convidada para este clube selecto).

Além do Dalai Lama, constam: Karel, o Príncipe de Schwarzenberg e Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Checa; o administrador principal da Organização Mundial do Comércio, Mike Moore; Grigory A. Yavlinsky, o oposicionista russo adepto do mercado livre. Todos nomearam Liu.

O Príncipe Karel, Moore e Yalinsky são todos membros da Comissão Trilateral, sugerindo que a nomeação para o vencedor do Prémio Nobel foi planeada.

O ex-Presidente pró-NATO da República Checa, Vaclav Havel, que é presidente do Conselho Internacional da Human Right Watch, financiado por George Soros, também se juntou à nomeação de Liu para o prémio. Havel, um amigo íntimo do Príncipe Karel, fez notar que a Charter 08 foi feita à imagem da Charter 77 de Havel, tendo esta sido usada, com a cobertura dos EUA, para desestabilizar a União Soviética na década de 1980 (http://www.project-syndicate.org/commentary/havel38/English). Tudo isto indicia um clube de malha estreita, pois neste caso, Havel e o clube são pagos por Washington.

Sobre o Comité Nobel do Parlamento Norueguês, pouco se conhece publicamente. O seu sítio da Internet sublinha a sua completa independência, que fica menos credível quando se olha para os nomes a quem conferiram o prémio. Inclui Dalai Lama, o dirigente preso da oposição birmanesa Aung San Suu Kyl, Barak Obama, que recebeu o prémio duas semanas após a sua tomada de posse, apesar do incremento das tropas dos EUA em combate no Afeganistão ter sido expressamente anunciada durante a sua campanha, Henry Kissinger, que, na qualidade de Secretário de Estado dos EUA, apoiou a repressão e os esquadrões da morte dos ditadores da América Latina na década de 1970. No momento em que os banqueiros da Wall Street e o establishment anglo-americano promoviam a fraude do aquecimento global, o Prémio Nobel foi atribuído à desacreditada IPCC das Nações Unidas e ao seu activista Al Gore. Para pôr os factos a descoberto, as provas são claras de que o Prémio Nobel da Paz é parte dos instrumentos geopolíticos dos círculos da NATO, a ser usado como meio de pressão de cada vez que um governo não alinha completamente com ela. A Noruega é um membro fundador da NATO e tem laços extremamente apertados com os círculos dirigentes dos EUA.

Significado geopolítico mais profundo

A questão de saber-se porque razão os círculos poderosos dos EUA escolheram este momento para agravar a pressão sobre a República Popular da China, atribuindo o prémio Nobel da Paz a Liu Chiaobo é fácil de compreender, observando a recente emergência da China como forte e dinamicamente crescente economia à escala mundial, ao mesmo tempo que os Estados Unidos da América se afundam na pior depressão económica dos seus duzentos anos de existência.

A política estratégica dos EUA continua a ser a que foi definida em Setembro de 2002 pelo National Security Strategy of the United States, por vezes designada por Doutrina Bush, que estabelece que «a missão política e militar dos EUA na era pós-guerra-fria será a de assegurar que não será admitida a emergência de qualquer superpotência rival na Europa Ocidental, na Ásia ou nos territórios da antiga União Soviética». Esta formulação foi adoptada explicitamente pelo Pentágono desde 1992 (Patrick E. Tyler, U.S. Strategy Plan Calls for Insuring No Rivals Develop: A One-Superpower World, The New York Times, March 8, 1992).

Porque está a China na linha de mira? Simplesmente porque a China existe hoje – e existe como um factor económico e político mundial emergente e dinâmico, criando alianças externas para sustentar o crescimento em lugares como o Sudão ou o Irão, onde Washington tem menos controlo. Na actual situação, a existência de uma nação com o dinamismo estável da China é vista como uma ameaça estratégica crescente pelos EUA, não porque a China faça ameaças de guerra como Washington faz por todo o mundo. A ameaça é que os Estados Unidos da América e aqueles que dominam a sua política perdem a sua posição hegemónica mundial à medida que a China, a Rússia, os países da Organização para a Cooperação de Shangai da Ásia Central, bem como inúmeros outros países, se movem em direcção a um mundo diversificado e multi-polar. Segundo a Doutrina Bush e a estratégia geopolítica dos EUA, estes avanços devem ser impedidos a todo o custo, enquanto for possível. A recente escalada de sanções contra o Irão pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, por pressões intensas dos EUA, tem menos a ver com as ambições nucleares do Irão que com o facto de o Irão ser um parceiro económico estratégico para a China.

A atribuição do Prémio Nobel da Paz a Liu Xiaobo, longe de constituir um gesto para a promoção da paz, deveria ser visto antes por aquilo que é: uma declaração de guerra disfarçada – guiada pela batuta de Washington e alimentada por ONGs – contra a existência da China como país soberano. Desde há duzentos anos que a geopolítica britânica do Equilíbrio do Poder assume um axioma, pelo qual o império hegemónico deve seleccionar sempre o mais fraco de entre os seus dois potenciais adversários principais e aliar-se a ele, para destruir o mais forte. A política dos EUA relativamente à Índia, desde 2001, e à China, desde 2008, foi exactamente esta, aprofundar a aliança militar e estratégica com a parte notoriamente mais fraca, a Índia, contra os interesses estratégicos da China na Ásia, especialmente no Paquistão e no Afeganistão.

A presença oficial da NATO no Afeganistão, longe do Atlântico Norte, deveria constituir um aviso de que não se trata a promover da democracia e a liberdade de expressão, mas constitui antes um sinal do declínio de uma potência hegemónica, desesperadamente à procura de qualquer arma no seu arsenal para inverter o curso dos acontecimentos. Liu Xiaobo é apenas uma ferramenta conveniente para tais esforços, mais uma a acrescentar a tantas outras, como o Dalai Lama, Rebiya Kadeer ou o Congresso de Uyghur, suportado pelo Congresso dos EUA. Aparentemente, a sua credibilidade desvanece juntamente com a sua economia, uma mistura altamente instável.

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William Engdahl é analista político e económico internacional

Traduzido do inglês por António Ferrão

Fonte: ODiario.info