DESFILE CÍVICO DE UM GAUCHO CAMPEIRO

      E o índio velho, queixo duro, estava cevando o mate amargo. A prosa galponeira estava animada. Há muito tempo aqueles gaudérios pretendiam fazer aquele tchêncontro, com surungo, roda de jogo de truco, vinho, um assado, umas bagas, um amargo e uma charla ao pé do fogo. Ele gostava de haraganear, por isso o evento lhe agradava.

      Enquanto despejava mais água fervente na cuia de prata, o índio velho e aporreado; lembrava dos tempos em que desfilava com seu flete nas coxilhas e invernadas verdejantes, varridas pelo Naragano; que fazia com que os ossos doessem do fresco demasiado, mesmo usando o poncho, sombrero, pantalonas e botas de couro; mas a cuia ficava à la cria!

                                               
                                    CENA TÍPICA NAS QUERÊNCIAS GAUCHAS CAMPEIRAS

      Ele lembrou também do cusco preto que o seguia ao pé de seu bagual, nas vezes em que ia a um bolicho ou para ver uma chinoca querida. Lá, ele se encontrava com os gaiteiros, chamameros, poetas e pajadores, que se apresentavam, por uma baga , na tertúlia nativista, com o melhor da poesia crioula. Naquelas noites trigueiras, enquanto dobravam o cotovelo, se mateavam ou tomavam a água-benta, ou o vinho da colônia, iam sentindo saudades dos tempos de guri e piá hermoso, das coisas da vida levadas à laço e espora, da querência amada. No final da tertúlia, era sempre servida uma comida campeira e um churrasco digno de um campeiro gaucho. Mesmo depois de comer, beber, ouvir música, abichornar-se e chorar de saudades, o índio velho, por gracia do Patrão Velho, num upa, ele abria cancha para o onírico e ficava ali, à meia guampa, fingindo não estar gateado, um tanto jururu, declamando “pajadas” do macanudo gaudério Jayme Caetano. Afinal, nesta vida campeira, ele já estava com o pé no estribo; pronto para falar com o patrão velho.

      E então, o índio velho levantou-se e em voz solene, declamou esta pajada:

      ……………………………………………………………..eis a pajada:

      Título da Pajada: Cusco Cego

      Autoria: Apparicio Silva Rillo

Este cusco brasino, cara branca,
Pequenote e rabão,
Que o parceiro está vendo enrodilhado,
Aí perto do fogão,
Foi mordido de cobra na paleta,
Quando troteava atrás de uma carreta,
Cruzando um macegão.
Resultou de tal manobra
Que o veneno dessa cobra
Cegou meu cusco rabão.

Faz um tempão
Que se deu esse tropeço.
Dava pena, no começo,
Ver o cusco atarantado,
Pechar de frente e de lado,
Chorando como um cristão.

Agora vagueia solitário pelo pátio,
Perdido nessa noite sem aurora,
Que um dia lhe desceu pela retina.
Por quando a noite se embalsama de perfumes,
E os pequenos e inquietos vagalumes,
Acendem lamparinas nos brejais:
Eu maldigo a injustiça do destino,
Que não ouço o uivo triste do brasino,
Chorando a lua que não vê mais!

      Epílogo: sentados a uma mesa posta com as comidas e bebidas campeiras, o ACAS e sua esposa ouviram a pajada acima e aplaudiram no final; não sem antes, tomados pela emoção, verterem quatro lágrimas paulistas.

      POSTFÁCIO:

      Pelas minhas pesquisas, existem algumas dezenas; talvez centenas de pajadores no Rio Grande do Sul e até fora dele. Cito apenas dois pajadores, para dar chance aos leitores que desconheciam este tipo de literatura ou aqueles que ouviram falar e não sabiam de quê se tratava. Dentre os dois aqui mencionados, o ACAS reconhece que o mais prolixo na sua produção e, ao que parece aquele que é referência, é o Jayme Caetano; em nome do qual eu homenageio os pajadores gaúchos, que ajudam a fazer do Brasil uma das culturas mais lindas do mundo.

      -Apparicio Silva Rillo, autor da pajada acima é autor dentre outros, do livro “Cantigas do Tempo Velho”.

      -Nei Fagundes Machado é autor do livro “Jayme Caetano Braun – O Grande Pajador”.

      ………………fim

Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.