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    Comunicação

    O BOOM DA SOJA

    O que era da terra, das fomes de bichos e homens, agora é da gula da fera de ferro. A goela de léguas e léguas engolindo tudo, a língua do sol ardendo na terra descarnada para o churrasco do diabo. Tudo arrasado, quebrado o equilíbrio natural das coisas, o ar da vida. Milhares e milhares […]

    O que era da terra,
    das fomes de bichos e homens,
    agora é da gula da fera de ferro.
    A goela de léguas e léguas engolindo tudo,
    a língua do sol ardendo na terra descarnada
    para o churrasco do diabo.

    Tudo arrasado,
    quebrado o equilíbrio
    natural das coisas,
    o ar da vida.
    Milhares e milhares de hectares vazios,
    desolados.

    Onde os milharais,
    os pomares, o arroz, os pássaros,
    os bois, o ouro do mel?
    Que bicho os destruiu?

    Agora uma arena de ganâncias,
    uma guerra de interesses sem freios,
    cobra engolindo cobra.

    Sem tréguas,
    a insana refrega,
    em que se comem cruas as crias
    do ferro antropofágico.
    Famigeradas ferragens
    a tudo devastam e devoram,
    rangendo as mandíbulas do dinheiro.

    A semeadura da fartura,
    as supersafras da fome,
    os carunchos do futuro tecnotrágico.

    Nenhuma viv´alma.
    Som nenhum.
    Só a terra nua e o sol.
    Sombra alguma de vegetal,
    salvo de esparsos eucaliptos
    junto às sinistras instalações,
    nefandos galpões,
    ninhos de máquinas,
    frios monstrengos do desenfreio.

    E tome soja.
    O boom da soja.
    E o bunda-suja.
    Os cus de barbicacho
    com a praga de gafanhotos,
    sotonhafag, nhotosgafa,
    gatosfanho e bostoutras.

    A terra estuprada,
    fundas fendas, feridas
    que são crateras do tumor maligno.
    Signo de câncer,
    a doença imoral das supersafras.

    Furibundas fazendas pró-rendas,
    a tara do lucro às toneladas,
    e a má distribuição de renda.
    Os governos, os banqueiros,
    financiando a barafunda,
    subalternos embolsando o suborno,
    o ladrão dolarizando a corrupção.

    E agora só a terra-terra,
    os arais da escassez,
    o jogo da especulação.
    Ou então soja,
    tipo exportação.
    Só soja.
    Sojeira pura.

    Valdivino Braz é jornalista, escritor e poeta. Secretário-geral reeleito da União Brasileira de Escritores – Seção de Goiás (UBE-GO), em Goiânia. Publicou 14 livros, seis deles premiados em concursos. Com “A trompa de Falópio — Rapsódia de Homero Canhoto” (poemas) foi vencedor do Prêmio Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte/1992. Dois de seus livros publicados são de contos. Acaba de lançar o romance “O Gado de Deus”, que, com outro título, recebeu menção honrosa no Concurso Nacional de Romance do Paraná/1993. Entre chocante, hilária, herética, escatológica e contundente, a obra tem o subtítulo de “Livro do ressentimento” e prima pelo cunho sociopolítico. Uma paródia e sátira ao golpe militar de 64, à história pátria e ao caráter macunaímico da sociedade brasileira. Obra típica de um professo anarcopensador e franco-atirador verbal, sem dourar a pílula de quem quer que seja. Braz recebeu, em 1996, o Troféu Tiokô de Poesia, da UBE-GO. Em 2004, foi agraciado com o Troféu Goyazes de Poesia Leodegária de Jesus, da Academia Goiana de Letras (AGL).

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