A reserva de Libra e a saga do petróleo
A confirmação pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de que o volume recuperável de petróleo na reserva pré-sal de Libra pode variar entre 3,7 bilhões e 15 bilhões de barris, tem um significado histórico. "É importante destacar que somente este prospecto de Libra pode vir a ter um volume de óleo recuperável superior às atuais reservas provadas brasileiras, próximas de 14 bilhões de barris de petróleo", afirmou a ANP em nota. O poço situa-se a 183 km da costa do Rio de Janeiro, em lâmina de água de 1.964 m.
As reservas da camada geológica do pré-sal estão entre as maiores do mundo. O governo estima que os blocos na região podem conter entre 50 bilhões e 80 bilhões de barris, ou seja, cinco vezes as atuais reservas comprovadas do país. O maior campo identificado até então era o de Tupi, onde a Petrobras calcula que possa recuperar entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de petróleo e gás natural. O poço de Franco possui um volume de petróleo recuperável de 4,5 bilhões de barris. Iara, de propriedade da Petrobras, abriga reservas de entre 3 bilhões e 4 bilhões de barris. Guará deve ter volume de óleo recuperável na faixa de 1,1 bilhão a 2 bilhões de barris de petróleo leve e Parque das Baleias, entre 1,5 bilhão a 2,5 bilhões.
A área de Libra pertence à União e, caso aprovado o novo marco regulatório, poderá integrar o primeiro leilão pelo novo modelo de partilha. De acordo com a ANP, até o momento a profundidade atingida no poço em Libra é de 5.410 m, com 22 metros perfurados no pré-sal. A profundidade final prevista, de cerca de 6.500 m, é estimada para ser alcançada no início de dezembro. Essa descoberta reforça, além do papel estratégico das reservas brasileiras, o papel da Petrobras como esteio da soberania nacional. São realidades que remontam ao despertar do país para a importância do petróleo nacional nos anos 1930, 1940 e 1950.
Drama
De 1870, quando a indústria petrolífera mundial já movimentava milhões de dólares, até 1934, quando as riquezas do nosso subsolo foram nacionalizadas, o Brasil esteve disponível para que qualquer país — ou empresa — investisse na pesquisa de petróleo. A decisão brasileira foi uma resposta aos propósitos dos monopólios que se formaram com a história do imperialismo do século XIX e do início do século XX. Eram tempos de partilhas de mercados, de guerras mundiais, de modificações nas correlações de forças e de soberanias nacionais ameaçadas.
Na América Latina, território historicamente cobiçado pelos norte-americanos, o México nacionalizou seu petróleo em 1938 e a Argentina já explorava suas jazidas na década de 40. Chile e Bolívia encaminhavam-se para o monopólio do Estado sobre o combustível nacional. E a formação do bloco socialista tirou do campo de visão dos monopólios imperialistas importantes reservas mundiais — um dos quatro maiores lençóis de petróleo, o do Mar Cáspio, passou para as mãos dos povos soviéticos.
O drama do petróleo entrava em uma fase nova, marcada pelo avanço da democracia contra o imperialismo. Já naquela época, as concessões abarcavam regiões imensas. Uma companhia norte-americana era concessionária de toda a Abissínia — hoje Etiópia. Na Arábia Saudita, metade do país estava nas mãos de outras duas empresas dos Estados Unidos.
Batalha
Em 1945, o Paraguai outorgou a uma petrolífera norte-americana concessões que compreendiam dois terços do seu território. Na Venezuela, regiões imensas foram entregues às companhias norte-americanas e inglesas. Os Estados Unidos controlavam mais de 80% do petróleo do mundo capitalista, cerca de 70% de toda a produção mundial. Em muitos países, como a Venezuela, populações miseráveis vegetavam em torno de poços riquíssimos.
A luta pelo petróleo nacional, portanto, brotou em plena batalha mundial pelas reservas petrolíferas. Era uma questão que requeria a união do povo brasileiro e um governo minimamente comprometido com a independência nacional. Apoiada na tenacidade dos pioneiros Monteiro Lobato e Oscar Cordeiro — dentre outros —, e fortalecida pelo esclarecimento das campanhas do Partido Comunista do Brasil, a palavra de ordem "O Petróleo é Nosso" abriu caminho entre todas as barragens e emergiu como um grande movimento popular em defesa da soberania nacional.
O deputado comunista Pedro Pomar disse na tribuna da Câmara que "o problema fundamental (do Brasil) é produzir petróleo para nosso consumo e assegurar reservas para qualquer emergência". Segundo Pomar, os brasileiros não podiam ficar à mercê da política agressiva e provocadora de guerra dos norte-americanos. Além da mobilização popular e das denúncias na tribuna do Congresso Nacional, os comunistas apresentaram três projetos sobre o petróleo.
Legislação
De autoria do deputado Carlos Marighella, o primeiro — subscrito por Maurício Grabois, Gregório Bezerra, Henrique Oest, José Maria Crispim, Jorge Amado, Abílio Fernandes e Diógenes Arruda Câmara — dizia que "as jazidas de petróleo e gases naturais existentes no território nacional pertencem à União, a título de domínio privado imprescindível". Ou seja: só brasileiros poderiam pesquisar e lavrar petróleo e gases naturais.
O segundo — não há registro de subscrição —, declarava de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. Isto é: a produção, importação, exportação, refino, transporte, construção de oleoduto, distribuição e comércio seriam exclusividade de empresas de capital nacional, com 51% das ações em poder do governo federal. O terceiro projeto de Marighella — subscrito por Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Henrique Oest, Gregório Bezerra, Gervásio Azevedo, Jorge Amado e Abílio Fernandes —, criava o Instituto Nacional do Petróleo, entidade autárquica com ampla competência.
Além destes três projetos, Abílio Fernandes apresentou outro, em nome da bancada comunista, regulamentando a aplicação dos artigos 152 e 153 da Constituição de 1946, relativos às minas e demais riquezas do subsolo. Segundo o projeto, "os decretos de concessões de petróleo e de autorizações de lavra serão conferidos exclusivamente a brasileiros ou sociedades organizadas no país". Os projetos pararam na Comissão de Constituição e Justiça e o assunto passou a ser monopolizado por uma nova legislação que seria enviada ao Congresso pelo presidente Eurico Gaspar Dutra.
Entreguistas
A concretização do monopólio estatal do petróleo só viria no segundo governo do presidente Getúlio Vargas, eleito em 1950. Ao longo dos debates, ficou evidenciada a importância da "batalha pelas reservas". Desde cedo, os defensores da posse do petróleo pelo Estado compreenderam a importância dessa bandeira para o desenvolvimento nacional e a defesa da nossa soberania. O petróleo é a base principal da economia e do poder do Estado nacional.
Por ter esse papel, os entreguistas brasileiros — autênticos irmãos das sete irmãs que monopolizam a indústria petrolífera privada no mundo — nunca aceitaram de bom grado o papel da Petrobrás. Já em 1975, o governo brasileiro — na época liderado pelo ditador Ernesto Geisel — permitiu que empresas estrangeiras pesquisassem dois milhões de quilômetros quadrados de bacias sedimentares brasileiras.
Nos 14 anos em que esta concessão vigorou, nenhuma gota de petróleo foi encontrada pelas maiores petrolíferas do mundo. Enquanto isso, a Petrobrás manteve seu vertiginoso crescimento e, no mesmo período, duplicou a produção brasileira. Com a chegada de FHC ao poder, os ataques ao monopólio estatal do petróleo se intensificaram — e resultaram na aprovação da Emenda Constitucional nº 9, no dia 9 de novembro de 1995, que deu nova redação ao parágrafo primeiro do artigo 177 da Constituição Federal de 1988. Iniciava-se o processo de abertura da indústria petrolífera e gasífera no Brasil.