O novo livro que Woodward acaba de lançar Obama’s Wars [as guerras de Obama] será sucesso garantido de vendas. Sai essa semana, já provocando frisson, e com certeza estará esquecido meia hora depois que desaparecer das listas de mais vendidos. Por boa razão: o novo livro de Woodward tem tanta substância quanto um rol de roupa suja.

Em 2002, por exemplo, nos dias que antecederam a invasão do Iraque, Woodward nos ofereceu Bush at War[1]. Baseado em entrevistas com fontes não identificadas do grupo íntimo do presidente George W. Bush, o livro apresentou um perfil do presidente como valoroso líder guerreiro, que o punha em pés de igualdade com Abraham Lincoln e Franklin Roosevelt. Mas ainda havia um sumo interessante, no que o livro revelava dos bastidores. “O gabinete de guerra de Bush estava dividido, dilacerado entre opiniões opostas”, escreveu o Times de Londres, que creditou a Woodward ter revelado “as furiosas discussões e a animosidades pessoais” que dividiam os tenentes de Bush.

Evidentemente, o problema do governo Bush nunca esteve nas brigas internas e nos maus modos com que se tratavam os membros ‘da equipe’. Não. O problema sempre esteve numa longa série de erros catastróficos que o presidente e seu grupo cometeram e que produziram uma guerra catastrófica, desnecessária e grotescamente mal conduzida. Aquela guerra custou muito caro aos EUA – apesar de muitos dos engenheiros daquela catástrofe, vários deles, terem embolsados gordos adiantamentos pela edição de memórias potenciais, os quais, até hoje, vivem muito bem, obrigado.

A julgar pela blitzkrieg publicitária que anuncia a chegada de “As guerras de Obama” às livrarias, a grande novidade é que, até hoje, a política ainda é retratada, pelo jornalismo, como esporte altamente competitivo, no qual os participantes, às vezes furiosos, às vezes frustrados, vez ou outra dizem coisas horríveis uns dos outros.

Pelo que anuncia a publicidade do livro, é certo que Woodward apenas requentou a reportagem de 2002. Mudam os nomes, mas o ‘fato’ é sempre o mesmo. Conversa fiada a respeito de o que sobe desce.

Seremos informados de que David Axelrod, conselheiro político de Obama, não confia muito na secretária de Estado Hillary Clinton. O Conselheiro de Segurança Nacional, general da reserva da Marinha, pouco se importa com o que Axelrod pense ou deixe de pensar sobre seja lá quem for, e nunca perde chance de dizer isso pelas costas de Axelrod. Opinião praticamente unânime em toda a equipe é que Richard Holbrooke, principal empreendedor propagandista do portfólio “AfPak”, não passa de rematado idiota. E – parem as rotativas! –, quando bebe, o general David Petraeus, comandante dos exércitos dos EUA e aliados no Afeganistão, tem o mau hábito de dizer “que se fodam”. Esse tipo de jornalismo de revelações estarrecedoras basta para por qualquer um nas manchetes dos programas de entrevistas, pela televisão, domingo de manhã.

Se se levam a sério as opiniões dos eleitos que já receberam exemplares do livro – a maioria dos jornalistas do Post e do The New York Times os quais, não sei por quê, parecem felicíssimos por fazerem o papel de arautos do nada – “As Guerras de Obama”, de Bob Woodward, inclui ‘dicas’ sobre uma história subjacente, cuja importância Woodward não dá sinais de ter entendido.

O tema dessa história oculta não é se Dick gosta de Jane, mas se a Constituição ainda é documento aproveitável. A Constituição atribui explicitamente ao presidente a responsabilidade de comandante-em-chefe. É responsabilidade exclusiva do presidente decidir sobre guerras. Pelo princípio constitucional do controle pela sociedade, os generais e principais comandantes aconselham e executam, mas só o presidente decide. Assim, pelo menos, diz a teoria (e a Constituição). Mas parece que “a realidade em campo” anda meio diferente, e, para simplificar, parece um pouco mais complexa.

Já se sabe que “As Guerras de Obama” inclui uma frase do presidente Obama dita à secretária Clinton e ao secretário de Defesa Robert Gates sobre o Afeganistão: “Não estou interessado em segundo mandato. Não estou interessado em construção nacional de longo prazo. O caso é que não vou gastar outro trilhão de dólares.”

Será que não, Presidente? Eu não acreditaria nisso.

“As Guerras de Obama” também diz o que todos sabemos ou suspeitamos sobre o processo de decisão que levou o presidente a anunciar em West Point, em dezembro de 2009, que a guerra continuaria, em escalada. Dito em poucas palavras, o Pentágono atuou de modo a impedir que Obama tomasse qualquer decisão que tumultuasse os planos do Pentágono.

Escolha um número, para a “escalada”: 20 mil soldados? 30 mil? Ou 40 mil? Só o homem mais poderoso do mundo – ou Mamãe Ursa ante três potes de mingau – teria sabedoria para tomar tal decisão. Ainda que Obama tenha escolhido o pote do meio, a verdadeira decisão já estava tomada por outros: a guerra do Afeganistão avançaria e continuaria.

E há também outra, do ilustre general David Petraeus: “Acho que não se vence uma guerra dessas” – Woodward cita o comandante, que teria completado: “Acho que é guerra que se continua a guerrear. É um tipo de guerra que guerrearemos até o fim da nossa vida e, provavelmente, até o fim da vida de nossos filhos.”

É onde surgem várias perguntas que Woodward (para não falar do resto da população de Washington) recusa-se absolutamente a perguntar. Por que insistir numa guerra que nem o general comandante prevê que se vença algum dia? Quanto custará a perpetuação dessa guerra? A quem interessa uma guerra perpétua? A nação mais poderosa do mundo não tem poder para não guerrear guerra perpétua? Não há alternativas? Obama não pode por fim a uma guerra que não vencerá e que já está entrando no décimo ano? Será Obama – como todos nós – prisioneiro de guerra?

O presidente Obama tem repetido que em julho de 2011 começará a retirada dos soldados norte-americanos do Afeganistão. Ninguém sabe exatamente o que significa essa promessa. Será retirada ‘simbólica’? O general Petraeus já disse, abundantemente claro, que mais do que isso não acontecerá. Ou julho indicará que a guerra do Afeganistão – e toda a guerra global ao terror iniciada há nove anos – estará finalmente começando a acabar?

De hoje até o próximo verão, os norte-americanos mais atentos muito descobrirão sobre como a política de segurança nacional é de fato construída. Mas que ninguém espere qualquer informação aproveitável sobre essa questão, do jornalismo de Bob Woodward.

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[1] Em português, WOODWARD, Bob. Bush em Guerra, Lisboa: Gradiva Publicações, 2003 (não encontrei edição brasileira).

Fonte: TomDispatch

http://www.tomdispatch.com/post/175300/tomgram:_andrew_bacevich,_the_washington_gossip_machine__/

Tradução: Caia Fittipaldi