O filme terá outras sessões, no âmbito do Festival do Rio 2010, que vai até 7 de outubro e exibirá 300 filmes de 60 países, organizados em 18 mostras, que acontecem em 40 espaços de exibição públicos e privados. A grande vitrine da produção cinematográfica brasileira é a mostra Première Brasil, que exibirá neste ano 65 filmes nacionais entre longas, documentários e curtas metragens. É considerada a mais importante vitrine de filmes brasileiros conteporâneos para o mundo. Integrando a Première Brasil estão a Mostra Competitiva, Hors Concours, Mostra Retratos, Novos Rumos e Política.

As exibições de “Camponeses do Araguaia — a Guerrilha vista por dentro” fazem parte da “Mostra política”, ao lado de “Arquitetos do poder”, de Vicente Ferraz e Alessandra Aldé; “Os representantes”, de Felipe Lacerda; e “Porta a porta — a política em dois tempos”, de Marcelo Brennand. A primeira delas (veja a programação aqui), segundo o diretor Vandré Fernandes, teve uma receptividade surpreendente. “Contar essa história no mais importante festival de cinema brasileiro é fascinante”, disse ele, que fez um breve comentário sobre o filme antes da sessão inaugural. Segundo o diretor, o documentário apresenta uma “terceira visão”, um enfoque original em relação aos documentos sobre o tema do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) — organizador da Guerrilha — e às versões dos repressores.


Público começa a ocupar o auditório

O Festival de fato chama a atenção. Segundo os organizadores, são duas semanas em que a cidade do Rio de Janeiro é tomada pelo maior evento audiovisual da América Latina, evidenciando a importância cultural e econômica do setor. E o coração da festa é exatamente a Première Brasil. Outra característica do Festival é a popularização do cinema. Sessões por todos os cantos da cidade, mesmo onde não há salas de cinema — é o Cinema Livre —, levam arte e cultura ao povo por meio da RioFilme, empresa de investimento audiovisual da prefeitura do Rio de Janeiro e maior patrocinadora do evento. Com esse recurso, a cidade tem sessões públicas e gratuitas em praças, comunidades e auditórios.

Democratização do acesso ao público

A RioFilme tem investido pesado no cinema carioca. Segundo balanço divulgado pela empresa, que patrocina o Festival pela segunda vez, em 2009 foram investidos R$ 11,3 milhões no setor. Em 2010, a previsão é de um investimento de R$ 40 milhões — agrupando receitas próprias e recursos de terceiros por meio de parcerias com o governo do Estado, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e com outras instituições. “A missão institucional da RioFilme, desde janeiro de 2009, é promover o desenvolvimento da indústria audiovisual carioca como um todo, considerando os vários elos de sua cadeia de valor e seus impactos sociais e econômicos na cidade”, diz um informe da empresa.


O diretor, Vandré Fernandes, apresenta o filme

A Petrobras, outra patrocinadora de peso do evento, também publicou um informe sobre o significado do Festival. “Nas últimas décadas, e graças principalmente à força com que o cinema brasileiro empreendeu a chamada ‘retomada’ — de fato, um encontro entre nossos cineastas e seu público —, multiplicaram-se pelo Brasil as mostras e festivais de cinema”, diz a empresa. “A Petrobras, além de ser a maior empresa brasileira e a maior patrocinadora das artes e da cultura no país, tem uma estreita e sólida parceria com o cinema”, informa. “Nossa atuação não se limita a patrocinar a produção de filmes e vídeos, se estende à divulgação do trabalho de nossos cineastas, na democratização do acesso ao público”, completa.

Maneira peculiar da narrativa

Rogério Zagallo, o arquiteto que deu formas finais ao documentário “Camponeses do Araguaia — a Guerrilha vista por dentro”, diz que a exibição neste evento de grande envergadura é uma chance rara para se divulgar os fatos ocorridos no Araguaia pela voz de quem participou dos acontecimentos. “O que se destaca nesse documentário é que as pessoas que nunca puderam falar agora manifestam suas opiniões abertamente”, diz ele. “O Zezinho do Araguaia, por exemplo, é um baita contador daquela história”, resume. “Isso é o grande atrativo do filme, o fato que chama a atenção das pessoas”, analisa. Para Rogério Zagallo, mesmo a ação que suspendeu a indenização dos camponeses vítimas da repressão fica em xeque diante dos depoimentos mostrados no documentário.


Rogério Zagallo, Bruno Mitih e Vandré Fernandes

Bruno Mitih, responsável pela fotografia do documentário, também enfatizou a “maneira peculiar” da narrativa dos camponeses. “O senso de humor, mesmo relatando casos dramáticos, faz as pessoas despertar o lado afetivo e se solidarizar com aqueles moradores”, diz ele. O diretor Vandré Fernandes concorda. “A exibição foi interessante porque as pessoas reagiram conforme os fatos eram mostrados”, diz. “Quando apareciam depoimentos engraçados, o riso tomava conta da sala; mas quando cenas chocantes eram narradas dava para ver as expressões de indignação”, explica. “O legal de tudo isso é que o publico compareceu, participou e gostou”, resume.

O outro lado da questão

De fato, gostou. O Grabois.org conversou com algumas pessoas na saída, que elogiaram bastante o documentário. É o caso do professor universitário Luiz Felipe, que destacou o registro de uma história ainda pouco conhecida. “Gostei muito, porque o documentário deu voz a quem nunca teve voz”, analisou. “Aqueles camponeses mereciam ser ouvidos, mereciam contar a sua versão para a história”, afirmou. Ao seu lado, a também professora universitária Simone concordou. “São camponeses pacíficos, que com seus depoimentos cativam a gente pela forma simples e até bem-humorada como eles relatam aqueles tristes acontecimentos”, comentou.

Paulo, estudante de cinema, disse que o documentário tem o mérito de mostrar o outro lado da questão, o dos camponeses. “São registros marcantes daquela história”, disse. A mesma opinião foi manifestada pela estudante universitária Aimee Machado. “Finalmente aqueles camponeses puderam expressar, de maneira natural e livre, opiniões sobre fatos marcantes em suas vidas”, disse ela, registrando que é da região — da cidade de Conceição do Araguaia — e que sua mãe deu guarida a guerrilheiros na época dos combates. “Minha mãe ficou traumatizada com o que viu e até hoje evita falar do assunto", disse Aimee Machado.

História contada pelo povo

Ana Rocha, presidente do PCdoB no Estado do Rio de Janeiro, também comentou a originalidade do documentário. “É um documento importante para a nossa história, um despertar, um choque sobre a realidade daquele povo que demonstrou consciência e caráter na resistência às atrocidades da repressão”, disse ela. “O ineditismo do filme mostra um lado da história até agora oculto”, destacou. Ana Rocha disse ainda que o documentário é impactante e ao mesmo tempo emocionante. “A gente fica emocionada e indignada a cada depoimento dos camponeses”, registrou.

Dilcéia Quintela, membro da direção estadual do PCdoB-RJ e secretária da Educação da cidade de Nova Iguaçu, também disse que o documentário é emocionante. “Me emocionei com os depoimentos daquelas pessoas simples, humildes. Teve um deles que resumiu bem a história ao dizer que era brasileiro, que no Brasil não existia terrorista. Mostrou muita consciência sobre o que é o nosso país, o sentimento patriótico”, analisou. Para Dilcéia Quintela, o documentário é um legado, um registro da sinceridade, da honestidade do povo. “A nossa história precisa ser contatada. E ninguém melhor do que o povo que dela participa para contá-la”, finalizou. 

A Fundação Maurício Grabois esteve representada, na exibição inaugural do documentário, pelo seu diretor Administrativo e Financeiro, Leocir Costa Rosa, e pelo editor do Grabois.org, Osvaldo Bertolino.