A desigualdade na oferta de programas de mestrado e doutorado, contudo, persiste – fator que retarda o desenvolvimento e os avanços do sistema educacional, do nível básico ao superior. O cenário regional revela forte concentração nos Estados mais ricos: em 2009, 79% dos pesquisadores brasileiros saíram das universidades do Distrito Federal, do Sul e do Sudeste, 15% das instituições de ensino superior do Nordeste e 6% das regiões Norte e Centro-Oeste; a mesma relação há dez anos apresentava distorção maior: 88%, 9% e 3%, respectivamente.

Para Danielle Carusi, pesquisadora do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento da Universidade Federal Fluminense (Cede-UFF), o atraso na criação de programas de pós-graduação e a falta de investimento nos anos 1980 reprimiram uma grande demanda no interior do país. “Estamos num momento de retomada, o que é positivo porque descentraliza cada vez mais a formação educacional do eixo Rio-São Paulo e contribui para o desenvolvimento regional”, avalia a economista.

Odenildo Sena, diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), reconhece a descentralização da aplicação de recursos federais em favor da produção de conhecimento no interior do país, mas ressalva que o momento é de “correr atrás do prejuízo”. “As melhores universidades e os melhores centros de pesquisa e de inovação tecnológica estão em São Paulo. Como competir com isso, enquanto estamos no centro da maior biodiversidade do planeta, com milhares de espécies de peixes e plantas medicinais à espera de classificação, e nos falta capital intelectual para transformar isso em conhecimento, em riqueza?”, questiona.

Outra explicação para a desigualdade é histórica, diz Emídio Cantídio, diretor de programas e bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência de fomento à pesquisa do Ministério da Educação (MEC). “A pós-graduação no Brasil é muito jovem, dos anos 1950, 1960. Começou com o nascimento das agências de fomento governamentais [Capes, CNPq e Fapesp] e se desenvolveu mais rapidamente no Sudeste, no Rio e em São Paulo, onde as universidades eram tipicamente de pesquisa.”

No resto do país foi adotado um modelo de universidade focado na graduação. “Havia poucos mestres e doutores, titulação não era obrigação para dar aula. Os professores eram mais ligados ao mercado de trabalho e isso não permitia levar adiante programas de pós-graduação”, lembra Cantídio, que fez parte de uma grande leva de acadêmicos brasileiros que se doutoraram no exterior nos anos 1970. A partir desse período, os programas de pós-graduação começaram a se espalhar. Foram criadas exigências de qualificação e produção de pesquisa, seguidas primeiramente por universidades do Sul e Sudeste e, com maior atraso, por instituições do Norte e Centro-Oeste.

Goiás, por exemplo, formou seu primeiro doutor em 2000, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, em 2006. Em Rondônia, o primeiro doutorado foi concluído há apenas dois anos, com a apresentação de uma pesquisa reconhecida internacionalmente sobre o controle epidêmico da malária na região amazônica. Já Acre, Amapá, Tocantins e Roraima, todos com universidades particulares, estaduais e federais consolidadas, ainda não entraram nessa lista – Acre e Roraima são os únicos Estados do país ainda sem programas de doutorado em andamento. “A primeira pesquisa de mestrado no Acre começou em 2006, se leva algum tempo para chegar ao curso de doutorado”, explica Cantídio.

O diretor da Capes acrescenta que um conjunto de políticas foi criado nos últimos anos para fortalecer a pós-graduação em regiões desfavorecidas, priorizando linhas de pesquisa com perfil regional e apostando no aumento da distribuição de bolsas de estudo. O projeto federal Bolsa para Todos prevê que 100% dos doutorandos das regiões Norte e Centro-Oeste e grande parte dos mestrandos recebam auxílio no curto prazo. “Isso precisa ser impulsionado, é uma ideia que pressiona os pesquisadores e profissionais a permanecerem na região e ajuda no desenvolvimento, qualificando a demanda por investimentos produtivos”, avalia Danielle .

De acordo com levantamento do Valor, com base em dados da Capes, entre os mais de 220 programas de mestrado e doutorado identificados hoje nas regiões Norte e Centro-Oeste destacam-se pesquisas interdisciplinares que associam direito, ciências agrárias, energia, planejamento urbano, diversas modalidades de engenharia, saúde e várias outras áreas a temas relacionados ao ambiente. O único doutorado do Amapá, por exemplo, intitula-se biodiversidade tropical, curso que prepara pesquisadores e profissionais altamente qualificados para o aproveitamento sustentável da floresta amazônica. Além disso, há programas tradicionais, como ciências da computação, ciências sociais, administração e cursos na área de educação, cujo o alvo é melhorar a educação básica.

“Só é preciso tomar cuidado com a qualidade dos cursos oferecidos”, pondera Danielle. A maioria dos programas de pós-graduação das regiões Norte e Centro-Oeste tem conceitos inferiores em comparação com as avaliações de qualidade dos cursos consolidados do eixo Sul/Sudeste. “Os cursos são avaliados a cada três anos, portanto é preciso esperar pela evolução”, explica Maria das Graças Nascimento Silva, pró-reitora de pós-graduação e pesquisa da Universidade Federal de Rondônia (Unir).

Primeiro doutor de RO deu “muitas voltas”

A trajetória acadêmica do médico paulista Mauro Tada até o doutoramento pode ser tomada como referência para ilustrar o quadro de desigualdade regional no setor de pós-graduação e produção científica no Brasil. Em 2008, ele entrou para a história de Rondônia como o primeiro doutor titulado no Estado, mas precisou “dar muitas voltas”.

Graduado pela Universidade de Brasília (UnB) em 1986 e apaixonado por medicina tropical, Tada prestou concurso e se tornou servidor público de Rondônia, onde pôde conduzir pesquisas sobre malária em Costa Marques, cidade na divisa com a Bolívia. A universidade mais próxima dali estava a mais de 500 quilômetros.

Na Secretaria Estadual de Saúde, ele dirigiu o Centro de Pesquisa em Medicina Tropical (Cepem), mantido por recursos federais e de entidades internacionais. “Fui um privilegiado porque trabalhei com apoio e no maior laboratório ao ar livre para estudar malária. Não faltam recursos para a área de saúde e ambiente na nossa região, até o Bill Gates investe aqui, mas não há o mesmo interesse em outras áreas”, conta Tada.

Mesmo com apoio, o pesquisador não conseguiu dar sequência aos estudos formais em Rondônia. Se deslocou para Minas Gerais para fazer uma especialização de dois anos e voltou para a UnB para o mestrado em medicina tropical, concluído em 1995. “Não havia estrutura nas universidades daqui e até hoje faltam pessoas com nível para formar novos doutores, é um processo demorado”, pondera Tada.

O médico só deu início ao doutorado em 2005, desta vez em Porto Velho – a Universidade Federal de Rondônia (Unir) estava estreando a pós-graduação em biologia experimental, que atualmente abre dez vagas por ano. O primeiro trabalho de doutorado do Estado, sobre novas técnicas de controle da malária, detectou portadores assintomáticos da doença nas comunidades ribeirinhas do rio Madeira e hoje orienta políticas públicas de prevenção.

“Passamos por uma série de dificuldades: o custo de vida aqui é muito alto, há problemas de comunicação com o resto do país, problemas para o levantamento da bibliografia, numa situação comum jamais podemos pensar no que eu fiz”, diz Tada, em referência à segurança financeira que tem por ser funcionário público e fazer parte de um centro de pesquisas reconhecido internacionalmente. “Um médico concursado ganha mais de R$ 9 mil e pode se virar sem bolsa, mas é difícil um biólogo ou qualquer outro pesquisador tocar o trabalho com auxílio de R$ 3 mil por mês.” Atualmente, o piso das bolsas de estudo das duas principais agências de fomento federais (Capes e CNPq) é de R$ 1,8 mil e R$ 3,3 mil para programas de mestrado e doutorado, respectivamente.

Para minimizar problemas de desigualdade na pós-graduação, Tada sugere a adoção de um “fator amazônico”, ou seja, um mecanismo para garantir mais recursos públicos para bolsas de estudo e fomento à pesquisa nas regiões Norte e Centro-Oeste. “É necessário que se coloque em evidência a regionalização e os gastos para cada local. Muitos pesquisadores ganham apenas para sobreviver.”

Inaugurada em 1982, a Universidade Federal de Rondônia só começou a oferecer cursos de pós-graduação em 2001, com o mestrado em biologia experimental. Atualmente são oito cursos de mestrado e um de doutorado. Segundo a pró-reitora de pós-graduação e pesquisa Maria das Graças Nascimento Silva, a Unir tem investido em parcerias com universidades do Sudeste para ampliar o quadro de professores-doutores da Unir e, assim, criar novos programas de pós-graduação e núcleos de pesquisa. “Eles fazem o doutorado em universidades de fora do Estado, mas voltam para cá para darem sequência ao trabalho. O próximo passo é abrir nossos próprios cursos, já que não teremos mais fugas de massa crítica como no passado”, conta ela.

Maria das Graças informa ainda que a Unir espera da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) autorização para a abertura de três novos programas de doutorado (literatura, matemática e engenharia agrária) e sete de mestrado (desenvolvimento regional, administração de empresas, psicologia, letras, ciências da linguagem, geografia e educação). “O próximo passo é melhorar o conceito dos nossos cursos para torná-los mais competitivos em relação ao resto do país, aí sim podemos dizer que a desigualdade está sendo reduzida”, afirma.

____________________________________________________________________

Fonte: Valor Econômico