Pra quê?
Formada em direito, Maria Ondina tinha uma visão muito objetiva da vida. Sua pergunta predileta era "pra quê?". Tudo tinha que ter um sentido muito prático; nada poderia significar um mínimo de desperdício.
Seu noivo, Amarildo, a queria por demais. Ciúme da peste, o cabra não podia ver sua Ondina distraída que já perguntava, inquisitorial:
– Que ce tá pensando?
E ela, mão no queixo, absorta:
– Hein?
– No que você tá pensando aí? Aposto que não é em mim?
Ela abre um sorriso condescendente, daqueles que iluminam a alma de um cristão só do pobre vislumbrar-lhe uma nesguinha, e Amarildo se derrete todo por dentro… Mas tem jeito não!: há que manter a fama de macho que o distingue dentre todos, e sujiga-se firme no curso: quer ser dono até dos pensamentos dela, que ela já é senhora toda de seu peito.
– Tô pensando em nada não, meu querido…
– Não tá pensando o quê, Dina? Então você não pensa?
– Marildo, pra quê isso, filho?, me diga.
– Isso o quê?
– Esse ciúme sem sentido até do que eu não tô pensando…
– Ciúme o quê? E eu lá sou homem de ciúme?
– Então, pra quê me perguntou o que eu tava pensando?
– Não venha você com seus praquês, ouviu? Depois que foi trabalhar lá naquele escritório, ficou assim, nessa… lesêra! Aposto…
– Aposta o quê? Diga! No que você aposta?
– Ah, quer saber? Vou caçar o que fazer!
E lá vai Amarildo, agoniado, com aquela queimação por dentro; aquela vontade de voltar e pedir perdão, de mistura com uma raiva por ter certeza de algo que não sabe, mas sente.
Maria Ondina mira o noivo na distância e se pergunta "até quando?". De fato, no escritório, tinham uns olhos pretos que a acompanhavam pra onde ia. Tais olhos tinham uma voz que reclamava sua presença ao telefone e modulava, a cada pedido de ajuda para a solução de um problema legal, uma promessa e um mistério. E isso tudo ia lhe causando uma sensação esquisita, difícil de entender. Sabia, tinha certeza de que amava Amarildo… mas, e aquele novo apelo, fazia o que com ele?