Sendo a vida essa coisa esquisita, levantou-se amaldiçoando a perna dolorida. Dia anterior, um carro o apanhou de surpresa na rua e lhe refraturou o membro. Digo refraturou, porque já havia sofrido um atropelamento muitos anos atrás.

      O médico dissera que água quente ajudava, mas resolveu não tomar banho. Comeu qualquer coisa, abriu o livro pra ver se adiantava o que o acidente atrasara. Ligou para umas pessoas: todas ocupadas em seus empregos. Voltou pra cama.

      Não tinha tv em casa. Nem internet. Não agüentava mais ouvir música. Já sem saco praquele ócio, pegou a muleta, o cachecol, um casaco de couro pesado como o quê e foi ao restaurante: precisava almoçar.

      Pediu frango. Talvez por associação com canja de galinha, receita de sua mãe, infalível pra tudo, inclusive dor de corno. Na última separação, ela só soube dizer isso: “Quer que lhe faça uma canja, meu filho?”.

      Melhor alimentado, a dor diminuiu. Pensou então que talvez pudesse ir ao cinema mais tarde. Ou ao teatro. Melhor não. Descanso absoluto, era a ordem do médico.

      Pediu um café e o jornal emprestado. Enquanto sorvia, passava os olhos pelas manchetes. De repente,  uma pontada. A perna despertara e reclamava cuidados. É essa friagem. Também, andar três quarteirões só para comer frango.

      Então pensou no quanto ainda faltava do dia para terminar e concluiu o que já sabia há anos: que a vida, assim claudicante e falta de produção, era mesmo uma merda.