O Sr. Zephania Phiri Maseko, do Zimbabwe, respondeu a esta questão com maestria. Num trabalho solitário, ele recuperou 3 hectares de uma terra árida, tornando-os recordistas em produção de alimentos, frutas e criação de gado.

A transformação começou com seu olhar atento para o caminho das chuvas pelo solo, numa região de extremos de precipitações. Ora são intensas demais, ora desaparecem provocando grandes secas. De forma autodidata, Phiri fez, com suas próprias mãos, muros de pedras e depressões, servindo de valas de infiltração e covas de fruição. Com a sensibilidade de quem aprendeu a olhar e entender a Natureza, construiu com persistência e experimentação, um sistema capaz de reduzir a velocidade das águas pluviais, permitindo que elas se infiltrassem no solo e, até mesmo, formassem reservatórios.

Aos poucos, este cuidado facilitou o crescimento e a sobrevivência das plantas em sua propriedade. Com mais plantas e mais umidade, os reservatórios passaram a enfrentar melhor o tempo de estiagem. Uma coisa foi puxando a outra, a ponto de ele ter hoje um verdadeiro oásis numa região que sofre com secas bravas e ser conhecido como o “homem que cultiva água”.

Esta capacidade de observar seu ambiente e interagir de forma equilibrada com seus elementos, criando melhores condições de vida não apenas para os seres humanos, mas também para as demais espécies, é a grande necessidade atual da humanidade.

Phiri Maseko não foi o único a colocá-la em prática. Também são exemplos marcantes deste desenvolvimento sustentável, os australianos Bill Mollison e David Holmgren, fundadores da Permacultura e Ernst Götsch, difusor de Sistemas Agroflorestais, responsável pela recuperação de terras exauridas no Sul da Bahia.

Seus trabalhos já datam de algumas décadas, mas mesmo assim, ainda predominam no mundo formas de produção menos inteligentes, com queimadas, desmatamento e extração excessiva. Como resultado, perdem-se solos férteis e aumentam as áreas sob risco de desertificação.

Terras áridas e semiáridas cobrem, hoje, 41% da superfície do planeta e abrigam 35% da população mundial. No mapa, elas coincidem com os pontos de maior pobreza no mundo.

Conferência Internacional – Em busca de soluções para esta situação, 2600 pessoas de 100 países se reuniram de 16 a 20 de agosto, em Fortaleza, na II Conferência Internacional: Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas – ICID 2010. O encontro gerou um documento, assinado por todas as nações presentes: a Declaração de Fortaleza, alertando para a urgência de se colocar as terras secas no centro das atenções.

Com organização do Ministério do Meio Ambiente do Brasil, patrocínio do Governo do Ceará, Ministério da Ciência e Tecnologia e Banco do Nordeste, o evento contou com apoio de uma extensa lista de organismos nacionais e estrangeiros, do peso do Banco Mundial, Organização Meteorológica Mundial (OMM), INPE, Embrapa, The Nature Conservancy, Rede Clima, entre outros. Prova que o tema ganha espaço nas preocupações de governos e da comunidade científica mundial.

A ONU também integrou os apoiadores, participando com recursos para a vinda de convidados, palestrantes e jornalistas e também, para a infraestrutura e organização geral. A entidade aproveitou a ocasião para lançar oficialmente a Década sobre Desertos e de Combate à Desertificação. Até 2020, programas especiais, intercâmbios e fundos serão destinados a este objetivo.

Uma Conferência como esta já havia precedido a Rio92 e suas conclusões pautaram a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD). Assim, este novo encontro foi chamado de ICID+18. Seu principal foco foi fomentar a transposição das discussões e intenções declaradas em eventos anteriores, como a própria ECO 92 ou mesmo a COP-15 de Copenhague, em dezembro passado, para ações práticas.

Compareceram às suas mesas e debates, palestrantes e especialistas de mais de 45 países, que apresentaram estudos, análises e iniciativas bem sucedidas de combate à desertificação. O tom geral, contudo, foi de preocupação. Quanto tempo há para evitar conseqüências graves para as populações das regiões secas face às mudanças climáticas que o planeta atravessa?

Aliança dos Países Semiáridos – ASAC

Uma das falas mais contundentes foi de Jeffey Sachs , professor e economista, conselheiro especial do Secretário Geral das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, responsável pela elaboração do estudo: Investing in Development: A Practical Plan to Achieve the Millennium Development Goals – Investindo no Desenvolvimento: um Plano Prático para Concretizar as Objetivos do Milênio (ODMs), um guia para erradicar a pobreza e os conflitos no mundo.

Sachs alertou que a crise climática é, na realidade, uma ameaça crescente à segurança global e aos ODMs. Afirmou, mais de uma vez, que não há tempo a perder. Lamentou a demora dos EUA em aderir a ações efetivas de redução de gases poluentes e sua insistência em intervenções armadas para, supostamente, resolver conflitos internacionais. “Os EUA não estão vendo a pobreza com suas verdadeiras causas. Este é um ponto cego para seus tomadores de decisão”, definiu.

O professor também foi bastante crítico à grande mídia, denunciando-a por dificultar a compreensão da gravidade da crise climática atual. “Há mais dinheiro sendo investido na divulgação da não ciência do que na ciência e seus estudos”, acusou. Em seguida, conclamou os presentes a lançar uma campanha pública mundial de conscientização, junto aos líderes políticos e a entidades ligadas ao Conselho de Segurança da ONU, onde um capítulo especial sobre prevenção aos efeitos das mudanças climáticas deve ser adicionado, na sua visão.

Esta campanha, segundo Sach, combateria a difamação à ciência realizada por verdadeiras ‘máquinas de mentira’ como a organização de Rupert Murdoch, News Corporation e mobilizaria as principais indústrias atuantes em áreas secas para melhores práticas de adaptação e participação em agências efetivas de fomento de soluções.

O especialista propôs a formação de uma Aliança dos Países do Semiárido – ASAC (Alliance of Semi-arid Countries), reunindo o Brasil, México, Grécia, Espanha, Quênia, Mali, Paquistão, Afganistão, Iêmen etc. Esta Aliança proveria recursos no tempo correto para uma rápida mitigação global dos efeitos das mudanças climáticas, difundiria o conceito de ‘poluidor pagador’ e investiria em larga escala na energia solar, como principais objetivos.

Ele concluiu desejando que a Declaração de Fortaleza sirva de base para avanços, mas que as mudanças comecem já e não esperem novos encontros mundiais para as oficializarem.

Dados mais precisos – Os presentes na ICID+18 tiveram acesso a foros privilegiados de análise e diálogo sobre o desenvolvimento em terras áridas e semiáridas. Como o estudo de Hervé Théry, da Unicamp, mapeando as áreas no mundo sob ricos de desertificação; os custos deste fenômeno, por Heitor Matallo, representante da UNCCD na América Latina ou as suas implicações para a agricultura, em diálogo coordenado por Uriel Safriel, da Universidade de Jerusalém, autor de “Por que a Biodiverisdade Importa?”.

Matallo diagnosticou que a degradação de solos representam perdas econômicas de U$ 250 por hectare por ano em terras irrigadas e U$ 38 ha/ano em culturas alimentadas por chuva. Já os custos de reabilitação são bem maiores: U$ 2 mil por hectare e U$ 400/ha, em cada um dos casos citados.

Também puderam conhecer interessantes soluções já em prática, principalmente brasileiras. Como o programa de cisternas no Brasil; o Proágua da ANA – Agência Nacional das Águas; o programa piloto de combate à desertificação e degradação de terra no Nordeste apresentado por Emilio Rovere, Universidade Federal do Rio de Janeiro ou o de desenvolvimento e proteção das microbacias do Planalto da Borborema, de Maria do Carmo Sobral, da Universidade Federal do Pernambuco.

“O Brasil não é um país, um continente”, opinou Ba Cheikh Oumar, diretor da IPAR – Iniciativa Prospectiva Agrícola e Rural, ONG do Sénegal. “Ele representa para nós, africanos, um paradoxo. Tanto tem exemplos que nos inspiram, como agricultura familiar e os biocombustíveis, como também modelos que não desejamos copiar”, definiu, referindo-se à desigualdade social que pode notar neste sua primeira visita a terras brasileiras.

Soluções internacionais também chamaram a atenção, como as Terras Comunitárias para Conservação, da Namíbia, relatada pelo documentarista Haroldo Castro, que realizou a expedição Luzes da África, viajando por 7 meses para encontrar e divulgar as características positivas do continente.

O otimismo das soluções apresentadas contrastou com as preocupações de pesquisadores de renome, como Carlos Nobre, do INPE, Brasil. Para o especialista, estamos caminhando para uma curva onde o consumo superará a disponibilidade de água doce no planeta. “Precisamos de dados mais exatos e mais numerosos [para tomar medidas mais eficazes de combate às mudanças climáticas]”, decretou, referindo-se aos poucos pontos onde se coletam dados climáticos regularmente e há 10, 20 ou mais anos.

Fez coro ao seu alerta, a Doutora Sharon Nicholson, da Faculdade de São Francisco, EUA. Ela relatou sua dificuldade em obter dados climáticos de longa data de países em desenvolvimento. Chegou, inclusive, a mostrar uma planilha onde pagou milhares de dólares para Centros de Pesquisas, para a remessa de registros de temperatura e índices pluviais, recebendo muitas vezes, dados incompletos e de curto período.

“Mais observação se faz necessária. Não adianta só projetarmos cenários, baseados nos poucos dados existentes. Isto precisa ser mudado ou estaremos sempre na incerteza”, concluiu Nobre.

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Fonte: Envolverde e revista CartaCapital