Está de volta o pesadelo da crise alimentícia, análoga e provavelmente mais multifacetária do que aquela do biênio de 2007-2008. Os incêndios e a estiagem na Rússia já destruíram 1/4 da safra de grãos deste ano no país, enquanto as inundações no Paquistão arrasaram considerável parte da produção de grãos, arroz e cana-de-açúcar.

E, enquanto, os fenômenos climáticoss continuam, aumentando a preocupação sobre as consequências da mudança climática na suficiência dos alimentos, novas pressões altistas sofrerão os preços dos alimentos básicos, se a Ucrânia decidir decretar limites nas exportações de grãos, conforme já informou.

Até há alguns dias, as avaliações dos “especialistas” eram tranquilizadoras. Desde o Programa de Alimentos e Agricultura da Organização das Nações Unidas (ONU) até os “figurões” do mercado de commodities de Chicago, os “especialistas” destacavam que “não há razão para preocupação”, apesar da interrupção imposta pela Rússia nas exportações de grãos.

E conforme explicavam os “especialistas”, as reservas mundiais são mais que suficientes após a rica safra do biênio 2008-2009. Enquanto outros atribuíam à especulação a contínua – desde junho – alta dos preços de grãos, destacando que as circunstâncias não a justificam, em antítese com 2007, quando as reservas haviam sido contraídas a 427 milhões de toneladas, mais baixos níveis dos últimos 30 anos. E anotem que o Programa de Alimentos e Agricultura da ONU relata que “as reservas mundiais de alimentos totalizam 528 milhões de toneladas neste ano”.

Embargo em 2011

Em todo caso, a preocupação está de volta, já que o primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, depreciou, novamente, as avaliações de seu próprio governo sobre a safra da Rússia neste ano, para apenas entre 60-65 milhões de toneladas, volume claramente insuficiente até para as necessidades alimentícias domésticas. Aliás, Putin, deixou em aberto a eventualidade de prolongar o embargo das exportações russas até meados de 2011, considerando que permanece ignorada a extensão da catástrofe.

Paralelamente, as autoridades de regiões do Paquistão que foram, particularmente, atingidas pelas inundações relatam ataques de vítimas das inundações contra membros de organizações de ajuda humanitária.

Suas declarações predispõem por manifestações de violência, análogas com as manifestações de 2008 em países desenvolvidos. “Perderam suas safras, perderam seus animais, perderam sua infra-estrutura, perderam suas ruas e estradas e não existe mais comunicação com o resto do país”, foi a frase com a qual, tentaram as autoridades da região de Pantzab, no Paquistão, para justificar os ataques dos desesperados e famintos contra as organizações de ajuda humanitária.

Seguramente, a repercussão das catástrofes sobre a economia do Paquistão serão terríveis, considerando que grandes são também as perdas na produção de fumo. Indicativo da dimensão da catástrofe é o apelo que formulou a ONU para aumento da ajuda ao Paquistão em volume de recursos superior de US$ 450 milhões.

Jejum adiado

Ainda, mais reveladora foi a surpreendente declaração de destacado clérigo do Paquistão, o qual, considerando a situação de emergência, informou aos famélicos fiéis do Paquistão que neste anos poderão adiar para mais tarde o jejum do Ramadã!

Com relação à Ucrânia, maior exportador mundial de cevada e sexto de trigo, espera-se que anunciará se decretará a aplicação de percentuais em suas exportações. E, de acordo com comunicado do Ministério de Agricultura da Ucrânia, os percentuais poderão não se limitar somente aos grãos, mas estender-se também ao milho e outros produtos agrícolas.

Neste caso, espera-se nova onda altista no mercado de commodities de Chicago, que no decorrer da semana passada registrou três sucessivos pregões de queda dos preços de trigo. Mas, mesmo com esta queda, que trouxe os preços a níveis abaixo de US$ 8 o bushel, os preços do trigo permanecem em níveis 58% superiores àqueles de maio deste ano.

Além disso, o Casaquistão – que, de forma alguma, não é capaz de cobrir o déficit da Rússia e da Ucrânia – eventualmente seguirá o exemplo de ambos, decretando também restrições sobre suas exportações, de acordo com seu compromisso com a Tripartite União Alfandegária com a Rússia e Bielorússia.

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Fonte: Monitor Mercantil