As lições de um embargo
A derrota eleitoral em novembro de 2014 parece ter revigorado o presidente dos Estados Unidos. Eleito triunfalmente para a Casa Branca em 2008 e dispondo durante seus dois primeiros anos de mandato de uma confortável maioria parlamentar, ele tirou disso tudo somente uma modesta reforma do sistema de saúde e uma ladainha de homilias pregando o compromisso a parlamentares republicanos dispostos a destruí-lo.1 Desde que seu partido foi esmagado nas eleições de meio mandato, e com sua carreira política se aproximando do fim, Barack Obama multiplica, no entanto, escolhas audaciosas. Anunciada depois de um importante acordo climático com a China e da anistia a 5 milhões de imigrantes clandestinos, sua decisão de restabelecer as relações diplomáticas com Havana dá testemunho disso. A democracia norte-americana exigiria que um presidente não tivesse mais senadores fanáticos para administrar nem lobbies milionários a subornar para que pudesse tomar uma decisão razoável?
Prometida por Obama, a retirada do embargo imposto a Cuba em 1962 por John F. Kennedy corrigiria uma violação do direito internacional tão indefensável que todos os Estados do planeta, com exceção de Israel, condenam todos os anos a causa de Washington.2 Sem dúvida eles tinham percebido que para além dos pretextos virtuosos que os Estados Unidos apresentavam (os direitos humanos, a liberdade de consciência), os quais todos sabem o quanto são respeitados seja nos aliados sauditas seja em Guantánamo, tratava-se para eles de marcar raivosamente seu despeito. Pois, a pouca distância da Flórida, um pequeno país tinha ousado enfrentar, por muito tempo e quase sozinho, o império norte-americano. Essa batalha da dignidade, da soberania, foi definitivamente vencida por David…
Mas a que custo… Se o embargo de Washington não atingiu seu objetivo de “mudança de regime” em Havana, o modelo cubano que ele procurava conter foi destruído. “Ele não funciona mais nem para nós”, concedeu Fidel Castro em 2010, para dar um aval para as reformas “liberais” impulsionadas por seu irmão Raúl. Depois do deslocamento do bloco soviético, do qual a ilha dependia para quase tudo, o poder de compra dos cubanos desmoronou. A maioria deles só sobrevive numa economia degringolada graças a uma frugalidade de cada instante e uma enorme capacidade de “dar um jeito”.3 Em Cuba, liberalizar será, por enquanto, principalmente deixar os assalariados, quase todos funcionários públicos, se tornarem proprietários de pequenos comércios.
Justificando sua decisão histórica, tão louvada pelas grandes empresas de seu país, preocupadas em desenvolver seus negócios na ilha (American Airlines, Hilton, PepsiCo etc.), o presidente Obama observou que “tentar provocar o afundamento de Cuba não serviria nem aos interesses norte-americanos nem ao povo cubano. Mesmo se isso pudesse funcionar – e não funcionou durante cinquenta anos – sabemos que os países têm mais possibilidades de se transformar de maneira duradoura quando seus povos não estão condenados ao caos”. Agora só resta a Washington, Berlim, Londres e Paris aplicarem essa lição à Rússia. Sem esperar cinquenta anos…
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).
Ilustração: Zoriah/cc
1 Ler “Peut-on réformer les Etats-Unis?” [Podemos reformar os Estados Unidos?], Le Monde diplomatique, jan. 2010.
2 Em 2013, Palau, as Ilhas Marshall e a Micronésia se abstiveram durante o voto anual da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre essa questão.
3 Ler Renaud Lambert, “Ainsi vivent les Cubains” [Assim vivem os cubanos], Le Monde diplomatique, abr. 2011.