Ambições amazônicas
Não chega a ser propriamente novidade a informação que circulou na internet no último fim de semana, tratando de um alerta recente dos serviços de inteligência do governo federal a respeito da ação de ONGs amazônicas “com apoio de governos estrangeiros”, estimulando a criação de “Estados soberanos” formados por etnias indígenas, no extremo norte do território brasileiro.
Sabemos que está longe de existir a tal “voz indígena consensual”, anunciada por “cientistas engajados” e ONGs financiadas por governos estrangeiros. E também o quanto é ridícula a ideia da união de etnias para a formação de “Estados soberanos” que poderiam proclamar sua independência e até “declarar guerra” ao Brasil! A atividade não monitorada de tantas entidades alienígenas, porém, não pode ser considerada algo inofensivo. Devem ser vigiadas para que não se transformem em potencial ameaça à nossa integridade física e em problema de segurança nacional grave.
A desconfiança sobre os reais propósitos dessas organizações que passaram a atuar intensamente em Roraima com a criação do Território Ianomâmi e mais recentemente, após a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol, cresceu muito com a retirada dos arrozeiros deste último território. Seja ou não bem fundamentado, o fato é que se tornou mais difícil o acesso às aldeias por parte dos agentes oficiais que deveriam estar verificando a obediência das restrições contidas nas decisões do STF relativas ao uso das reservas pelas tribos indígenas. Isso impede a confirmação (ou não) das suspeitas de uma crescente presença de “caras pálidas” alienígenas que se comunicam em suas próprias línguas (ou com notebooks compartilhados) sem maiores dificuldades com nossos “peles-morenas”…
Não é demais lembrar que as decisões do Supremo Tribunal Federal, que são o marco constitucional da questão indígena, garantem o usufruto das terras aos índios, mas elas permanecem sob controle da União.
A Amazônia brasileira é imensa, profunda e tem hoje algo como 23 milhões de habitantes autóctones, certamente mais ambientados que a maioria dos “gringos” e obviamente dispostos a mantê-la em nossa propriedade. O velho Henry Ford, ícone empresarial bem-sucedido em quase tudo que quis realizar, não contabilizava como uma derrota pessoal o fracasso de sua ciclópica aventura amazônica, a Fordlândia.
Nos anos 30 e 40 do século passado, às margens do Rio Tapajós, ele investiu 30 milhões de dólares em um empreendimento para a extração de borracha das seringueiras, na tentativa de garantir o fornecimento de pneumáticos para seus carros e quebrar o monopólio da borracha asiática sob controle dos ingleses. Depois de se retirar do empreendimento sem atingir nenhum dos objetivos, Ford, pai, se consolava dizendo ao filho, Henry II, que “a Amazônia é maior do que o homem”.
Isso foi há setenta e poucos anos, quando as Américas (inclusive o Brasil), a Europa e parte da Ásia e a Oceania ainda se engalfinhavam na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Desde então, encurtaram muito as distâncias, enquanto a cobiça das riquezas mundiais continua provocando sangrentos conflitos, independentemente da distância. Não se trata de criar teorias conspiratórias: a Amazônia hoje é o alvo da maior cobiça global. Esqueçam as riquezas minerais do subsolo (que são importantes), mas pensem na abundância das águas e no que elas representam para a autonomia energética e alimentar das nações. Uma boa parte do mundo habitado e de população crescente tem carências de água, de energia não poluente e limitações sérias para a produção de alimentos sem destruir o ambiente ou piorar as condições de saúde para a sua gente. A China é uma dessas nações carentes e gulosas.
O Brasil não tem (não tinha?) problemas sérios de fronteiras com seus vizinhos no continente. Mesmo assim, não é prudente fechar os olhos para a possibilidade de algum conflito menor provocar a gula de um vizinho que se entenda mais “competente” que nós para administrar o território. Por exemplo, o documento citado na internet, atribuído à Agência Brasileira de Informação, faz referência à ideia de um Conselho Indigenista que se propõe a organizar um “cinturão de reservas indígenas” dotado de “autonomia política, administrativa e judiciária”. O passo seguinte poderia ser o novo “Estado” autoproclamar-se uma “Nação Indígena”, produzir algum incidente de fronteira e solicitar seu reconhecimento no exterior apoiado em um marketing previamente planejado pelas ONGs, suas cúmplices.
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Delfim Netto é economista, formado pela USP e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal
Fonte: revista CartaCapital